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O paradoxo Cristiano Ronaldo

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A imortalidade desta camisola está nas mãos de Ronaldo

A imortalidade desta camisola está nas mãos de Ronaldo

Matthew Ashton - AMA/Getty

Há coisa de um ano andávamos aqui a falar do regresso emocional de Cristiano Ronaldo a Old Trafford, um regresso a casa para uma last dance. E digo “emocional” porque há 12 meses foi assim que nos foi apresentada a narrativa: Ronaldo teria tudo apalavrado para reforçar o Manchester City, mas a entrada em cena de Sir Alex Ferguson, o seu pai futebolístico (e por vezes mais do que isso), desviou-o para o United, onde em tempos se fez máquina, onde se moldou para se tornar num dos melhores da história. Cristiano terá sido levado pelo coração e não pelos números, pelos objetivos. No City, a possibilidade de juntar mais títulos ao seu recheado palmarés seria enorme; no United seria o filho pródigo, que dedicaria os seus últimos anos de futebol a levantar um clube que desde a saída de Ferguson vive na deriva. Ronaldo escolheu a segunda, para gáudio dos românticos.

Doze meses depois, Cristiano Ronaldo parece querer rasgar a narrativa. “Parece”, porque oficialmente existem apenas dois factos: o português pediu para se apresentar mais tarde, citado “motivos familiares”, e apresentou-se em Carrington, onde o Manchester United tem o seu quartel-general, com Jorge Mendes ao lado. A presença do super-empresário dá força à ideia que Cristiano entrou num paradoxo: ter-se-à fartado rápido de ser o filho pródigo e afinal quer objetivos mais imediatos que aqueles que o United, uma equipa vai para a sua enésima reconstrução, lhe pode oferecer.

Há aqui uma encruzilhada e Cristiano tem de escolher como quer dizer adeus. Os recordes individuais que tanto o motivam nem sempre trazem a imortalidade. Ou algum adepto médio sabia quem era Josef Bican, o austro-húngaro que o português ultrapassou este ano no topo da lista de melhores marcadores da história? Ou sabe de cabeça quantos golos tem o português na Champions? Se a ideia de Ronaldo é sair do United porque quer jogar a Liga dos Campeões e não a indigente Liga Europa (pelo menos na sua cabeça), essa é uma decisão que ficará tão marcada no seu currículo como as cinco Champions que conquistou. Porque se o United está na Liga Europa, deve-se também a quem não jogou para estar na Liga dos Campeões. Cristiano Ronaldo incluído.

O United é por estes dias um clube que está longe da estrutura hiper-profissional e de vanguarda de equipas como o Liverpool ou o vizinho City. O mundo evoluiu e os red devils, demasiado confortáveis na poltrona de clube mais popular no planeta, deixaram-se ficar para trás. É possível que Cristiano tenha sido surpreendido pela negativa e às vezes não há coração que resista. Voltar ao topo será trabalho para anos. Com ou sem Ronaldo, é uma decisão do português, que vai alimentando a novela comunicando meio passivo-agressivamente através de respostas a posts de Instagram.

No domingo, fez os seus primeiros minutos da época pelo United com a nova camisola que faz lembrar os sucessos dos anos 90 da equipa de Manchester. Cai-lhe bem, a camisola. E ele diz-se “feliz com o regresso”, depois de ter jogado 45 minutos no particular com o Rayo Vallecano, com reações mistas dos adeptos, que, caso Ronaldo fique, rapidamente lhe perdoarão a alegada hesitação em ficar, porque em Inglaterra é assim que funcionam as coisas e ainda bem.

Mas o mercado está aberto até dia 31 de agosto. Até lá, viveremos em suspenso com Ronaldo e o seu paradoxo.

O que se passou

Por cá, começou oficialmente a época de futebol 2022/23, com o FC Porto a confirmar o favoritismo na Supertaça

Lá fora, o Liverpool bateu o Manchester City na Community Shield, a Supertaça de Inglaterra, com Darwin em destaque

Inglaterra sagrou-se pela primeira vez campeã europeia de futebol feminino, em casa (e a isso ainda voltaremos nesta missiva)

Na F1, mais um show de amadorismo made in Ferrari deu a Max Verstappen uma vitória improvável no GP Hungria, antes da paragem de verão

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O verdadeiro adepto e o FC Porto na dianteira

Bruno Vieira Amaral fala sobre "esta cultura de exigência meio alucinada" que só existe e só beneficia das condições para prosperar no Futebol Clube do Porto. E é por isso que, diz o cronista, mesmo sem contratações sonantes e com um treinador a pedir reforços em público, o atual campeão parte para mais uma edição da I Liga como favorito

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“Após a morte do Fehér tivemos algum receio de voltar a treinar porque o Miki era forte e percebemos que podia acontecer a qualquer um”

Alex tinha 10 anos quando pisou pela primeira vez as instalações do Vitória de Guimarães para prestar provas e só de lá saiu já adulto, para ingressar no futebol sénior. Vitoriano de coração, diz que Manuel Machado, treinador que lhe marcou o percurso, é um homem muito inteligente, que não usa o calão do futebol e assume que não estava preparado para as exigências de um clube como o Benfica, seis meses após quase ter sido dispensado para a II Liga. Na segunda parte deste Casa às Costas falamos dos tempos no Wolfsburg, na Alemanha, do regresso ao Vitória e da candidatura à presidência do clube.

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“Tive um treinador na Alemanha que nos obrigava a correr uma hora na floresta e no fim só dava uma garrafa de água, a dividir por todos”

Os quatro anos passados no Wolfsburg não deixaram boas memórias desportivas a Alex, mas as saudades da Alemanha e de um certo estilo de vida continuam bem presentes. Das extravagâncias faz parte um Lamborghini Gallardo e da passagem de jogador a treinador ainda hoje recorda os momentos complicados que viveu em Viseu, onde chegou a não ter água nos treinos. Foi adjunto de Jaime Pacheco no Zamalek e do Egipto também conta historias. Hoje, após ter sido derrotado nas eleições para a presidência do Vitória, só pensa em voltar a treinar

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O lance do golo anulado a Benzema na final da Champions e os esclarecimentos que trouxe à Lei 11 - Fora de Jogo

Depois do lance que marcou a final da Liga dos Campeões entre Real Madrid e Liverpool ter dividido opiniões, a IFAB e FIFA fizeram um esclarecimento adicional às lei do fora de jogo, tornando-a menos subjetiva na questão dos toques deliberados ou casuais

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Zona mista

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Sebastian Vettel, no emocionante vídeo que gravou para anunciar o adeus à F1 no final da temporada. Aos 35 anos, o alemão vai despedir-se não só como um dos pilotos com mais títulos na história da disciplina (quatro), mas principalmente como um aliado na luta pelo ambiente e direitos humanos. Tudo conta

O que aí vem

Segunda-feira, 1
🎾 Ao longo da semana, não perca o ATP 500 de Washington (17h, Sport TV2)

Terça-feira, 2
⚽ Primeiro passo do Benfica para entrar na Champions: recebe o Midtjylland na 3.ª pré-eliminatória. A 1.ª mão é na Luz (20h, BTV)
⚽ Na mesma fase da competição, o Mónaco recebe o PSV (19h, 11)
⚽ E antes dos jogos há sorteio do play-off da Champions (11h, Eleven 1)

Quarta-feira, 3
⚽ O Gil Vicente joga em casa do Riga FC na 3.ª pré-eliminatória de acesso à Liga Conferência (18h, Sport TV1)

Quinta-feira, 4
⚽ Depois de cair na Champions, o Fenerbahçe de Jorge Jesus joga o acesso à Liga Europa com o Slovacko da Rep. Checa (18h, 11)

Sexta-feira, 5
⚽ E depois de semanas de espera está de regresso a I Liga. O primeiro jogo da época 2022/23 é o Benfica - Arouca (20h15, BTV)
⚽ Arranca também a Premier League, com o Crystal Palace - Arsenal (20h, Eleven 1), e a Bundesliga, com o Eintracht Frankfurt - Bayern Munique (19h30, Eleven 2)

Sábado, 6
⚽ I Liga: Rio Ave - Vizela (15h30, Sport TV1), Estoril - Famalicão (18h, Sport TV2) e FC Porto - Marítimo (20h30, Sport TV1)
⚽ Premier League: Fulham - Liverpool (12h30, Eleven 1), Leeds - Wolverhampton (15h, Eleven 2) e Everton - Chelsea (17h30, Eleven 1)
⚽ Ligue 1: Clermont - PSG (20h, Eleven 1)
🏁 MotoGP: GP Grã-Bretanha, qualificação (14h10, Sport TV4)

Domingo, 7
⚽ I Liga: Santa Clara - Casa Pia (15h30, Sport TV2), SC Braga - Sporting (18h, Sport TV1), Chaves - Vitória (20h30, Sport TV1) e Portimonense - Boavista (20h30, Sport TV2)
⚽ Premier League: Manchester United - Brighton (14h, Eleven 1), West Ham - Manchester City (16h30, Eleven 1)
🏁 MotoGP: GP Grã-Bretanha, corrida (13h, Sport TV4)

Hoje deu-nos para isto

Jonathan Brady - PA Images/Getty

O meu lamento do dia vai para aquelas mais de 87 mil pessoas que no domingo encheram Wembley, alminhas a quem, segundo certas mentes pensantes deste país, lhes foi impingido o futebol feminino, porque todos sabemos que o futebol é coisa só de macho e que as meninas são frágeis flores a quem um pontapé numa bola ou uma disputa qualquer pode causar graves maleitas, coisa que na cozinha não aconteceria.

Estranhas pessoas essas, que se deixam enredar por um futebol justo, bem jogado, cada vez mais dinâmico, essas 87 mil que bateram o recorde de jogo com mais adeptos da história de Europeus, masculino e feminino, e tantas outras que acompanharam o Euro feminino na televisão e nas redes sociais, com recordes a serem batidos ainda a meio da competição, a mostrar que, sim, o adepto quer este espectáculo e que há federações a trabalhar seriamente para o seu desenvolvimento.

A Inglaterra é um desses países. Em 2017 apostou forte e os resultados estão aí: a liga é forte, com praticamente todos os grandes emblemas envolvidos, e para a seleção trouxeram Sarina Wiegman, a treinadora neerlandesa que revolucionou a equipa do seu país, que levou ao título europeu nesse mesmo 2017, para depois fazer o mesmo com a seleção da nação que inventou o futebol, mas onde até há pouco mais de 50 anos era proibido às mulheres o jogarem.

Wiegman é uma das faces daquilo que é o futebol feminino atualmente, futebol feminino não, o futebol, assim, sem sufixo. Alguém que privilegia o espectáculo, o jogo, a beleza. Há quatro anos, Sarina sublinhou isso mesmo numa entrevista à Tribuna Expresso: era preciso dar espectáculo às pessoas para que elas chegassem ao futebol jogado por mulheres e ali ficassem. Nestes anos, parte desse caminho foi feito e é também a ela que temos de agradecer, é para ela que temos de olhar. O mundo é das Sarinas Wiegmans, não é do pó e do caruncho, não é de quem tem medo, de quem acredita que o seu modo de vida fica ameaçado por uma coisa tão simples como mulheres jogarem futebol e encherem estádios.

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Sarina Wiegman tem 48 anos e lidera a seleção feminina da Holanda há pouco mais de um ano, tempo suficiente para conquistar o Europeu, pela primeira vez na história, e deixar o país em êxtase com uma forma de jogar que fez jus à tradição do futebol holandês. "O primeiro objetivo é ganhar, mas para ganhar temos de jogar bem. Prefiro ganhar 4-2 do quer 2-0. É muito melhor para o público, especialmente no futebol feminino, porque ainda temos de conquistar os adeptos. Não podemos simplesmente ficar em frente à área a defender", diz a treinadora que não sabia que podia sê-lo: "Desde muito nova, sabia que queria ser professora de educação física. Treinadora não, porque as mulheres não eram treinadoras naquela altura"

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