Como é que eu defino o verdadeiro adepto, aquele que ao fim de quarenta e tal anos a ver a bola ainda mantém intacta a paixão juvenil, meio descabelada, sôfrega? Aquela paixão da adolescência em que queremos passar cada minuto com a pessoa amada e em que cada minuto longe dela é uma punhalada intolerável? Defino assim: um homem que num sábado à noite, à hora de jantar, calcorreia as ruas de uma cidade costeira à procura de um restaurante em que esteja a dar o jogo e que, ao encontrar o único restaurante com uma televisão ligada, embora a transmitir vólei de praia ou qualquer outro desporto igualmente exótico, aborda o empregado com um sussurro de comprador de droga, não sem antes ter olhado em volta para não assustar os poucos clientes que àquela hora estão no estabelecimento: “Ó, chefe, não dá para pôr na TVI para ver o jogo do Porto?”
O empregado, manhoso, tarimbado, que conhece de ginjeira a espécie, o cliente que nem se aperceberá de que está a roer uma sola de sapato ou a beber o mais carrascão dos vinhos desde que a televisão esteja sintonizada no canal da bola, atira: “Para ver o Porto ou o Tondela? Se for para ver o Tondela ainda pode ser.” O meu amigo dispensa meio sorriso, está-se nas tintas para o esprit do empregado porque o olhar entretanto já se fixou no ecrã onde uns bravos beirões (incluindo um longilíneo guarda-redes mauritano que merecia uma crónica só para ele) resistem como e enquanto podem às investidas irresistíveis dos azuis-e-brancos.