O que une Londres, Nápoles, Drammen e Tbilisi? Talvez nada além de gritos de paixão futebolística estabeleça um nexo de conexão entre as cidades inglesa, italiana, norueguesa e georgiana. Em 2022/23, Arsenal e Nápoles são guiados por Martin Ødegaard e Khvicha Kvaratskhelia para escreverem duas das histórias mais bonitas da temporada, contos improváveis forjados pelo talento vindo de locais que podem não ser tão óbvios viveiros de magia.

Com mais uma grande exibição de Ødegaard, o capitão natural de Drammen que baseia a liderança em pés de veludo e inteligência de mestre de xadrez e não em gritos e violência, o Arsenal impôs-se (2-0) no dérbi do norte da capital inglesa, contra o Tottenham. Beneficiando da derrota (2-1) do City no embate de Manchester contra o United, a equipa de Mikel Arteta tem agora mais oito pontos que o conjunto de Guardiola, mais nove que o Newcastle renascido com o dinheiro saudita e que os renovados red devils de Ten Hag.

Ødegaard é a representação perfeita deste Arsenal: um coletivo que valoriza a qualidade, com os pés do norueguês, de Saka ou de Martinelli — e também com o crescimento gradual de Fábio Vieira — a darem corpo à força do coletivo; uma equipa que, tal como o seu capitão, precisou de tempo e paciência para atingir todo o seu potencial. Mal tinha Ødegaard começado a adolescência e já a máquina mediática de Madrid o queria parte de uma das melhores equipas da história, arriscando torná-lo em mais um possível craque perdido para a vertigem que obriga a que tudo seja para ontem. Mas, da mesma forma que este Arsenal resistiu às pressas que comem projetos — Arteta vai na quarta temporada, depois de ficar duas vezes em oitavo e uma em quinto e de os responsáveis terem resistido aos apelos para a demissão do espanhol —, também o seu capitão não deixou o talento ceder às irreais expectativas alheias, cozinhando-se ao seu próprio ritmo no Heerenveen, no Vitesse ou na Real Sociedad antes de estar pronto para tomar de assalto Inglaterra, sendo legítimo candidato a melhor jogador da época na Premier League.

Natural da capital da Geórgia, o futebol de Kvaratskhelia é tão enleante e enganador como complexa é a escrita do seu apelido. Meses depois de chegar a Nápoles vindo do desconhecido Dinamo Batumi, o jovem das meias colocadas a meia perna é fonte inesgotável de fintas e mudanças de direção, arrancadas baseadas mais em enganos, truques e ilusões do que propriamente numa superioridade física diferencial. Com mais um golo, uma assistência suave para Osimhen e muita fantasia de Kvicha, o Nápoles goleou (5-1) a Juventus e ampliou a vantagem no topo da Série A. Quem mais se aproxima dos homens de Spaletti é o Milan, que soma nove pontos menos que os partenopei.

Num futebol que, cada vez mais, concentra a elite em poucos centros detentores de muitos milhões, que os improváveis líderes de duas das principais ligas sejam liderados por um norueguês e um georgiano recorda-nos que o verdadeiro poder deste jogo reside na sua globalidade, na capacidade de atravessar fronteiras e encontrar talentos em qualquer canto do planeta. Sem cuidar da diversidade que nos traz Ødegaard e Kvaratskhelia, recusando que o futebol se torne no habitat de meia dúzia de clubes ultra-milionários e nas filiais que, quais multinacionais, estes detenham em países periféricos, perder-se-á a beleza pintada por apelidos com letras rasgadas ao meio por estranhos sinais ou carregados de consoantes difíceis de pronunciar.

Arsenal e Nápoles são, também, uma fonte de esperança nas possibilidades de obter êxito no topo do mundo da bola sem a necessidade de ser detido por fundos soberanos de países sem respeito pelos direitos humanos que usam o desporto para se promoverem no cenário internacional. Não que estejamos na presença de clubes pobres ou que os donos dos londrinos sejam os proprietários mais consensuais do mundo, mas ambos provam ser possível competir pela glória com projetos bem arquitetados. Em 2022/23, o Arsenal gastou €132 milhões em transferências, longe dos €425 milhões de Chelsea ou dos €240 milhões do Manchester United, ao passo que o Nápoles, que contratou Kvaratskhelia na Geórgia ou o sul-coreano Kim Min-jae na Turquia, gastou €68 milhões, longe dos €106 milhões que a Juventus que acabou de golear despendeu.

Que opções bem tomadas e talento diferencial possam criar aspirantes a campeões em Inglaterra e Itália pode parecer notícia de pouco impacto, mas significa que ainda há esperança contra a fatalidade de ter de vender a alma ao diabo para sonhar com títulos.

O Nápoles não é campeão desde 1990, quando dios se vestia de jogador no San Paolo. O Arsenal não se consagra na Premier League desde 2004, quando Wenger liderava uns até hoje inigualáveis invencíveis. Muito tempo depois, há esperança em ambos os clubes, há sonhos azuis e vermelhos. O final da história pode não ter êxito, mas estar a vivê-la com base no talento de Ødegaard e Kvaratskhelia não sairá da memória dos adeptos de ambos os clubes e, mais do que medalhas ou taças, este troféu sentimental perdurará. E, como é de sonhos que falamos, haverá hoje crianças em Drammen e Tbilisi que sonham ser Martin e Khvicha, que acreditam não haver barreiras fronteiriças ao talento que surja em qualquer rua de cada canto do planeta.

O que se passou

Zona mista

Esta equipa é um bocadinho bipolar, por vezes. Tem a ver com a experiência da equipa, com o talento que eles têm. Para se ter este rendimento igual à forma como entrámos é preciso tempo, experiência. E eles vão adquirir isso com o tempo.

Após o empate (2-2) no dérbi contra o Benfica, Rúben Amorim voltou a falar da irregularidade da sua equipa, capaz de competir bem contra Benfica, Tottenham ou Eintracht Frankfurt e de perder contra Varzim, Chaves ou Arouca.

O que vem aí

Segunda-feira, 16
⚽ Liga: Estoril Praia-Casa Pia (19h00, Sport Tv1), Gil Vicente-Vitória SC (21h15, Sport TV1)
🎾 Arranca Open da Austrália (Eurosport1 & Eurosport 2)
🏀 NBA: Timberwolves-Utah Jazz (21h00, Sport TV6), Grizzlies-Suns (23h00, Sport TV2)
🤾‍♂️ Portugal defronta a Hungria (19h30, RTP2) no terceiro jogo da fase de grupos do Mundial.

Terça-feira, 17
⚽ FA Cup: Wolves-Liverpool (19h45, Sport TV1)
⚽ Coppa: Napoli-Cremonese (20h00, Sport TV2)
🏀 NBA: Bucks-Raptors (00h30, de terça para quarta, Sport TV1)

Quarta-feira, 18
⚽ Supertaça Itália: Inter-Milan (19h00, Sport TV1)
⚽ Premier League: Crystal Palace-Manchester United (20h00, Eleven Sports1)
⚽ Carioca: Madureira-Flamengo (22h00, Sport TV1)
🏀 NBA: Mavericks-Hawks (00h30, de quarta para quinta, Sport TV1)

Quinta-feira, 19
⚽ Manchester City-Tottenham (20h00, Eleven Sports1)
🚘 WRC: arranca Rali Monte Carlo (08h30, Sport TV4)
⛳ Golfe: Hilton Grand Vacations Tournament of Champions (17h00, Sport TV6)
🏀 NBA: Pistons-Bulls (20h00, Sport TV2), Celtics-Warrios (00h30, Sport TV1)
🏒 NHL: NY Rangers-Boston (00h00, Sport TV3)

Sexta-feira, 20
⚽ Liga: Sporting-Vizela (21h15, Sport Tv1), Arouca-Portimonense (19h00, Sport Tv2)
⚽ Bundesliga & La Liga: Leipzig-Bayern (19h30, Eleven Sports1), Maiorca-Celta (20h00, Eleven Sports 2)
🏀 Euroliga: Olympiacos-Real Madrid (19h00, Sport TV3)
🏀 NBA: Cavaliers-Warriors (00h30, Sport TV3)

Sábado, 21
⚽ Liga: Paços Ferreira-Sp. Braga (15h30, Sport TV1), Santa Clara-Benfica (18h00, Sport TV2), Vitória SC-FC Porto (20h30, Sport TV1)
⚽ Premier League & La Liga: Liverpool-Chelsea (12h30, Eleven Sports1), Espanyol-Betis (15h15, Eleven Sports2)
🏀 NBA: Raptors-Celtics (22h00, Sport TV3)
🤼‍♂️ UFC: Teixeira-Hill (03h00, de sábado para domingo, Sport TV1)

Domingo, 22
⚽ Liga: Marítimo-Estoril Praia (15h30, Sport TV1), Casa Pia-Gil Vicente (18h00, Sport TV1), Famalicão-Rio Ave (20h30, Sport TV1)
⚽ Premier League: Manchester City-Wolves (14h00, Eleven Sports1), Arsenal-United (16h30, Eleven Sports1)
⚽ Eredivisie & La Liga: Feyenoord-Ajax (13h30, Sport TV3), Barcelona-Getafe (17h30, Eleven Sports2), Athletic-Real Madrid (20h00, Eleven Sports1)
🏀 NBA: Heat-Pelicans (20h30, Sport TV6)

Hoje deu-nos para isto

Há menos de 12 meses, Ash Barty completou uma quinzena de domínio caseiro para vencer o Open da Austrália. Na altura, a mulher da terra dos cangurus sentava-se no trono do ténis, líder do ranking e já campeão de três majors, dado que havia conquistado Roland-Garros em 2019 e Wimbledon em 2021. O triunfo em Melbourne consolidava a ideia de uma Barty acima das demais.

No entanto, no ténis feminino, a norma é a inconsistência, longe dos reinados que temos visto no lado masculino. Em março de 2022, Barty deixou de ter vontade de competir e retirou-se. Por diferentes razões, várias estrelas das raquetas têm abandonado precocemente ou feito pausas nas carreiras.

Num mundo de ódio à distância de mensagens anónimas escritas em telemóveis, uma mulher a competir no desporto de elite é alvo fácil para o insulto, o machismo, o ódio. No ténis, espaço competitivo solitário, com longas horas em impessoais hotéis de qualquer canto desconhecido do mundo, por vezes longe de redes de segurança e zonas de conforto, a exigência mental da competição tem sugado demasiadas craques da bola amarela. A imagem de Barty, simultaneamente próxima e distante no tempo, reflete o vertiginoso ritmo a que esta modalidade maravilhosa consegue desgastar as suas melhores executantes.

O Open da Austrália começou esta madrugada, com o português Nuno Borges a ter sido eliminado na primeira ronda. E uma luta feminina por suceder a Barty,

Desejamos-lhe uma boa semana, com cuidado com as olheiras que o Open da Austrália possa provocar. Obrigado por estar desse lado, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook, Instagram e no Twitter.