A árbitra de xadrez Shohreh Bayat é iraniana. Está longe do seu país desde 2020, quando foi alvo de críticas por não usar o hijab durante o Campeonato Mundial feminino de xadrez, algo que optou por continuar a fazer, mas a levou a tomar a decisão de não regressar ao Irão, com medo de qualquer que fosse o castigo.
Hoje, e depois da morte de Mahsa Amini na sequência de uma ordem de prisão por ter o hijab mal colocado na rua, além de tudo o que aconteceu durante os protestos no Irão após o sucedido, é de suspeitar que o castigo teria sido grave.
Mas, três anos mais tarde, e depois de todas as críticas, Bayat, de 35 anos, não perdeu a vontade e força para lutar por aquilo em que acredita. Agora a viver em Londres, viajou para a Islândia em outubro para arbitrar mais um torneio. Nessa altura, os protestos já tinham começado no Irão.
“Fez-me lembrar a minha própria história”, contou à “CNN”, explicando como decidiu “defender os direitos das mulheres no Irão”. Durante o torneio, vestiu “uma t-shirt com o lema do povo iraniano ‘Woman, Life, Freedom’ [mulher, vida, liberdade]”, por querer “estar com eles”.
No torneio realizado na Islândia, em vez de ter que lidar com as críticas que chegavam do seu próprio país, deparou-se com uma outra situação ali mesmo, no local onde trabalhava.
No primeiro dia em que vestiu a t-shirt foi abordada por um funcionário da Federação Internacional de Xadrez (FIDE), que lhe pediu para não a usar. Certa de que fazia o que era correto e e sabendo que não quebrava qualquer regra, Bayat voltou a vesti-la no dia seguinte. Desta feita, chegou-lhe a mensagem de que o pedido para retirar a t-shirt vinha de Arkady Dvorkovich, o próprio presidente da FIDE, que já foi vice-primeiro-ministro da Rússia.
“Pensei cuidadosamente e percebi que não era eu que estava a tornar o xadrez algo político, mas sim o Arkady”, continuou. “Eu estava a seguir as regras da FIDE, mas o Arkady estava a quebrá-las ao proibir-me de defender os direitos das mulheres no Irão”.
Sendo assim, no terceiro dia, Bayat decidiu continuar com o seu apoio através da roupa que levava vestida, mas desta vez à Ucrânia, onde a Rússia iniciou uma guerra no ano passado. A árbitra vestiu azul e amarelo - como a bandeira ucraniana. Nada lhe foi dito. Desde que deixou a Islândia, onde decorria o torneio, contudo, nunca mais foi convidada para outro evento da FIDE, apesar de, segundo a “CNN”, a organização a reconhecer como a melhor árbitra feminina da Europa em 2022.
“Acho que não é normal ficar calada sobre isto”, disse Bayat à “Reuters”, descrevendo a situação como “uma grande questão de direitos humanos”. E a juíza de xadrez concluiu: “Penso que se ficarmos calados sobre estas coisas, não nos podemos perdoar a nós próprios”.
À mesma agência, a FIDE defendeu que não foi discutida qualquer ação disciplinar contra a árbitra, sublinhando que a iraniana é muito valorizada. Ainda assim, Bayat também não foi chamada de volta.
“Não importa o quão nobre ou incontroversa seja a causa, fazer ativismo a partir desse papel é inapropriado e pouco profissional”, defenderam.
A questão, segundo a árbitra, é que a FIDE não tem qualquer regra sobre o código de vestuário dos árbitros, o que faz com que Bayat não tenha feito nada de errado a nível profissional.
“Eu sou uma árbitra, sou a primeira pessoa que segue e que tem de seguir regras e regulamentos, desde que estes existam. A questão é que eles não me podem pedir para seguir regras não escritas. Quando escrito, eu seria a primeira pessoa a segui-lo”, disse ao site “Chess.com”.
A coragem de Shohreh Bayat vem, assim, juntar-se à de tantos outros iranianos, muitos deles ligados ao desporto: a seleção de futebol iraniana que se recusou a cantar o hino nos primeiros jogos do Mundial, a jogadora de xadrez Sarasadat Khademalsharieh que competiu sem o hijab ou Elnaz Rekabi, que também retirou o hijab numa competição de escalada.