Nota: Minutos após a publicação deste texto, Naomi Osaka revelou as razões para a ausência no Open da Austrália: a tenista japonesa está à espera do primeiro filho, promentendo regressar à competição em 2024
É uma nova forma de ver desporto. Na mesma em frente ao ecrã, mas agora com acesso a muito mais do que apenas os jogos, que passam para segundo plano. A Fórmula 1 fez o teste e o sucesso de “Drive to Survive” não escapou ao radar de outras modalidades. Agora é a vez do ténis, com a série “Break Point” que deixa a descoberto tudo aquilo que não se vê através das bancadas ou da transmissão televisiva dos jogos.
A série só estará disponível a partir de sexta-feira, mas a imprensa internacional já foi divulgando alguns dos temas que vão ser tratados ao longo dos episódios. No que diz respeito ao ténis feminino, mostra um lado um pouco mais difícil da modalidade, que apesar de não ser exclusivo para as mulheres, é sentido. Vai desde a dificuldade em iniciar uma família, o que implicaria uma longa pausa no tour, como explica Ons Jabeur, até aos problemas de saúde mental que se tornam companhia constante para Paula Badosa, admite a tenista espanhola.
Estes são temas que outras tenistas já abordaram, mesmo antes da série. Em 2021, Naomi Osaka desistiu do torneio de Roland Garros após tentar um boicote à imprensa, para não ter que lidar com questões que a afetavam a nível emocional, algo que não foi bem recebido. Um ano mais tarde, Simona Halep teve um ataque de pânico no mesmo torneio. Ashleigh Barty tomou a decisão de terminar a carreira em março do ano passado, numa altura em que era a número um do mundo. Tinha apenas 25 anos.
“Sei o trabalho que dá tirar o melhor de nós próprios. E deixei de ter isso em mim. Não tenho a predisposição a nível físico e mental e tudo o que é preciso para me desafiar ao mais alto nível outra vez. Sei que estou esgotada”, disse Barty, que entretanto anunciou a sua gravidez.

Ashleigh Barty deixou a modalidade aos 25 anos
Andy Cheung/Getty
Ainda assim, em entrevista ao “The Telegraph”, a responsável pela saúde mental e bem-estar da WTA, Becky Ahlgren Bedics, adverte que os estereótipos também se podem infiltrar neste retrato, e fatores externos como a pandemia são igualmente importantes para a capacidade das jogadoras lidarem com a vida no tour.
"Será que perguntaram aos homens sobre a sua preocupação familiar? Não sei", disse. "Penso que no desporto feminino isso é algo em que temos sempre de pensar. A viagem pode ser cansativa. Sendo o ténis um desporto de desempenho individual, tem certamente esse elemento quando se está no campo por conta própria e não há como se esconderem".
Olhando para o início deste ano, há uma jogadora que parece ter encontrado uma forma de, de certa maneira, se esconder. O primeiro grande torneio de 2023 é o Open da Austrália e Naomi Osaka é uma das principais ausentes. Serão os problemas físicos de 2022 a continuar presentes no novo ano ou realmente a jogadora começa a deixar a modalidade para segundo plano?
“Tenho algum receio que ela abandone a modalidade, pelos problemas que são sobejamente conhecidos”, confessa Steve Grácio, comentador na Eleven Sports, à Tribuna Expresso. “E mesmo que não abandone, não é alguém que vejo perdurar muito na carreira, até porque quando compete o seu calendário é cada vez mais reduzido”.
Ainda assim, o comentador mantém a esperança que a desistência no primeiro torneio do Grand Slam do ano não signifique isso mesmo: o início do fim.
“Quero acreditar que terá sido algum problema físico para não jogar um torneio que já venceu duas vezes, num piso que adora, e não por opção. Não há nenhuma indicação nesse sentido, é verdade, e faz antever que a cabeça ainda não está pronta para a competição, mas acredito mesmo que os muitos problemas físicos de 2022 persistem”, diz.
Naomi Osaka foi uma das grandes esperanças do ténis feminino nos últimos anos, mas os problemas que tem enfrentado deixam-na, neste momento, na posição 47 do ranking. Juntando tudo, entre desistências, reformas antecipadas e dificuldades ao longo do ano, será este um sinal de que as coisas estão a abrandar no tour feminino? É este o retrato da era pós Serena Williams, que esteve ao mais alto nível durante praticamente duas décadas?
Não é por aí. Segundo o comentador, este não é o momento de olhar para o ténis feminino como estando numa fase de queda, mas sim “de renovação”.
“Saíram nos últimos anos grandes vedetas que deixaram o circuito órfão, mas creio que é algo que acontece de tempos em tempos e é perfeitamente natural. Mas isso até aumenta a competitividade e a imprevisibilidade. Neste momento, há uma grande dominadora que ameaça permanecer no topo muito tempo, mas é uma exceção à regra. Agora, não vejo isso como necessariamente algo mau. Faz parte da renovação”, defende.

Osaka não vai estar na Austrália e não deu razões para a ausência
Al Bello
Da mesma forma que Serena Williams seguiu a sua vida sem o ténis, continua a haver ténis para lá do enorme domínio da tenista norte-americana. Talvez não tenha sido um dos nomes que inicialmente todas as previsões apontavam, mas a sucessão parece estar assegurada.
“O ténis feminino já tem uma jogadora dominadora, Iga Swiatek, e que ameaça continuar a sê-lo porque tem apenas 21 anos e parece melhorar dia após dia. Ainda não tem o star power de uma Osaka ou de uma Barty, que é verdade fazem muita falta a um grande nível, mas ela aproveitou a brecha existente para se impor. E, diga-se, a Swiatek já foi muito mais dominadora do que Osaka - que mandou nos hard courts - ou Barty - que se colocava de sabática algumas vezes - alguma vez foram. A temporada de 2022 de Swiatek está ao nível das melhores de sempre”, afirma o comentador.
A tenista Iga Swiatek é a atual líder do ranking WTA, sendo que é a primeira polaca a conseguir este feito. Em 2022, conseguiu vencer oito torneios, com Roland Garros e o Open dos Estados Unidos entre eles. E se são os números que não mentem, as provas estão à vista.
Quando Barty se reformou, no início do ano passado, a série de vitórias da polaca já tinha começado. A sucessão de 37 partidas sem perder durou um total de 135 dias. Quando chegou às 35, contra Coco Gauff (mais uma jovem, com apenas 18 anos) na final de Roland Garros, empatou Venus Williams na série de vitórias mais longa desde 2000. Mas continuou e conseguiu empatar também com Martina Hingis, que chegou às 37 em 1997.
“O que o circuito feminino precisa é de vedetas como Serena, Osaka, Sharapova, Barty, Clijsters que sejam marcas, que chamem público e promovam o WTA. Mas, lá está, estamos numa fase de renovação. Há imensas jogadoras com potencial para figurar no top 10 e lutar pelos maiores títulos, podia deixar uns 10 nomes sem pensar muito”, afirma Steve Grácio.