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O Mundial e as ideias

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Um Mundial no Catar seria sempre, tudo colocado na balança, um Mundial de ideias plásticas. No sentido de maleáveis, flexíveis e, bem, no outro sentido também, artificial, fingido, bastou olhar para as “claques” de adeptos de cada país ou para os “ultras” do Catar que, afinal, eram libaneses contratados.

No futebol, as ideias flexíveis não têm de ser necessariamente más. Portugal, por exemplo, optou por jogar com um avançado mais móvel nos oitavos de final e vai variando de sistema até dentro do próprio jogo. Continuamos em prova, por isso, à partida, tem resultado. Mas num torneio em que a própria FIFA critica quem manteve as suas convicções sobre direitos humanos e em que o próprio conceito de direitos humanos vai variando conforme a necessidade de agradar aos anfitriões, não consigo deixar de admirar Luis Enrique.

O selecionador espanhol chegou ao Catar com uma ideia. Chamou os homens que mais se adaptavam a ela, mesmo que alguns deles não façam parte, muito provavelmente, dos atuais melhores 26 jogadores do país. Fora de campo, inaugurou também um novo estilo de comunicação, fez-se streamer, todos os dias falava diretamente com o público, com humor e conhecimento. A federação espanhola será uma das únicas que permite que os seus jogadores concedam entrevistas a meio da competição.

No relvado, a equipa foi de mais a menos. Entrou a golear a Costa Rica por 7-0, ficámos todos maravilhados com o menino Gavi, com Pedri, ainda com Busquets. Fizeram-se comparações com aquele meio-campo campeão mundial em 2010. Mas, de repente, as ideias deixaram de funcionar. À derrota com o Japão, seguiu-se a incapacidade de destruir a muralha de Marrocos. Luis Enrique caiu com as suas ideias, defendendo-as mesmo na desilusão.

Isto retira valor a Luis Enrique? Talvez não. Mas reforçará a necessidade de, neste futebol de 2022, ter sempre à mão um plano B, por mais subtil que seja. Bem sei que nisto das grandes competições vale de pouco jogar muito e não ganhar, embora hoje se continue a falar mais daquele Brasil de 82 do que da campeã Itália. O Europeu da Grécia e até o nosso de 2016 parecem vir sempre de mãos dadas com um asterisco ao lado, por falta de magia. Não digo que seja justo para quem fez por ganhar, mas seria desagradável para o futebol deixar de contar com o estilo do selecionador espanhol. Dentro e fora de campo.

As ideias positivas fortes ainda valem qualquer coisa e este Mundial, mais que qualquer outro, deveria ser um lembrete diário disso mesmo. A todos nós, que depois de 18 de dezembro muito provavelmente nos esqueceremos daqueles que ficarão pelo Catar, igual ou pior do que antes da nossa chegada.

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A foto

A conferência de ontem do Brasil ficou marcada pelo aparecimento de um ser majestoso e, por muito que Vinicius Jr. esteja a fazer um grande Mundial, não estamos a falar do avançado do Real Madrid. O lindo gatinho seria cruelmente expulso da mesa pelo responsável da federação brasileira, sob vaias dos jornalistas presentes, que não gostaram da rispidez com que o bicho foi retirado do local. Ele ficaria por ali, reclamando justamente o seu lugar

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NELSON ALMEIDA/Getty

Aproveite o feriado, embora o mau tempo ande por aí a fazer estragos. Hoje ainda é tempo de recuperar fôlego antes dos jogos dos quartos de final, que arrancam amanhã, mas atualidade mundialesca é coisa que continua a não faltar e continuaremos por cá a trazer-lhe esta newsletter todas as manhãs e no também no site da Tribuna a contar-lhe as histórias e as novidades vindas de Doha. Lá ainda está o Hugo Tavares da Silva, os nossos olhos no Catar.

Um abraço e obrigada por continuar por aí.