Uma sala fechada. Luzes opacas. Ninguém entra, ninguém sai. Em Zurique, na sede da entidade máxima do futebol mundial, as decisões mais importantes para o jogo tomam-se numa espécie de caverna.
Conta-se que o espaço foi idealizado por Joseph Blatter, o ex-presidente da FIFA que caiu em desgraça quando, em 2015, escândalos de corrupção assolaram a cúpula do futebol internacional. Blatter queria total controlo sobre o espaço, sobre aquela cave onde homens de mais de 60 anos tomavam decisões. A gruta da FIFA, pensada por Blatter, não tinha, sequer, rede de telemóvel.
Mudaram-se os tempos, mantiveram-se as vontades. Tudo continua a ser decidido naquela sala fechada. Luzes opacas. Ninguém entra, ninguém sai.
No passado 3 de outubro, lá se reuniu o conselho da FIFA. Aquelas pessoas são tão intocáveis que, naquele dia, nem os funcionários que habitualmente trabalham nas instalações da entidade puderam entrar. É como se os 36 membros do conselho da FIFA, mais o presidente Gianni Infantino — apenas sete mulheres entre o organismo, em linha com a tradição de sub-representação feminina —, fizessem parte de um universo paralelo, sem contacto com o exterior. Sem rede de telefone. Sem presença de outros seres humanos. Sem dar explicações.
Gianni Infantino não responde a perguntas há mais de um ano. Não há entrevistas, não há conferências de imprensa. Para quê? Afinal de contas, aquela sala fechada, de luzes opacas, decide coisas menores, envolvendo pouco dinheiro e uma modalidade pouco popular no mundo.
Veja-se esta reunião de 3 de outubro. Decidiu-se que as votações para decidir a localização dos Mundiais 2030 e 2034 seriam feitas em conjunto, duas de uma assentada, que o tempo é dinheiro e é preciso valorizá-lo. Para quê perder tempo a escrutinar os méritos de cada opção, a debater as propostas? Levanta-se a mão, diz-se que sim a tudo e siga.
O Mundial 2030 vai para Portugal, Espanha e Marrocos, mais aquele começo na Argentina, Uruguai e Paraguai. Assim é porque a FIFA fez um arranjinho para tal, levando a que não houvesse uma verdadeira disputa para organizar a competição. O Mundial 2034 vai para a Arábia Saudita, porque tudo ou quase tudo no desporto mundial tem de ir para a Arábia Saudita. Esta solução foi arquitetada pela FIFA, por Infantino, agradando a todos, sem votações, só com acordos de bastidores.
Queres votar contra o Mundial 2034? Tens de mostrar, também, a tua oposição a 2030. Candidaturas únicas, votações em bloco. Infantino senta-se alegremente ao lado dos líderes da Arábia Saudita ou do Catar. Recebeu uma medalha ("a ordem da amizade") de Putin em 2019. É surpresa para alguém que a democracia seja um conceito que lhe diz pouco?
As tais votações em conjunto serão realizadas num congresso virtual em dezembro. Aí não se entrará na gruta da FIFA, mas voltará a não haver jornalistas. Não haverá as irritantes e incómodas perguntas.
Um congresso virtual, que ecológico. Evitam-se, assim, as poluentes viagens de avião. Talvez Infantino ganhe tempo para as suas inúmeras viagens em jatos privados, ele que, só nos últimos três anos, fez mais de 600 mil quilómetros num avião privado detido pelo Catar.
Mas que decisões assim tão importantes é que se tomam naquelas salas sem escrutínio exterior? Importa assim tanto saber que países terão a honra de suceder à Rússia de Putin ou ao Catar das mortes de trabalhadores migrantes como anfitriões desta festa da paz e da democracia?
Bem, importa. Importa porque, dos mais de €7 mil milhões em receitas que a FIFA fez entre 2019 e 2022, 83% deveram-se ao Mundial 2022. Um mês de competição que mexe com milhares de milhões em patrocínios, programas de financiamento, contratos com empresas de construção. É muito dinheiro, é muito poder. É dinheiro do futebol, gerado pelo futebol, que tem de ir para o futebol.
É muita coisa atribuída sem concorrência, sem um processo democrático, sem uma votação entre diferentes opções. Nasceu da corrida ao Mundial 2022 parte do processo que levaria a expor a corrupção na cúpula do futebol mundial há 10 anos. Diferentes candidaturas implicam colocar lupas em processos de tomada de decisão, levam a que mais pessoas conheçam certas práticas. Há perdedores que estão dispostos a falar. Há quem esteja em candidaturas ganhadoras que não gosta do que viu.
Pensando nisso, talvez tudo isto seja uma mera manobra de defesa da FIFA, defesa perante si própria.
Na verdade, tudo isto soa a antigo. As confederações distribuem dinheiro às federações mais pequenas, que votam nos líderes. Blatter, sempre a velha referência, foi o pioneiro desta compra e venda de votos, com o famoso programa GOAL. Teve bons alunos.
Enquanto podemos imaginar como seria o futebol se fosse mais transparente, se o dinheiro do futebol fosse utilizado, sei lá, para o futebol, para dar a mais meninos e meninas de todo o mundo melhores condições para o jogarem, pensemos no quão normalizada está a falta de democracia no futebol. Infantino foi reeleito “por aclamação” no ano passado, sem oposição: Ceferin também não tem oposição na UEFA e, depois de se decidir que o seu primeiro mandato como presidente, ao ser herdado de Platini, não conta para a limitação de tempo no cargo, poderá concorrer novamente em 2027.
O Mundial 2034 será atribuído sem oposição. O Mundial 2030 será atribuído sem oposição. O Euro 2028 foi atribuído ao Reino Unido e Irlanda sem oposição, tal como sem oposição estão a Itália e a Turquia para 2032. Tudo feito por acordos, fazendo e desfazendo nas salas opacas. Sem luz. Sem rede.
Há um vício de falta de democracia no futebol. Uma tradição que vem de Blatter e que tem notáveis guardiões. Porquê? Mas agora fazem-se perguntas, é? Bem, vamos todos votar de mão no ar nas candidaturas únicas que lidarão com milhares de milhões de euros ao longo da próxima década.
O que se passou
Na 8.ª jornada da I Liga, o FC Porto bateu o Sporting de Braga, num encontro com protagonismo para o apanha-bolas. Antes, na Choupana, o clássico nevoeiro foi protagonista, impedindo que houvesse jogo, o qual, perante o apertado calendário, foi adiado para 19 de dezembro. O Sporting segue totalmente vitorioso, derrubando a muralha defensiva do Casa Pia.
Na semana europeia, o Benfica conseguiu um grande triunfo contra o Atlético de Madrid. O Diogo Pombo esmiuçou os números da vitória da equipa de Lage. Já o FC Porto, perante um Manchester United em estado de crise permanente, empatou, tal como o Sporting.
Mariana Cabral demitiu-se do comando técnico do Sporting, uma decisão com razões que vão além dos resultados desportivos.
Uma notícia que poderia figurar na maioria das newsletters do ano: Tadej Pogacar venceu uma corrida de bicicletas. Desta feita, foi o Giro dell'Emilia.
O Francisco Martins e o Nuno Botelho foram a Tomar, onde estiveram com Patrícia Sampaio, medalhada de bronze em Paris. Eis a reportagem.
No ténis pós-US Open, Alcaraz e Sinner protagonizaram uma final fantástica em Pequim, vencida pelo espanhol. Já Simona Halep voltou a ganhar mais de dois anos depois.
Houve convocatória da seleção nacional, com Ricardo Velho e Samu Costa em estreia na equipa. As explicações de Roberto Martínez para as opções.
Será o caso Lassana Diarra um novo Bosman? Perceba aqui os contornos da decisão que pode provocar mudanças no mercado de transferências.
Zona mista
Entendemos que as nossas convicções já não são as mesmas e, por isso, os nossos caminhos separam-se
Mariana Cabral demitiu-se do comando técnico do Sporting. Uma saída que se cozinhou a partir da insatisfação da treinadora, descontente com alguns aspetos do quotidiano de trabalho da equipa verde e branca. A mensagem de despedida deixa evidente que a sintonia entre técnica e clube desaparecera.
O que aí vem
Segunda-feira, 7
🎾 Ao longo da semana, acompanhe o Masters 1000 de Shanghai (5h00, Sport TV2)
🥢 Snooker, Wuhan Open (12h30, Eurosport 1)
⚽ Portugal no Mundial de futebol de praia, contra a Alemanha (14h20, Sport TV1)
⚽ Liga feminina: Estoril-SC Braga (19h00, Canal 11)
Terça-feira, 8
⚽ Semana de Liga dos Campeões feminina, com o arranque da fase de grupos: Lyon-Galatasaray (17h45, DAZN 1) e Chelsea-Real Madrid (20h00, DAZN 1)
🚲 A época das clássicas de outono prossegue em Itália, com a Tre Valli Varesine (14h30, Eurosport 2), que conta com um pelotão de luxo, Pogačar incluído
Quarta-feira, 9
⚽ A seleção sub-17 contra o País de Gales (18h00, Canal 11)
⚽ Mais Champions feminina: Bayern-Arsenal (17h45, DAZN 1) e Manchester City-Barcelona (20h00, DAZN 1)
Quinta-feira, 10
⚽ Na qualificação para a CAN, Cabo Verde tem um encontro muito importante, recebendo o Botswana (17h00, Sport TV1)
⚽ Arranca o carrossel das partidas da Liga das Nações: na Liga A, Israel-França (19h45, Sport TV3) e Itália-Bélgica (19h45, Sport TV2) e, na Liga B, Inglaterra-Grécia (19h45, Sport TV1) ou Noruega-Eslovénia (19h45, Sport TV4)
⛳ DP World Tour, Fedex Open de France
🏀 Na Euroliga, Anadolu Efes vs Fenerbahçe (18h00, Sport TV6)
🚲 Outra clássica em Itália, com a Gran Piemonte (14h15, Eurosport 2)
⚽ A longa qualificação sul-americana para o Mundial 2026 abre a 9.ª jornada: Venezuela-Argentina (22h00, Sport TV1) ou Equador-Paraguai (22h00, 22h00, Sport TV3)
Sexta-feira, 11
⚽ O Brasil, em crise — apenas duas vitórias nos últimos sete jogos —, vai ao Chile (01h00, Sport TV1)
⚽ No apuramento para a CAN, Moçambique-Eswatini (14h00, Sport TV1) ou Angola-Niger (20h00, Sport TV4)
⚽ Na Liga das Nações, Bósnia-Alemanha (19h45, Sport TV2) ou Hungria-Países Baixos (19h45, Sport TV1)
⚽ Na liga de futsal feminina, Sporting-Benfica (21h00, Canal 11)
⚽ À procura de confirmar a presença no Europeu sub-21, a seleção de Rui Jorge joga nas Ilhas Faroé (16h00, Canal 11)
🏑 A Elite Cup de Hóquei em Patins: FC Porto-OC Barcelos (11h00, DAZN 1), Benfica-Riba D’Ave (15h00, DAZN 1), Oliveirense-SC Tomar (18h00, DAZN 1) e Sporting-Valongo (21h00, DAZN 1)
🎾 Acompanhe o WTA 1000 de Wuhan (4h00, DAZN 1)
Sábado, 12
⚽ Portugal visita a Polónia na terceira jornada do seu grupo da Liga das Nações (19h45, RTP1/Sport TV1)
⚽ Muita Liga das Nações: Croácia-Escócia (17h00, Sport TV2), Espanha-Dinamarca (19h45, Sport TV2) ou Sérvia-Suíça (19h45, Sport TV3)
⚽ Há II Liga: Tondela-Leixões (11h00, Sport TV1) e Alverca-Penafiel (14h00, Sport TV2)
🥋Grand Slam de Abu Dhabi (14h00, Sport TV6)
🚲 A última grande prova de ciclismo de 2024, com a Volta à Lombardia, o quinto monumento (9h25, Eurosport 2)
Domingo, 13
🎾 A final do ATP 1000 de Shanghai (9h30, Sport TV2)
⚽ Liga das Nações: Finlândia-Inglaterra (17h00, Sport TV2) ou Áustria-Noruega (19h45, Sport TV3)
⚽ II Liga: Vizela-Oliveirense (11h00, Sport TV1), Académico Viseu-Marítimo (15h30, Sport TV1), Paços de Ferreira-Torreense (18h00, Sport TV1) e Desportivo de Chaves-Feirense (20h30, Sport TV1)
Hoje deu-nos para isto
A 24 de fevereiro de 2022, a Rússia de Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. Passados quatro dias, a FIFA e a UEFA tomaram a decisão de suspender as equipas e a seleção russa das diversas competições internacionais. Uma decisão rápida, implacável, consensual, que se mantém até hoje.
Por contraste, o silêncio e indecisão da FIFA face a Israel ameaçam tornar-se um daqueles fantasmas que, sem abrir a boca, se tornam brutalmente ruidosos.
Após um pedido de suspensão da federação de Israel ter sido feito pela federação da Palestina, alegando os atropelos ao direito internacional e as práticas israelitas condenadas por organismos como a ONU, a FIFA tem feito do adiamento a sua política preferencial.
Em maio, no congresso da entidade, adiou uma decisão. Prometeu resolver o assunto numa reunião extraordinária de 20 de julho. Nada feito. Prometeu fumo branco até 31 de agosto. Nada feito. Agora, o conselho da FIFA — lembra-se, a tal reunião na sala fechada de luzes opaca? — voltou a adiar um veredicto.
Seja qual for a decisão, a velocidade e condenação pública no casso russo contrastam com a lentidão e falta de transparência no caso israelita. Adiando e adiando, a FIFA criou um tabu.
Perante a indecisão, a seleção de Israel irá receber, para a Liga das Nações, a França em Budapeste. O Maccabi Tel Aviv bateu o Midtjylland em Belgrado.
Entretanto, em janeiro, o selecionador olímpico da Palestina foi morto na sequência de bombardeamentos em Gaza. Tal como Mohammed Barakat, jogador do Al-Ahli de Gaza, em março, e como o seu companheiro Ahmad Abu al-Atta, em junho.
A seleção da Palestina está a lutar por uma vaga no Mundial 2026.
Tenha uma boa semana, talvez aproveitando esta pausa de seleções para ganhar algum fôlego para um calendário de futebol masculino que, a partir do final deste mês, irá apertar e muito. Muito obrigado por nos acompanhar aí desse lado, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook, Instagram e no Twitter.
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