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Mundial 2022

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Embaixador do Mundial classifica homossexualidade como “distúrbio mental” e diz que “gays” que forem ao Catar “terão de aceitar as regras”

Khalid Salman, antigo jogador internacional pelo país organizador da competição, explicou a razão para que, no seu entender, as relações entre pessoas do mesmo sexo sejam ilegais no Catar. Blatter, presidente da FIFA na altura da atribuição do torneio, diz agora que a escolha foi “um erro”

Pedro Barata

JEWEL SAMAD/Getty

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Khalid Salman foi um jogador internacional pelo Catar nos anos 80. Esteve presente em duas edições da Taça da Ásia e nos Jogos Olímpicos de 1984, quando o Estado do Médio Oriente era pouco mais do que irrelevante na cena desportiva global. Salman é um dos embaixadores do Mundial de futebol que o seu país irá organizar de 20 de novembro a 18 de dezembro, fazendo parte de uma lista oficial que inclui nomes bem mais conhecidos, como Cafú, Samuel Eto'o, Xavi Hernández ou David Beckham.

Ora, Khalid Salman deu uma entrevista à televisão alemã ZDF, na qual falou sobre a questão dos direitos LGBTQIA+ durante a competição. No Catar, recorde-se, relações entre pessoas do mesmo sexo são ilegais.

“Muitas coisas vão acontecer no país durante o Mundial. Vamos falar sobre gays. O mais importante é aceitar que todos venham, mas terão de aceitar as nossas regras. A homossexualidade é ‘haram’ [proibida]. E porquê? Porque é um distúrbio mental”, disse o antigo futebolista, antes de a entrevista ser prontamente interrompida por um assessor de imprensa do Mundial.

A agência Reuters pediu comentários à organização da competição e à FIFA, mas nenhuma das duas entidades respondeu.

Há muito que a comunidade LGBTQIA+ se queixa de abusos no Catar. Em novembro de 2021, a Human Rights Watch denunciou que as autoridades do país procuram e detêm pessoas LGBTQIA+ com base na sua atividade na internet. As autoridades “excluem conteúdo LGBTQIA+ do espaço público”, indica a Human Rights Watch.

“Diria que eles se deveriam abster de quaisquer atividades sexuais”. Foi desta maneira que Sepp Blatter, presidente da FIFA na altura da atribuição do Mundial ao Catar, respondeu, duas semanas depois da votação para a organização da competição, sobre o tratamento que seria dado aos homossexuais no país.

Um conjunto de apelos ao não ativismo

Em março, antes do sorteio do Mundial, Nassar al-Khater, CEO do torneio, “assegurou” que “qualquer fã, de qualquer género, orientação sexual, religião ou etnia” podia “ficar descansado” porque “o Catar é um dos países mais seguros do mundo”, sendo “eles” [os fãs] todos bem-vindos”. No entanto, Al-Khater sublinhou que “as demonstrações públicas de afeto [por parte de homossexuais] são desaprovadas”, porque “não fazem parte da cultura” do país.

No dia do sorteio da competição, a Associated Press publicou uma entrevista com o major-general Abdulaziz Abdullah Al Ansari, presidente do comité nacional anti-terrorismo do Ministério do Interior do Catar e um dos principais responsáveis pela segurança do torneio. Al Ansari disse que, caso adeptos "mostrem bandeiras arco-íris" durante o Mundial, estas poderiam ser-lhes retiradas.

"Se as bandeiras forem apreendidas, não é porque eu o queira fazer ou porque queira insultar as pessoas, mas sim para as proteger", argumentou o dirigente, que disse que se "não o fizer" [retirar as bandeiras], alguém à volta das pessoas as pode atacar. "Não posso garantir o comportamento de toda a gente. E digo-lhes: 'Por favor, não precisam de erguer bandeiras'. Tenho de estar perto do problema antes que fique fora de controlo e seja demasiado tarde", afirmou.

Al Ansari opinou que "quem quiser mostrar a sua opinião [sobre a causa LGBTQ+]", deve "fazê-lo numa sociedade onde isso se aceite", considerando que os espectadores devem "ver os encontros" e "está bom", mas "não vir e insultar toda a sociedade por causa disto". O major-general sublinhou que "não se podem mudar leis" nem "religião" por "28 dias de Mundial".

O responsável pela segurança do evento pediu que os adeptos "não se desloquem ao Catar para fazer demonstrações políticas": "Reservem o quarto juntos, durmam juntos, isso é algo que não é a nossa preocupação", disse.

Na semana passada, a FIFA enviou uma carta às 32 seleções participantes do Mundial, pedindo que se “focassem no futebol” e deixassem o ativismo de parte. Numa outra aparição pública, Al-Khater, CEO da prova, referiu que fazer do futebol uma “plataforma de mensagens políticas” está errado, reiterando a função do Mundial como um evento “a que as pessoas querem ir para desfrutar”.

Em 21 de setembro, o emir do Catar, o xeque Tamim bin Hamad al-Thani, prometeu, perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, um Mundial sem discriminação. No entanto, a 25 de outubro, o ativista Peter Tatchell realizou um protesto em defesa da comunidade LGBTQIA+ no Catar e acabou por ser preso.

Algumas seleções têm, nas últimas semanas, mostrado apoio contra a homofobia e a discriminação. A mais relevante campanha é protagonizada por Alemanha, Países Baixos, Bélgica, Dinamarca, França, Inglaterra, País de Gales e Suíça, que utilizarão braçadeiras de capitão com as cores do arco-íris e as palavras “1 Love".

A Austrália e o Canadá também já fizeram declarações públicas pedindo mudanças no Catar, seja na questão da homossexualidade, seja na defesa dos direitos dos trabalhadores, sobretudo os migrantes.

Blatter classifica escolha do Catar como “um erro”

Sepp Blatter foi presidente da FIFA entre 1998 e 2015, antes de ser forçado a sair do cargo devido às investigações sobre corrupção na cúpula do futebol mundial. O suíço era o responsável máximo pela entidade quando, em 2010, a competição foi, surpreendentemente, atribuída ao Catar.

Agora, numa entrevista ao jornal helvético "Tages-Anzeiger", Blatter afirma que “a escolha do Catar foi um erro”. “Na altura, achávamos que o melhor era que a Rússia organizasse 2018 e os EUA o de 2022, num gesto de paz, pois dois opositores políticos de longa data acolheriam dois Mundiais seguidos”, disse o antigo dirigente, de 86 anos.


Blatter considerou o Catar como um país “muito pequeno”, enquanto o “futebol” e o “Mundial” são “demasiado grandes”

“Só posso repetir: atribuir a organização ao Catar foi um erro pelo qual eu, como presidente, fui responsável na altura”, assumiu o suíço. Ainda assim, Blatter diz estar “contente” que “os jogadores não boicotem o Mundial”.

O ex-presidente da FIFA questionou a atuação do seu sucessor, Gianni Infantino, que tem vivido nos últimos meses em Doha. “Qual a razão para que ele esteja a residir no Catar? Ele não pode ser o chefe da organização local do Mundial, não é o trabalho dele”.

No mesmo dia em que o Mundial 2022 foi atribuído ao Catar, também a edição de 2018 foi para a Rússia. Sepp Blatter garante “já não estar” em contacto com Vladimir Putin e rejeitou que o Mundial tivesse sido usado como “propaganda russa”. “Muitos outros também utilizam o desporto com motivações políticas. Não sou um juiz e não irei julgar isso”, disse o suíço.