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Enganados, encurralados e abusados sexualmente: homossexuais residentes no Catar revelam perseguições no país que vai receber o Mundial

Aplicações de encontros estão a ser utilizadas pelas autoridades do Catar para encontrar pessoas homossexuais. Ao jornal britânico “i”, uma das vítimas diz ter sido atraída para um quarto de hotel, onde foi violada por seis polícias. Dias depois foi deportada para as Filipinas, o seu país natal. A Human Rights Watch tem mais testemunhos e denuncia “raptos” e “espancamentos”

Expresso

JEWEL SAMAD/Getty

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O modus operandi repete-se. Homossexuais são convidados para encontros em aplicações de telemóvel. Quando chegam ao local combinado, a realidade é outra. Perseguidos, espancados e até violados, segue-se a expulsão do Catar, o país que vai receber o Mundial de futebol já a partir do dia 20.

Ali é uma dessas vítimas e contou a sua história ao jornal britânico “i”. Há quatro anos, este filipino a viver no Catar, onde trabalhava como assistente de escritório, fez download de uma dessas aplicações de encontros. Um homem turco abordou-o e convidou-o para um hotel, oferecendo-lhe o equivalente a 80 euros - dinheiro que Ali aceitou já que ajudaria a família no seu país natal. O homem terá exigido que o homem levasse um vestido e maquilhagem.

Ao chegar ao hotel, nada do combinado era real. Além do turco, esperavam Ali seis outros homens, que a vítima reconheceu como polícias do Catar. “Fiquei encurralado. Apanharam-me, atiraram-me para a cama e começaram a violar-me”, revelou o homem. Quando terminaram as agressões, os alegados oficiais revistaram a sua mala e levaram o conteúdo como prova que Ali era gay e prostituto, o que pioraria a acusação. As conversas com o homem turco também serviram como prova. “Dormi na cadeia e quando acordei levaram-me para um centro de deportação. Lá esperei dois dias para receber o meu passaporte e um bilhete para voltar para as Filipinas. Cancelaram os meus papéis”, continuou Ali, que contou o seu trauma usando um nome falso, temendo represálias.

Enganar homossexuais e lésbicas através de aplicações de encontros é prática comum num país onde é ilegal gostar de alguém do mesmo sexo e as demonstrações públicas de afeto são desencorajadas, diz o “i”.

Ao jornal, Nasser Mohamed, um médico gay catarense radicado nos Estados Unidos, que tem trabalhado com a Human Rights Watch, revela que muitos homens na mesma situação que Ali o têm contactado. Mohamed explica que os homossexuais são normalmente enganados por membros do Departamento de Segurança Preventiva, que não é um ramo da polícia mas sim da segurança nacional do Catar. “Eles atuam à paisana e apanham pessoas em espaços públicos só com a suspeita de serem gays”, diz, sublinhando que a situação é ainda mais difícil para mulheres homossexuais e trans e que a origem das vítimas também interfere no tratamento: pessoas asiáticas, negras e pobres serão sempre mais discriminadas que alguém com dinheiro.

Mohamed denuncia ainda “torturas físicas”, “raptos”, “pessoas colocadas em isolamento” e “espancamentos”. À Human Rights Watch, uma mulher bissexual diz ter sido “espancada até perder a consciência, várias vezes” e vítima de “assédio sexual de forma continuada”. Mulheres trans terão sido presas após começarem tratamentos hormonais e obrigadas a pararem a transição. O médico diz que os adeptos de futebol que viajaram até ao Catar no próximo mês não verão esta realidade, porque o governo local não quer lidar com o escândalo. “É tudo uma fachada, eles só se interessam pela imagem pública”, frisa.

Ao “i”, Ali diz não acreditar que o Mundial de futebol vá mudar a atuação das autoridades do Catar face à comunidade LGBTQIA+: “Não vão parar de nos perseguir, querem fazer uma limpeza”. O governo do emirado não respondeu ao pedido de comentário do jornal britânico, com a FIFA a sublinhar, através de um porta-voz, que “o Catar, enquanto nação organizadora, tem completa noção das suas responsabilidades” e que terá de “aceitar as expectativas da FIFA e exigências em termos de direitos humanos, igualdade e não-discriminação”.