Tribuna 12:45

Acabou-se, mas acabou o quê, exatamente?

Luis Rubiales, o presidente da Federação Espanhola de Futebol, a passear pela sala cheia de gente que, à sua frente, o ovacionou na Assembleia Geral da entidade
Anadolu Agency

A meritocracia é um chavão de metal moldado nas fornalhas deste século e do anterior para dar chão à escalada das pessoas na vida profissional e manter-lhes a cenoura diante dos olhos. É útil e conveniente acreditarmos que os frutos das nossas capacidades vão valer, por si só, recompensas que nos melhorem a qualidade de vida. A meritocracia, porém, também desvia as atenções do esforço ou do stress - no caso dos mais rendidos à roda dentada do trabalho a todo o custo - que mastigam tanta gente, ou para a bajulação, a interesseirice e as pessoas-sim que muitas vezes servem para os realmente melhores de entre todos nós serem ultrapassados. É mais frequente do que raro vermos os de maior capacidade estagnarem na vida enquanto são fintados por gente que prefere as portas das traseiras para ir subindo.

Crer que só depende de nós irmos chegando mais além no mundo laboral é acreditar que um superior hierárquico, na dúvida entre o mais apto, capaz e provado, ou um seu menor em todos os fatores, mas que se ri efusivamente das piadas do chefe e lhe satisfaz, sem pensar, qualquer vontade no trabalho, vai olhar somente para as capacidades factuais e descurar os fingimentos forçados para massajar o ego de quem nos pode fazer subir na vida. Na sexta-feira, com o seu cabelo espetado no ar e olhar penetrante, Jorge Vilda aplaudiu o discurso do seu chefe e ao seu lado, também sentado, o careca Luis de la Fuente bateu uma palma contra a outra quando a pessoa a quem respondem na cadeia de comando disse que não se demitia.

Qual surpresa, então, quando a coluna vertebral dos treinadores das principais seleções da Real Federação de Futebol Espanhola, há horas recostada no assento da Assembleia Geral Extraordinária de onde o aplaudiram, canalizou neurotransmissores para as suas mãos dedilharem as declarações escritas com que criticaram o presidente da entidade que lhes paga o salário, mas só quando a FIFA o suspendeu “preventivamente” no seguimento do processo disciplinar que já lhe tinha instaurado. Abeirado da falésia, com apenas os mindinhos a sustê-lo do empurrão institucional, político e social para o abismo, aí os selecionadores optaram por ir contra quem nem um dia antes optaram por ovacionar, de pé.

No provável verão mais bem-sucedido da história do futebol espanhol, quando as mulheres conquistaram um inédito Mundial e os homens ganharam a Liga das Nações, dois treinadores que chegaram ao cargo em situações similares à lupa da opinião pública - com dúvidas em relação ao seu currículo e capacidade para exercerem os respetivos cargos - jogaram uma cartada semelhante. Viram Luis Rubiales agarrar os seus próprios testículos ao lado da Rainha de Espanha e uma das filhas, em Sydney, na tribuna do estádio onde, no relvado, depois agarrou, com ambas as mãos, na face de Jenni Hermoso, futebolista que beijou nos lábios sem consentimento, mas nada disseram quando o presidente da federação chamou “idiotas” aos seus detratores, “palermices” às críticas ao seu comportamento e “falsas feministas” às pessoas que apoiam a vítima que sugeriu como culpada.

Esses treinadores aconchegaram-se no silêncio, refastelados no aplauso que deixaram perante a gravação das câmaras, também quando Rubiales se recusou demitir devido ao que descreveu como um “pico”, ou um coloquial ‘bate-chapas’ traduzido para português. Quando a federação lançou um comunicado forense (entretanto apagado) a desmentir Jenni Hermoso e a defender-se com imagens da posição dos pés do dirigente para a acusar de mentir. E quando toda a equipa técnica da seleção feminina (11 pessoas) se despediu, em bloco, alegando ter sido obrigada a sentar-se na primeira fila do auditório, para freguês ver, durante o discurso em que Rubiales começou por justificar o seu agarrar de genitália à emoção sentida para com Jorge Vilda, o treinador que agora está, literalmente, sozinho.

Eurasia Sport Images

“Emocionei-me muito, a tal ponto de perder o controlo e levar a mão ali, quando a tua primeira reação após ganhar o Mundial foi virares-te para a tribuna e apontares para mim”, enterneceu-se o então ainda não-suspenso dirigente para com o seu subordinado a quem providenciou respaldo, com unhas e dentes, quando o treinador enfrentou o protesto de 15 futebolistas há um ano, decididas a renunciarem à seleção enquanto não vissem mudanças para melhor na federação: cresceram, no fim de semana, para mais de 80 futebolistas espanholas se recusam em aceder a qualquer convocatória enquanto não houver “mudanças reais, tanto desportivas como estruturais”. Por esta altura, já clubes espanhóis, futebolistas masculinos, capitãs das melhores seleções femininas e atletas espanhóis medalhados noutras modalidades criticavam Luis Rubiales.

Só depois de tudo isto se leu de Jorge Vilda uma crítica ao “comportamento impróprio” do presidente da federação, “sem dúvida inaceitável” e que “não reflete em absoluto os princípios e valores” defendidos pelo treinador “no desporto e na vida em geral”. Quem antes aplaudiu, de pé, a meia-hora de discurso em que Rubiales se defendeu, atacando, condenou depois “sem paliativos qualquer atitude machista, afastada de uma sociedade avançada e desenvolvida”. No mesmo dia, sábado, Luis de la Fuente, o primeiro dos dois a levantar-se para o ovacionar, censurou também “sem paliativos” o “comportamento errado e fora do lugar” do presidente, dizendo que as suas ações “não respeitaram o mínimo protocolo que se deve seguir nos atos de celebração e não são edificantes, nem apropriados para uma pessoa que estava a representar o futebol espanhol”.

O aplauso e a crítica não se distinguem pela corda-bamba, não é por uma nesga, há um oceano de diferença entre eles. Um dia bastou para o par de homens que selecionam e treinam os e as melhores desse futebol se aperceberem que já iam tarde para atenuarem um próprio ato que escolheram ter na cara do seu chefe.

Luis Rubiales é dono de funções como vice-presidente da UEFA, reeleito há meses para o comité executivo da entidade ainda recolhida ao silêncio, que nada disse sobre o caso, mas é publicamente apoiante da candidatura conjunta de Espanha, Portugal e Marrocos para acolherem o Mundial de 2030. A Federação Portuguesa de Futebol tão pouco se pronunciou oficialmente, nos seus canais e pelos seus dirigentes, quanto a tudo o que se tem passado do lado de lá da fronteira (à hora a que vos escrevo, nenhuma respondeu aos pedidos de reação enviados pela Tribuna Expresso). Em Espanha, as futebolistas que más línguas da pré-História acusam de estarem a fazer barulho por nada, começaram um movimento sob a égide de um “#SeAcabó” já muito partilhado que, para desgraça do seu feito, fez a ressaca da conquista do Mundial focar-se quase inteiramente nesta polémica.

Mas acabou exatamente o quê? Criticarmos só quando as condições para se criticar ficaram mais fáceis? Precavermos os nossos interesses antes de nos atravessamos publicamente por valores que vendemos como maiores do que tudo? Elas, as futebolistas espanholas, estão dispostas a renderem-se ao desvio do holofote para criticarem até às últimas consequências Luis Rubiales, a estrutura federativa da qual ele é o cume e um modus operandi geracional que está a ofuscar a tremenda conquista que conseguiram nos relvados, enquanto as caras das seleções nacionais de um país se pareceram preocupar primeiro com quem assinou os seus contratos de trabalho.

O que se passou

Zona mista

Física e mentalmente, sou dos atletas mais fortes à face da Terra. Se agora me desafiarem para 200 quilómetros de bicicleta ou uma maratona, era bem capaz disso. O Fernando não tem limites ou data de validade, está aqui para as curvas.

A suar de confiança e de crença nele próprio, Fernando Pimenta disse estas frases no domingo, ao ser vice-campeão mundial de K1 5.000 metros, a vertente maratonista da canoagem, um dia após conquistar o ouro nos 1.000 metros de velocidade onde aproveitou para lançar uma farpa a Marcelo Rebelo de Sousa: “Devia haver maior critério para se ser recebido pelo Presidente da República. Fui o único medalhado dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio2020 que não foi recebido, justificando que já tinha aquela condecoração.”

O que vem aí

Segunda-feira, 28

Fecha-se a 3.ª jornada da I Liga com o Rio Ave-FC Porto (20h15, Sport TV1).
🚴 Dia da terceira etapa da Volta a Espanha (a partir das 13h30, Eurosport).
🎾 Arranca o US Open, último Grand Slam do ano (a partir das 17h, Eurosport).

Terça-feira, 29

🚴 Quarta etapa da ‘Vuelta’ (a partir das 13h30, Eurosport).
🎾 US Open (a partir das 17h, Eurosport).
O SC Braga vai a Atenas com uma vantagem de 2-1 jogar a 2.ª mão do play-off de acesso à Liga dos Campeões contra o Panathinaikos (20h, TVI).

Quarta-feira, 30

🚴 Quinta etapa da ‘Vuelta’ (a partir das 13h30, Eurosport).
🎾 US Open (a partir das 17h, Eurosport).
Outra fornada de jogos para decidir quem entra na fase de grupos da Champions: há um PSV-Rangers (20h, ElevenSports 1) ou um AEK de Atenas-Royal Antwerp (20h, ElevenSports 3).

Quinta-feira, 31

🚴 Sexta etapa da ‘Vuelta’ (a partir das 13h30, Eurosport).
🎾 US Open (a partir das 17h, Eurosport).

Sexta-feira, 1

🚴 Sétima etapa da ‘Vuelta’ (a partir das 13h30, Eurosport).
🎾 US Open (a partir das 17h, Eurosport).
Em Itália, a AS Roma de José Mourinho, Rui Patrício e Renato Sanches recebe o AC Milan de Rafael Leão (19h45, Sport TV2). Por cá, começa a 4.ª jornada da I Liga com o Vizela-Gil Vicente (20h15, Sport TV1).

Sábado, 2

🚴 Oitava etapa da ‘Vuelta’ (a partir das 13h30, Eurosport).
⚽👱🏼‍♀️ Joga-se a primeira meia-final da Supertaça de Portugal feminina entre o Benfica e o SC Braga (15h, Canal 11).
🎾 US Open (a partir das 17h, Eurosport).
Mais I Liga: Casa Pia-Rio Ave (15h30, Sport TV1), Portimonense-E. Amadora (18h, Sport TV2), Famalicão-Farense (18h, Sport TV1) e Benfica-Vitória (20h30, BTV). Além-fronteiras, há um Nápoles-Lazio (19h45, Sport TV3) na Serie A ou um Manchester City-Fulham (15h, ElevenSports 1) na Premier League.

Domingo, 3

🏁 Grande Prémio da Catalunha em MotoGP, onde compete Miguel Oliveira (13h, Sport TV).
🚴 Nona etapa da ‘Vuelta’ (a partir das 13h30, Eurosport).
🏎️ Grande Prémio de Itália em Fórmula 1 (14h, Sport TV).
⚽👱🏼‍♀️ A segunda meia-final da Supertaça feminina faz o Sporting defrontar o Famalicão (15h, Canal 11).
🎾 US Open (a partir das 17h, Eurosport).
Na Escócia, joga-se o dérbi Old Firm com a receção do Rangers ao Celtic (12h, Sport TV2) e, em França, o Lyon acolhe o PSG (19h45, ElevenSports2). E a I Liga continua: Desp. Chaves-Moreirense (15h30, Sport TV1), Estoril Praia-Boavista (15h30, Sport TV2), FC Porto-Arouca (18h, Sport TV2) e SC Braga-Sporting (20h30, Sport TV1).

Hoje deu-nos para isto

Iga Swiatek, a dominadora atual do ténis feminino, durante um evento de exibição/brincadeira em Nova Iorque, antes do arranque do US Open.
Clive Brunskill/Getty

A tagarelice acerca de ténis tem este hábito de virar redundante e circular em torno das mesmas poucas pessoas, como espiral cujo centro não muda. Durante mais de uma década gastaram-se os nomes de Roger Federer, Rafael Nadal, Novak Djokovic e Serena Williams, eram eles, eles, eles e depois os outros, a raquete habituou-se a bater sempre nos mesmos e, quando os monstros envelheceram, foram muitos os tremeliques nervosos acerca de quem viria a seguir para suprir esta adição.

Apareceu o fenómeno Carlos Alcaraz (dois Grand Slams) para colidir com os últimos resquícios grandiosos de Djokovic, nas mulheres chorou-se por um vazio de supremacia como se devesse, sequer, existir um, até Iga Swiatek ser a tenista (quatro majors) que mais capaz parece ser de exercer um domínio sobre todas as adversárias. Como qualquer outra modalidade, o ténis vive de ciclos e da capacidade para sapatear suavemente entre eras. Mas demorou muito, demasiado, a vermos uma simples mudança para igualar homens e mulheres na terra onde está o maior estádio da modalidade.

Só este ano, em 2023, o US Open - que começa esta segunda-feira - usará as mesmas bolas nos jogos masculinos e femininos, as Wilson Extra Duty. Mais pesadas e com um feltro mais denso a cobri-las, são as mais adequadas ao piso rápido do torneio que ainda usava um modelo de bola adequado à terra batida em jogos de mulheres. Era o único Grand Slam que não usava as mesmas bolas para toda a gente - e a marca nem lhe cobra qualquer custo extra por encomendar mais exemplares do mesmo modelo. “Faz mais sentido porque as anteriores foram feitas para o pó de tijolo, esta é mais resistente”, resumiu Iga Swiatek, a número 1 do ranking feminino.

Para quê, então, fazer perdurar uma diferença? O ano passado, várias tenistas refilaram publicamente com a organização do US Open, críticas que surtiram o efeito agora, em que a diretora do torneio, Stacey Allaster, já diz que a decisão quanto ao tipo de bola a ser batido pelas mulheres “é uma decisão delas”. Só o parece ser desde que ‘fizeram barulho’ para que a mudança acontecesse.

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