Enquanto a maioria dos jogadores vive apenas na jogada presente, Dennis Bergkamp habitava, ao mesmo tempo, a jogada seguinte. É a ele que Bruno Vieira Amaral se rende neste texto, após o algoritmo das internets o presentear com as receções do retirado craque neerlandês, para quem esse gesto técnico “era água, veludo, tudo o que flui e é macio e suave ao toque”
Bendito algoritmo! Graças aos mistérios e maravilhas da tecnologia, na semana passada apareceram-me no feed do Facebook imagens da demolição conjunta da Suécia na final do Mundial de 1958 levada a cabo por esses dois fulgurantes génios que eram Pelé e Garrincha (com os dois em campo, o escrete nunca perdeu um jogo), um resumo da avalanche canarinha que se abateu sobre a Argentina numa tarde do verão italiano de 1990 e da qual os “albicelestes” se salvaram cortesia de um número de escapismo a meias entre Maradona e Caniggia, o outro lado desse mesmo jogo a mostrar que o anjo bom do jogo bonito brasileiro convivia com o anjo mau da sarrafada impune (meus amigos, no início dos anos 90 o futebol era um desporto marcial) e, para seguir a ordem cronológica, um espetáculo coletivo inolvidável na cidade de Porto Alegre, em 1999, com Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo e Roberto Carlos a reduzirem a cinzas uma seleção argentina cheia de craques.
Mas nem só de Brasil me alimenta o meu algoritmo. Dias depois, tropeço num vídeo com o título de “Bergkamp’s first touch” ou “as receções de Bergkamp”, coisa que eu nunca iria pesquisar deliberadamente, e durante dois ou três minutos assisti, meio siderado, a um recital de virtuosismo ao primeiro toque, de bolas caídas do céu e acariciadas pelo pé do avançado holandês como se a chuteira tivesse uma tira de velcro às ditas receções orientadas, quer para ele próprio, que já sabia o que fazer a seguir, quer a servir companheiros quase sem tempo para se sintonizarem com a inteligência fulminante do homem que tinha medo de andar de avião.
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