Tribuna 12:45

Bem-vindos ao EK194, o voo que vai arquivar a utopia

Portuguesas festejam um dos golos de Jéssica Silva contra a Ucrânia, no Bessa
Hernani Pereira | FPF

Dizia-me um amigo outro dia que foi a um concerto e que à frente dele estava um homem com o telefone sintonizado no Portugal-Ucrânia, o tal que movimentou mais de 20 mil pessoas para o Estádio do Bessa. Não me lembro qual era a banda sonora, mas presumo que o recital de Jéssica Silva tenha sido agradável até num pequeno ecrã.

Parecia, mais do que o derradeiro teste para o primeiro Campeonato do Mundo da história portuguesa, uma celebração do futebol jogado por mulheres no nosso país. As bancadas, repletas de famílias e canalha, estavam vestidas de pessoas despidas de preconceitos, havia bandeiras, cantorias, gritos, miúdas e miúdos cheios de encantos pelas jogadoras. O selecionador Francisco Neto, inovando no desenho tático, até passou a mensagem de que aquele era realmente um particular útil para adicionar outras camadas à maquinaria lusitana – já o tinha prometido numa entrevista à Tribuna Expresso –, mas o que elas transmitem é maior do que o que têm de fazer.

“Dá-me mais gozo ver um jogo delas do que a maioria dos jogos dos homens”, disse-me outro amigo nesse outro dia. Longe de ser um mago da tática e das ideologias futeboleiras, o Duarte comentava que via nelas a vontade e o prazer de jogar. No fundo, arrisco eu, o que aproxima o povo. Depois, continuou a beber cerveja. Que certeiro. Vejo o mesmo, é como se a sombria versão do profissionalismo ainda não tivesse devorado o que é amador (ou a verdade). Jogam como nós, os que só gostamos de jogar, jogariam. Kika, que nem pisou o lado certo do relvado nessa noite, é tudo o que uma criança ou um adulto com boa memória da infância pode desejar ser. Jéssica Silva, livre como o vento, é um acordo de paz diário com a modalidade. Andreia Norton concorda com as travessuras e assina umas quantas da sua autoria. E nesse tipo de poesia há sempre o anjo silencioso: Andreia Jacinto, obviamente. Artistas.

Gente como Ana Borges, Carole Costa e Dolores Silva representam a serenidade e a responsabilidade. No campo e, seguramente, fora dele. Viveram outros tempos do futebol feminino em Portugal, jogaram com outras mais velhas que lhes contaram como era antigamente. Conheceram a terra que cuspia pó debaixo dos dentes das chuteiras. Sabem de cor como escorre o desdém e a ignorância de tantos. Ouviram relatos daquele hiato de 10 anos em que a seleção, como se fosse um capricho dos cartolas, foi cancelada. Tiraram-lhes o futebol, aquele futebol, por isso qualquer comparação é inútil ou desonesta. Agora que estão a viver o que lhes foi sonegado e é devido, falta também encherem o peito de ar e exigirem muito ou tudo. A gratidão não tem lugar, nada têm de agradecer por serem boas no que fazem. É uma profissão e o que conquistarem hoje, no campeonato das dignidades e dos direitos, será o chão que vão pisar as Julietas, as Marias Teresas, as Isabelas, as Madalenas e as Ineses de amanhã.

Depois de uma visita ao Palácio de Belém e de mais um treino, as futebolistas da seleção nacional vão entrar no avião que as vai levar para o outro lado do mundo. Vão viver o que muitas delas nem sonharam. Não era sequer ficção científica há uns tempos, era ainda menos improvável do que o que pertence à impossibilidade, era um filho esquecido de uma utopia. Lá vão elas no EK194 e nós, esperançosos como a imaginação de uma criança, vamos com elas.

O que se passou

Zona mista

Foi um momento altíssimo, marcante e histórico.

Foi assim que Francisco Neto, o selecionador português, comentou a presença de mais de 20 mil pessoas no Portugal-Ucrânia, no Estádio do Bessa. Foi o último jogo particular das portuguesas antes de seguirem viagem para o Mundial na Nova Zelândia e Austrália.

O que vem aí

Segunda-feira, 10
🎾 Wimbledon (a partir das 11h, Sport TV1 e Sport TV2)
🚴🏻‍♀️ Prossegue a Volta a França (RTP)
🏀 Summer League da NBA: Sacramento Kings x LA Clippers (3h30, NBA TV)
⚽ Al Nassr x Alverca (20h25, Sport TV1)

Terça-feira, 11
⚽ Taça Sul-Americana: Colo-Colo x América MG (22h55, Sport TV1)
🏀 Summer League da NBA: Houston Rockets x Oklahoma City (23h30, NBA TV)

Quarta-feira, 12
⚽ Taça Sul-Americana: Patronato x Botafogo (22h55, Sport TV3)
🏀 Summer League da NBA: Golden State Warriors x Dallas Mavericks

Quinta-feira, 13
🏌🏻 Arranca o Genesis Scottish Open (12h30, Sport TV3)
🏀 Summer League da NBA: Philadelphia 76ers x Atlanta Hawks (20h30, NBA TV)

Sexta-feira, 14
⚽ Al Nassr-Farense (20h25, Sport TV1)
🤼‍♂️ MMA One Championship: Kryklia x Zhaja (1h, Sport TV1)

Sábado, 15
🏄🏾 World Surf League: Corona Open J-Bay (7h, Sport TV6)
🏍️ Superbike: primeira corrida em Itália (13h55, Sport TV5)

Domingo, 16
⚽ Pré-época: Benfica x Basileia (14h55, Sport TV1)
⚽ Final da Gold Cup (00h50, Sport TV1)⚽ Sul-Americana: Colo-Colo x América MG (22h55, Sport TV1)
🏀 Summer League da NBA: Houston Rockets x Oklahoma City (23h30, NBA TV)

Hoje deu-nos para isto

A craque Megan Rapinoe vai retirar-se após o Campeonato do Mundo
Maciek Gudrymowicz/ISI Photos

Um dos nomes mais importantes do futebol feminino, Megan Rapinoe, anunciou o adeus à modalidade no final do ano. Nestas coisas das grandezas mais vale citar a nossa Lídia Paralta Gomes, outra grande. “Talvez Megan Rapinoe não precisasse daquele passe longo, interminável, certeiro para a cabeça de Amy Wambach, no Mundial de 2011, no agónico minuto 122 do prolongamento do jogo dos quartos de final contra o Brasil. Também não necessitava dos dois golos de canto direto que marcou em Jogos Olímpicos (golo olímpico nos Jogos Olímpicos, mítico) ou de ter sido a melhor marcadora e melhor jogadora do Mundial de 2019, em França. Ou da Bola de Ouro e do prémio The Best nesse mesmo ano. Para Megan Rapinoe ficar na história do futebol, ela só precisaria de abrir a boca. Mas, além do ativismo, da luta contra o racismo, a misoginia, a homofobia, a atacante de 38 anos também é uma grande futebolista. Em novembro, quando definitivamente deixar os campos, o futebol perderá uma craque, uma figura incontestada no panteão das mulheres que mudaram tudo. Mas, felizmente, não perderá a lutadora."

Amém.

Afortunadamente, o destino de Rapinoe vai cruzar-se com o das portuguesas no Campeonato do Mundo, no primeiro dia de agosto, no Eden Park, em Auckland. O jogo conta para a terceira jornada do Grupo E, quem sabe para confirmar legados ou definir surpresas. Olhos nos olhos, história contra história. No fim, estica-se a mão para agradecer, aí sim, a quem deu tanto ao futebol.

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