Eram mais ou menos 8h26 em Portugal continental. Um auto-golo de Neuer colocava a Costa Rica a ganhar, por 2-1, à Alemanha. No outro encontro do grupo E, o Japão ia derrotando, pelo mesmo resultado, a Espanha. Naquele momento, num emparelhamento onde havia duas seleções que já foram campeãs do mundo, eram o Japão e a Costa Rica que seguiam em frente.
Durou três minutos esse cenário quase surrealista, motivo palpável que dava razão às frases feitas do “tudo pode acontecer no futebol”. De facto, qualquer coisa parecia poder suceder.
Esses 180 segundos terminaram quando Kai Havertz repôs o empate para a mannschaft contra a Costa Rica. Um golo da Alemanha que foi efusivamente celebrado… em Espanha, que com aquela igualdade deixava de estar eliminada e voltava à rota dos oitavos de final.
Os alemães ainda marcariam mais duas vezes, triunfando por 4-2. Mas precisavam de um golo da Espanha contra o Japão para não voltarem para casa, numa devolução do favor de minutos antes. Em cima dos 90 minutos, Dani Olmo roçou por duas vezes o festejo, mas Gonda, antigo guarda-redes do Portimonense, evitou o golo espanhol que mais teria sido celebrado na Alemanha.
Os homens do país do sol nascente venceriam (2-1) a Espanha, derrotando os campeões do mundo de 2010 dias depois de terem batido os de 1954, 1974, 1990 e 2014. Pelo meio, neste grupo que não faz qualquer tipo de sentido, perderam contra a Costa Rica. A mesma Costa Rica que esteve a ganhar à Alemanha e que tinha sido arrasada, por 7-0, contra a Espanha na jornada inaugural.
Se isto estivesse num filme, diríamos aos responsáveis pelo guião para acrescentarem algumas doses de realidade a tanta ficção.
Resumindo: o Japão venceu o grupo E, tendo encontro marcado com a Croácia nos oitavos de final. A Espanha ficou em 2.º, defrontando Marrocos na próxima fase. Eliminadas ficaram a Alemanha, fora precocemente tal como no Rússia 2018, e a Costa Rica, que dias depois de ter encaixado a pior goleada do Mundial chegou a estar, por três minutos, entre as 16 melhores, simulando vestir o mesmo fato de tomba-gigantes de 2014.
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A noite começava com tudo em aberto. A Espanha vinha de ter períodos de encanto nas duas rondas inaugurais, lideradas por gente do talento de Pedri. A Alemanha tinha chegado a estar quase eliminada, pelo que um cenário em que, batendo a Costa Rica e vendo la roja derrotar o Japão, poderia seguir em frente parecia animador.
Ambas as equipas europeias entraram com autoridade. Gnabry, aos 10', fez o 1-0 para os homens de Flick, que não chegaram ao intervalo a ganhar por mais porque Keylor Navas parecia um felino na baliza dos centro-americanos — terminou o embate com sete defesas, várias de alto nível.
Pouco depois do golo alemão, a Espanha também se adiantou. Azpilicueta cruzou, Morata marcou pelo terceiro encontro seguido, repetindo uma conexão que chegou a ser frequente no Chelsea.
O Japão entrou na expetativa, tal como no primeiro tempo contra a Alemanha. Com três centrais e Morita no miolo, Moriyasu foi novamente conservador, parecendo contente com ir deixando o jogo correr. No banco tinha imenso talento para guardar. Aos 35', Espanha tinha 81% de posse. O Intervalo chegou com alguma normalidade em ambos os duelos e com as duas antigas campeãs do mundo nos oitavos de final.
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Mas, subitamente, tudo se descontrolou. Tudo começou no Japão. Tal como frente à Alemanha, a seleção nipónica mexeu, colocando Doan e Mitoma e libertando mais os seus criativos. Resultado? Dois golos em três minutos e o grupo a começar a ficar de pernas para o ar.
Primeiro foi Doan, após recuperação subida de Ito na saída de bola de Espanha, a ter um remate forte que Unai Simón não conseguiu travar. Logo a seguir foi Mitoma, o outro suplente, que, in extremis, assistiu Tanaka para o 2-1.
Victor Gomes, o árbitro lusodescendente, começou por anular o lance, já que parecia que o cruzamento tinha sido feito com a bola fora de campo. Mas, após prolongada consulta do VAR, decidiu-se pela legalidade da ação.
O triunfo japonês atirava a Alemanha fora do torneio.
Mitoma faz a assistência para o 2-1 do Japão. Após consulta do VAR, a bola foi considerada dentro de campo
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O caos no Khalifa Internationl Stadium pareceu, depois, transferir-se para o Al Bayt. Quase ao mesmo tempo do 2-1 do Japão, a Costa Rica empatou, através de Yeltsin Tejeda, o costa-riquenho que deve o nome a um ex-líder soviético.
Naquele momento, seguiam em frente Espanha e Japão. Mas o planeta futebol ficou, aí, todo em alerta: novo golo dos ticos significaria a passagem de Costa Rica e Japão e a eliminação de Espanha e Alemanha.
E esse momento surgiu. Um lance rápido de contra-ataque dos centro-americanos acabou por levar Manuel Neuer a colocar a bola na própria baliza. O peso da história e tradição de Espanha e Alemanha estava a cair aos pés das epopeias da Costa Rica e Japão.
180 minutos depois, Kai Havertz apareceu para repor a igualdade. Pouco depois, o canhoto do Chelsea apontou o 3-2. Os golos do alemão não alteravam a situação da equipa de Flick, mas recolocavam a Espanha nos oitavos de final, às custas da Costa Rica. Nas redes sociais, havia quem pedisse a Pedro Sánchez que tratasse de dar a nacionalidade espanhola a Havertz.
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A realização televisiva mostrava, no Khalifa International Stadium, Andrés Iniesta, de telemóvel na mão, provavelmente a fazer as contas ao grupo. Entretanto, a Alemanha chegaria ao 4-2, dando tranquilidade à Espanha neste grupo onde a felicidade ou tristeza de cada um parecia surgir do que surgia num jogo alheio.
Era, agora, a mannschaft a precisar de la roja, no ato final desta noite de ligação entre San José e Tóquio, Berlim e Madrid. Espanha, na segunda parte foi uma caricatura da equipa bem trabalhada por Luis Enrique, esteve perto do empate, mas o Japão resistiu.
O apito final mostrou cenas de euforia japonesa, fruto do segundo resultado histórico em poucos dias. Espanha sobreviveu à montanha-russa, mas um Mundial que começou com futebol espetáculo tem agora um grande ponto de interrogação à volta de uma equipa cujo selecionador levanta muitos anticorpos em boa parte da imprensa. A Alemanha volta a sair de cena e confirmar estar no pior momento de resultados da sua história.
Numa altura em que se discute como será o formato do Mundial 2026, o primeiro com 48 equipas, com possíveis aberrações como penáltis no final de partidas da fase inicial que fiquem empatadas ou grupos de três seleções, esta noite é um bom sinal para as alterações que se vierem fazer à competição.