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¿De qué planeta viniste, Pedri?

Crónica de Jogo

Robbie Jay Barratt - AMA

Espanhóis, jogando melhor como é quase protocolar, e alemães empataram esta noite no Al Bayt (1-1) e mantêm tudo ainda mais em aberto no Grupo E, onde primeiro e último estão separados por três pontos. Num jogo com muitos craques, a nossa mirada deixou-se derreter pelo futebol de Pedri

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Hugo Tavares da Silva

Hugo Tavares da Silva

enviado ao Mundial 2022

Jornalista

Joga como se estivesse cansado. Arrasta-se. Faz aquela corridinha mole de quem não pode mais. Os nossos antepassados, alguns sábios certamente, já sabiam que a lentidão soava a sabedoria, fosse no movimento ou no verbo. Pedri joga a um ritmo próprio. Dá a sensação aliás que, se ele quisesse, mais ninguém tocaria na bola ali em baixo naquele jardim.

Pedri veio de outro planeta, ainda não sabemos de qual. Investigaremos enquanto estivermos no Catar. Perdoem o cliché do título da crónica. Este futebolista, um velho de 20 anos, joga num Campeonato do Mundo como se estivesse a jogar com pouca vontade com os amigos de sempre. Sabe tudo. Até estica o indicador, no meio de tormentas, a explicar para onde os colegas devem levar a bola para terem mais facilidades.

Antes deste Espanha-Alemanha, centenas de adeptos começaram a ver a vida a andar para trás quando os autocarros e viaturas em que seguiam não se aproximavam do Estádio Al Bayt, o mais distante do centro de Doha. O relógio, sim, mantinha a cavalgada, indiferente. Se se correu ou caminhou apressadamente 2,5 ou 3 quilómetros foi por brio profissional… mas também porque Pedri estaria em campo, a um ritmo inferior quem sabe, o que é tremendo. Vê-lo ao vivo é assombroso.

Soccrates Images

O que é especial nesta Espanha que joga como os deuses é que Pedri tem por perto Gavi, um bailarino com alma de mamute, e Sergio Busquets (mais uma exibição especial). Depois, à frente, estão os solidários e bons de bola Marco Asensio, Ferrán Torres e Dani Olmo, que aos sete minutos atirou logo um tiro à barra. Talvez não tenham os nomes pesados de outros avançados da história desta nação, mas parece estar preparados. E, mais importante, gozam da confiança de Luis Enrique, um treinador que se meteu no Twitch para desatar mistérios do próprio e do futebol.

Com muito mais jogo do lado espanhol, embora pouca baliza, foi a Alemanha que meteu a bola no arco, por Antonio Rüdiger. O VAR anulou o golo, por fora de jogo, depois de um livre lateral e consequente cabeceamento do central do Real Madrid. Os alemães, treinados por Hansi Flick, ia respondendo ao sequestro da bola por parte dos adversários com alguns bons momentos. Era, de facto, um jogo admirável entre duas seleções que querem jogar e propor o melhor jogo possível a nível técnico.

Pedri continuava com as manigâncias. Às vezes corre devagarinho com a bola no pé, como se fosse um bebé de dois ou três anos, empurrando-a com os dois pés, não como nos matraquilhos mas à vez. O ritmo a que as botas se mexem é o mesmo de quando começou o jogo. Parece ter sempre tudo sob controlo. É especial.

Luis Enrique, que esta manhã começou o dia com uma passeata de bicicleta na qual homenageou a filha, Xana, que faria neste dia 13 anos – “onde estiveres, passa um bom dia” –, lançou então Álvaro Morata, aos 54’, muitíssimo aplaudido pelos espanhóis, um carinho que não recebeu durante o Euro 2020. Oito minutos volvidos, já depois de Unai Simón defender um remate venenoso de Joshua Kimmich, Morata meteu a bola na baliza. Busquets, Olmo e Jordi Alba construíram a jogada. Morata foi um verdadeiro 9, antecipou-se a Niklas Süle e superou Manuel Neuer.

Se Pedri tornava tudo especial cada vez que tocava na bola, do outro lado havia alguns rasgos do craque Jamal Musiala. Com os espanhóis pela frente, futebolistas como Ilkay Gundogan, Kimmich e Leon Goretzka passam para segundo plano, o que fala da barbaridade que joga esta gente de vermelho.

A corrida contínua de Pedri continuava, as mãos às vezes pareciam bater no ar para ajudar a fazer as curvas lentas e cansadas. Podia jogar este jogo durante 50 anos. Levanta a bola, desviando-a das pernas e botas dos quase sempre inconsequentes opositores, à última da hora, na medida certa. É um daqueles futebolistas por quem se aguentava ver muitos 0-0. É outra coisa.

Alexander Hassenstein

Mas não ficou 0-0, nem 1-0 para a Espanha, pois a Alemanha, que ia tentando espreguiçar-se no relvado em ataques rápidos, empatou mesmo, por Niclas Füllkrug. O barulho que provocou ao bater na bola ouviu-se na tribuna de imprensa, cá em cima. Boom. Musiala já havia ameaçado pouco antes. Uma jogada de Leroy Sané, a seguir ao empate, quase sovou a justiça futeboleira.

Em campo já estavam há muito os inúmeros suplentes que podem entrar neste chamado futebol moderno. A Espanha deixou de chegar tão bem à frente, não encontrava os espaços com a mesma facilidade. Talvez estivesse OK com o empate e sem aquela fome de deixar um rival direto em apuros. A Alemanha forçou, mas acabou satisfeita com o que levou do Al Bayt. Na derradeira jornada, os germânicos defrontam a Costa Rica de Bryan Ruiz, que ganhou esta tarde ao Japão, enquanto a Espanha vai tentar massacrar os nipónicos com meiinhos eternos.