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Crónica de Jogo

Espanha - Costa Rica. No jardim de infância de Pedri e Gavi joga-se ao ritmo da universidade de Busquets

A Espanha entrou no Mundial em grande estilo, arrasando (7-0) a Costa Rica. Demonstrando ser a seleção mais equipa de clube que há, o conjunto de Luis Enrique hipnotizou os centro-americanos com um jogo de passes, triângulos e fluidez infinita, com um presente assente em lendas do passado e artistas que querem que o futuro seja hoje

Pedro Barata

James Williamson - AMA/Getty

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Luis Enrique disse, antes do começo do Catar 2022, que queria “convencer Busquets que tinha mais um Mundial dentro dele”. Aos 34 anos, o lendário cérebro do melhor Barcelona e da melhor Espanha de sempre tem sido criticado pelas prestações recentes no clube catalão, mas o selecionador asturiano de Espanha explicou que, no contexto certo, Busi continua a ser o melhor.

“Se conseguirmos que o cenário do encontro seja estar no campo do adversário e que as posições de pressão sejam curtas, Busquets é como Nadal, o melhor do mundo. Mas se a equipa está distante no campo e se parte, já não”, comentou Luis Enrique, o técnico streamer que faz essa loucura que é explicar as opções que toma e aprofundar temas de futebol.

Ainda o primeiro Espanha - Costa Rica em competições oficiais da história não tinha chegado à dezena de minutos e já era evidente que a formação europeia tinha conseguido criar o tal “cenário” que beneficia o seu capitão. Espanha vivia perto da área rival, cada homem tinha de abarcar agressivamente uma porção de campo não muito extensa, os roubos de bola eram recorrentes e a circulação cerebral. Busquets não era o médio bombeiro que por vezes não consegue ser no Barça de Xavi, mas o coordenador daquela pressão, avançando quase para a linha dos interiores.

Se neste “cenário” Busquets manda, ao lado dele está gente que, com quase metade da sua idade, traz à terra um futebol celestial, que parece vir da terra dos anjos. Pedri e Gavi, Gavi e Pedri são a dupla de jovens mais adulta do mundo, uma parelha que ameaça tornar-se inseparável na nossa cabeça, um canário e um andaluz que começam a parecer serem parte um do outro, não se sabendo onde começa um e acaba o outro.

Assente na gestão da posse feita por Busquets, nas simulações de corpo e enganos usando o tempo e espaço de Pedri e no fulgor do gladiador com pés de bailarina que é Gavi, a Espanha arrasou (7-0) a Costa Rica, entrando no Mundial mostrando o melhor que o plano de Luis Enrique lhe dá.

Sem o improviso de outras seleções, esta é uma equipa de clube, com automatismos, princípios e características que a sustentam e a tornam mais do que a soma das suas individualidades. Por isso, Luis Enrique já explicou que não convoca com base no mérito, mas sim segundo as características de cada jogador, aquilo que lhe pode dar.

Anadolu Agency/Getty

Devido a essa valorização do pacote de qualidades que cada homem possui e pode emprestar à equipa, o técnico chama nomes que podem não brilhar constantemente nos clubes. Dani Olmo, Asensio e Ferran Tores, o trio de ataque titular nesta estreia no Catar, é aposta apesar de, no quotidiano de RB Leipzig, Real Madrid e Barcelona não serem sempre estrelas cintilantes.

Foram eles os autores dos primeiros quatro golos da goleada, o primeiro por Olmo, aos 11', o segundo por Asensio, aos 21', e o terceiro e quarto por Ferran, aos 31' e 54'. Mas, mais do que nunca, essas bolas no fundo das redes de um Keylor Navas que deu sinais da veterania foram consequência e não causa; foram fruto e resultado do jogo que sucedia atrás da zona de finalização, e não ato isolado sem explicação lógica.

Porque a contundente superioridade espanhola expressou-se na área rival, mas foi forjada metros atrás. No meio-campo havia uma dança coordenada, subordinada às lições do catedrático Busquets que, como bom mestre, dá espaço para que os aprendizes brilhem.

Aos 5' e aos 8' já Pedri tinha dado bolas para que Olmo e Ferran rematassem com perigo. O futebol do canário usa tudo o que há em redor para criar vantagens — os corpos dos rivais são referências de dança, as desmarcações dos companheiros são distração usada com arte, até o árbitro foi usado num momento para confundir Celso Borges.

O 1-0 de Espanha foi o golo 100 de la roja em Mundiais e teve como assistente Gavi. Aos 18 anos e 110 dias, o andaluz do Barcelona tornou-se no mais jovem de sempre a vestir a camisola do país num Europeu ou Mundial.

ODD ANDERSEN/Getty

Bebendo da fonte da juventude que ter uma equipa estruturada dá, Jordi Alba fez como Busquets e resgatou a melhor versão que anda desaparecida em Camp Nou. Aos 21', assistiu Asensio como tantas vezes fez com Messi, com um cruzamento atrasado, e aos 31 ganhou o penálti do 3-0. Pelo meio fez um túnel a Carlos Martínez, daqueles em que a bola parece esconder-se debaixo da relva para depois reaparecer, qual toupeira divertida.

A Universidade da Costa Rica permitiu que os seus alunos vissem o jogo, mas o encontro terá feito com que muita gente preferisse ouvir as aulas a assistir a tamanha superioridade espanhola. Aos 31', havia 3-0 em golos, 87% de posse de bola, 5-0 em remates, 309 passes certos contra 37. Os ticos saíram do estádio sem terem feito um remate à baliza de Unai Simón.

Nunca a Costa Rica descobriu a solução para a fluidez espanhola. Asensio abandona a zona entre os centrais para ir dialogar com os médios, deixando parte da defesa centro-americana a falar sozinha enquanto o jogo se cozia mais atrás. Ferran e Olmo, soldados disciplinados do plano de Luis Enrique, atacavam os espaços, esticando o adversário e gerando espaço para os colegas.

Gavi, o craque da língua pegada à bochecha

Gavi, o craque da língua pegada à bochecha

Elsa/Getty

Na segunda parte, Espanha geriu o plantel e entraram Morata, Soler, Baldé, Koke e Nico Williams, todos com vontade de contribuir para a goleada.

Mas foi um recém-maior de idade que fez os 90 minutos o maior destaque. Gavi joga com a língua pegada à bochecha, qual Nani de 2005 no Sporting, e é uma brilhante mistura de agressividade na atitude e fineza nas botas.

Quando o carregam, Gavi aguenta, não sendo invulgar vê-lo a rebolar pelo chão, mas mantendo a bola controlada, qual amante dela que não a deixa escapar. Aos 74', um cruzamento de Morata encontrou o jovem de 18 anos à entrada da área. A finalização foi o ponto alto numa exibição de gala do menino que ameaça com ser o que quiser no mundo da bola. Desde Pelé, no Suécia 1958, que um jogador tão novo não marcava na fase final de um Mundial.

A estreia da Espanha, contra uma Costa Rica muito frágil, misturou segundas juventudes com adolescência vibrantes, no maior aviso que um candidato deixou neste Mundial. Esta equipa tem Busquets e Alba, Pedri e Gavi, mas não nos enganemos: o seu verdadeiro poderio reside em ser uma equipa. A seleção que é a equipa de clube de Twitch Enrique.