10 títulos do Open da Austrália, um recorde. 22 troféus de competições do Grand Slam, máximo masculino partilhado com Rafa Nadal. 93 torneios de singulares conquistados, superando o espanhol e ficando a um de Ivan Lendl, a 10 de Roger Federer e a 16 de Jimmy Connors. O regresso ao número um mundial, começando na segunda-feira a 374.ª semana nessa posição, proeza inigualável.
Todos estes registos gloriosos associados à carreira de Novak Djokovic elevam-no, obviamente, à condição de um dos melhores desportistas de sempre, membro do Olimpo por direito próprio. Analisados friamente, são feitos que seriam impensáveis para o rapaz de Belgrado que cresceu num país em guerra e — apesar do cliché que diz que os recordes são para serem batidos — muito difíceis de igualar por quem construir carreiras vindouras.
Ainda assim, a grandeza emanada pelo sérvio provoca que haja uma certa ideia de normalidade ou de facilidade associadas a estas conquistas. A final do Open da Austrália contra Stefanos Tsitsipas foi um resumo disso: Djokovic arrancou na sua elevadíssima velocidade de cruzeiro, sem forçar muito mas sem tremer, mostrando no primeiro set como se joga um encontro decisivo de um major com a tranquilidade de quem está no sofá da sala; teve, depois, quebras de rendimento, com algum nervosismo e erros na segunda partida, mas a tal inevitablidade veio ao de cima, como se só houvesse um destino possível para o embate, um desfecho lógico para a conclusão da contenda, fossem quais fossem os passos prévios, com um último parcial quase imaculado, com somente quatro erros não forçados.
Surfando com aparente facilidade ondas que correspondem, na verdade, a desafios hercúleos, a fronteiras pouco exploradas na história do ténis, Djokovic levou a melhor, por 6-3, 7-6 (4) e 7-6 (5), face a Tsitsipas, completando uma quinzena de incontestado domínio no Open da Austrália. Um ano depois da deportação, o balcânico sai de Melbourne com um sorriso agarrado ao 10.º triunfo no happy slam e aos 22 majors.
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Nole não perde um encontro no Open da Austrália desde 2018, mas a edição de 2023 terá sido uma das que mais transmitiu a impressão de a ter levado para casa sem nunca parecer em verdadeiros apuros, havendo a convicção, desde muito cedo na competição, de não haver quem pudesse, sequer, colocar em dúvida a tal inevitabilidade do extraordinário. Em sete encontros, só cedeu um set, frente ao qualifier francês Enzo Couacaud, não tendo perdido qualquer parcial nos derradeiros cinco compromissos até ao título final.
O sérvio entrou na Rod Laver Arena com nove vitórias seguidas no mano a mano contra Stefanos Tsitsipas e, entre isso e a grandeza que é transmitida pelo homem que regressará à liderança do ranking ATP, o primeiro parcial foi a crónica de um predador no conforto do seu habitat natural.
Djokovic teve pontos para quebrar o serviço do grego que zela pela continuidade da esquerda a uma mão logo no primeiro jogo de saque de Tsitsipas, confirmando o break à segunda oportunidade, após dupla falta do ateniense. Boa parte da primeira manga teve um Stefanos errático, inferiorizado perante a frieza do vencedor em série que estava do outro lado. Vendo-se na frente relativamente cedo no set, Djokovic ganhou o parcial sem tremer.
No segundo set, o sérvio baixou o nível, mostrando alguma intranquilidade. Se no parcial inaugural não tinha cometido qualquer dupla falta, vencera 94% dos pontos no primeiro serviço e tinha uma percentagem de 72% de colocação de primeiras bolas, no seguinte o novo líder da hierarquia mundial cometeu duas duplas faltas, ganhou 78% do pontos no primeiro serviço, que só colocou em 66% das ocasiões.
Segundo os registos oficiais, há 424.759 pessoas na Austrália com ascendência grega e 94.997 cidadãos com antepassados sérvios. No major disputado em Melbourne, ambas as comunidades apoiam ferozmente os seus jogadores, criando uma atmosfera pouco vista no ténis, levando mesmo a cânticos durante pontos — inclusivamente no tie-break final, perante as queixas de Novak — e a pedidos de contenção verbal por parte da juíza da final.
Quando a exibição de Djokovic não foi imaculada, entrou em court, qual espírito vivo a pairar sobre Melbourne, o tal poder difícil de descrever deste campeão, a inevitabilidade, a sensação de que, nestas ocasiões, tudo vai acabar por pender para um lado, por muito que Nole cometesse erros e Tsitsipas acertos.
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Dos últimos 19 torneios do Grand Slam, 16 foram para as vastíssimas salas de troféus de Djokovic ou de Nadal. No desempate do segundo parcial, dois erros de Tsitsipas colocaram o sérvio a um pequeno passo dos 22 majors.
A manga decisiva arrancou com uma dupla falta do sérvio e com a primeira quebra de serviço permitida pelo balcânico. Mas. logo a seguir, Djokovic devolveu o break, entrando a final numa sequência de jogos de saque vencidos por quem servia até novo desempate.
No tie-break, o sérvio começou implacável, ganhando os cinco primeiros pontos. O grego conseguiu aproximar-se no marcador, mas no final prevaleceu o esperado, como se tudo fosse uma corrida com um final já escrito, perante o qual não há nada a fazer. “Acho que é o maior [jogador] a alguma vez ter pegado numa raquete”, considerou um rendido Stefanos Tsitsipas no discurso na cerimónia de entrega de prémios.
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Concretizado o terceiro champioship point, Djokovic olhou para a zona da bancada onde estava a sua equipa — e onde não estava o seu pai, como assim foi desde a polémica nos quartos-de-final — e apontou para a cabeça. Quando subiu ao camarote, Novak deitou-se com as lágrimas a escorrerem-lhe pela face, mantendo-se o jogador visivelmente emocionado durante longos minutos, demostrando a importância do triunfo.
Abraçado ao troféu, Djokovic pegou nos exemplos da Sérvia e da Grécia, “países relativamente pequenos sem grande tradição no ténis”, para apelar a que as “crianças de todo o mundo” se atrevam a “sonhar alto” e “não deixem ninguém” tirar esse sonho.
Com uma camisola com o 22 inscrito, recordando a igualdade com Rafa Nadal que será testada em Roland-Garros, quando passarmos do jardim competitivo do sérvio para a casa de terra batida do espanhol, Djokovic mostrou-se sereno e reflexivo enquanto se ouviam das bancadas cânticos de “Nole, Nole, Nole”. Recordando que não jogou em Melbourne em 2022, o sérvio garantiu que este torneio foi um dos “maiores desafios da carreira”. “É a maior vitória da minha vida, considerando as circunstâncias”, afirmou, referindo-se ao que “teve de enfrentar” nas “últimas quatro ou cinco semanas”.
Um ano depois da novela que o levou a concentrar atenções e debates mediáticos e a ser deportado do seu torneio preferido, Novak Djokovic sai de Melbourne não expulso, mas com estatuto de lenda reforçado. Este triunfo não apaga os episódios de 2022, mas escreve mais uma página de história na particular epopeia do sérvio. De uma forma ou outra, Nole parece sempre encontrar uma forma de prevalecer.