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Tsitsipas, o zelador da esquerda a uma mão

O grego superou finalmente a quarta meia-final que disputou no Open da Austrália depois de bater o russo Karen Khachanov em 3h21 (7-6, 6-4, 6-7, 6-3). O derradeiro encontro, que pode significar o primeiro título num major e também o número 1 do ranking ATP para Tsitsipas, será contra Novak Djokovic

Hugo Tavares da Silva

Quinn Rooney/Getty

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Nos minutos posteriores a despachar Jiri Lehecka nos quartos de final do Open da Austrália, Stefanos Tsitsipas abriu a jaula das borboletas e convidou Margot Robbie, atriz australiana, para as bancadas da Rod Laver Arena para o ver jogar. Os braços não paravam quietos, para trás e para a frente, revelavam a dimensão da ousadia, como se tivesse voltado à escola e enviado um bilhetinho à rapariga popular a dizer: “Queres ir passear comigo?”. À frente, os tradicionais quadrados com “sim” e “não”. E talvez um “talvez”.

Depois de ficar pelo caminho nas meias-finais de 2019, 2021 e 2022 deste torneio, o grego que caminha como se fosse um gigante e que não deixa morrer a esquerda a uma mão qualificou-se finalmente para o derradeiro jogo do primeiro major da temporada de ténis. Pela frente terá a lenda que resiste ao temporal que assola os píncaros da modalidade: Novak Djokovic. Esta sexta-feira, de madrugada em Lisboa e no início da noite em Melbourne, o grego bateu o russo Karen Khachanov em 3h21 (7-6, 6-4, 6-7, 6-3).

Será a reedição da final de Roland-Garros de 2021, quando Djoko virou o marcador e, depois de mais de quatro horas, quebrou o helénico, alcançando o 19.º título em torneios do Grand Slam. Os tenistas vão jogar não só pela glória aussie, como também pela liderança do ranking ATP, liderado desde 13 de setembro por Carlos Alcaraz, ausente na Austrália por lesão. “Gosto desse número”, suspirou Tsitsipas, ainda no court, após bater Khachanov.

Desde criança que sonho em ser o número um. Estou perto de o conseguir. E estou feliz por essa oportunidade surgir aqui na Austrália e não noutro torneio qualquer, porque este sítio tem um significado especial para mim”, garantiu.

Graham Denholm

Puxando a fita atrás, o duelo com Djokovic terá também outra camada. A última edição do Open da Austrália, em que o sérvio foi impedido de jogar por não estar vacinado, destapou um desabafo amargurado do grego. “Faz a maioria dos tenistas passar por idiotas”, acusou Tsitsipas, outrora cético à vacinação e então insatisfeito pelo estatuto de exceção que recebera Novak antes de ser deportado e impedido de jogar. “Ninguém pensou realmente em vir para a Austrália sem estar vacinado e sem ter de seguir os protocolos. É preciso muito atrevimento para fazê-lo e colocar em risco o Grand Slam”, denunciou o grego.

Depois de ganhar a segunda meia-final do torneio nesta amena noite em Melbourne, Djokovic recordou a final de 2021 contra Stefanos, sem fazer qualquer menção aos labirintos da virulenta insatisfação de outrora. “Ganhei o jogo, portanto as minhas lembranças são positivas”, começou por dizer. “Estive a perder dois sets a zero, acho que foi a primeira vez que recuperei numa final de um Grand Slam. Foi uma grande batalha física, mental e emocional como sempre é contra o Stefanos, respeito-o muito, é dos tipos mais interessantes do tour com os seus interesses fora do court, o seu estilo capilar e tudo mais. Mas no domingo será só negócio para nós, que ganhe o melhor.”

Entretanto, coincidiram na Laver Cup, em setembro, onde ambos jogaram pela equipa Europa no torneio de exibição que fez comungar talento de raquete na mão em Londres para a despedida de Roger Federer, onde poderão ter feito as eventuais pazes.

O ouro de Melbourne

As peças parecem estar todas bem encaixadas para o melhor tenista da história da Grécia e desde cedo se desconfiou que apenas Stefanos poderia fazer frente ao rejuvenescido e quase inverossímil Nole. A tal esquerda com apenas uma mão firme a segurar a raquete premeia-o com um estatuto qualquer divino, pelo menos para os que apreciam tal gesto rogerefederiano. Mas a forma como se manteve focado e sólido ao longo destas duas semanas não deixa de ser assombrosa. Pelo caminho ficaram primeiramente Quentin Halys, Rinky Hijikata, Tallon Griekspoor, incapazes de ganhar qualquer set ao grego.

Nos oitavos de final Jannik Sinner prometeu complicar-lhe a vida, ganhou-lhe até dois sets, mas a forma como Tsitsipas derreteu o ténis do italiano ergueu uma promessa de prata como se fosse um farol invisível com a mera função de o orientar. Seguiram-se triunfos contra Lehecka (3-0) e agora Khachanov, que até o superou nos winners de esquerda (14-4) e que sofreu com as pancadas de direita do grego que fechavam pontos (30). Desenrolando os resultados de 2023, largamente pintados a verde, o ateniense apenas perdeu um jogo de pares na Austrália, onde garante querer comprar casa e, com o dinheiro de um eventual triunfo na final de domingo, construir uma escola no estado de Victoria. Na United Cup somou vitórias contra Dimitrov, Goffin, Coric e Berrettini.

Stefanos Tsitsipas nasceu em 1998, na capital da Grécia, e começou a bater as primeiras bolas de ténis com apenas três anos. A família dedica-se há muito ao desporto. Os irmãos, Petros, Pavlos e Elisavet, jogam ténis. Apostolos Tsitsipas, o pai e treinador, conheceu a mãe, Julia Salnikova, uma ex-tenista profissional, num torneio em Atenas há algumas décadas. O avô, Sergei Salnikov, ganhou a medalha de ouro no torneio de futebol nos Jogos Olímpicos de 1954, em Melbourne, o que tresanda a fator de motivação para o jovem tenista apaixonado por fotografia, edição de vídeo e viagens.

Icon Sportswire

O candidato a novo número 1 do mundo, pronto para se estrear como campeão de um torneio do Grand Slam, é agora treinado também por Philippoussis, um ex-tenista australiano. “O Mark faz parte da equipa porque a dinâmica revelou-se boa”, explicou Tsitsipas esta sexta-feira, depois de garantir a presença na final do Open da Austrália, explicando que tal adição não colide com a orientação do pai. “Não houve qualquer fricção. Nunca há mal-entendidos ou coisas que conduzem ao conflito. Estou a desfrutar disso.”

A regularidade do grego poliglota – fala russo, grego e inglês, quer aprender espanhol e mandarim – que transmite uns ares de Björn Borg tem sido admirável. Está no top-10 desde março de 2019, ano em que ganhou o Estoril Open, uma conquista a que juntaria depois o Masters 1000 de Monte Carlo em dois anos consecutivos. Fazendo as contas, já esteve em 15 finais e ganhou nove. Os arquivos com não muito pó revelam ainda que é o mais novo dos 30 que lograram bater os três magos do ténis, Djokovic (Toronto, 2018), Roger Federer (Austrália, 2019) e Rafael Nadal (Madrid, 2019).

Tsitsipas está pronto, com Margot Robbie na bancada ou sem Margot Robbie na bancada. O ténis que exibe agora fala mais alto do que ele ou do que os braços que tanto balançam. Afinal, sonha “desde a infância” com ganhar um título destes (8h30, Eurosport). Aos 24 anos, o Olimpo nunca esteve tão perto para Stefanos.

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