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Djokovic é a banalização de ser grande quando se espera grandeza

Pela décima vez na carreira, o sérvio vai jogar a final do Open da Austrália que jamais perdeu. Novak Djokovic desmantelou Tommy Paul em três sets (7-5, 6-1, 6-2) com a perícia mecânica que tem mostrado no torneio, um ano após ter sido deportado do país e já sem mostrar que a mazela na coxa o incomodasse por aí além. No domingo defrontará Stefanos Tsitsipas, “um dos tipos mais interessantes pelo estilo capilar e tudo mais”

Diogo Pombo

LUKAS COCH/Lusa

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Os decibéis de uma Rod Laver Arena apinhada de corpos são uma pista para aferir o quão banal pode ser a grandeza de um tenista, e depois do desportista que há antes de pegar na raquete. Haverá sempre trocas de bola irresistíveis até a quem estica a exigência ao alto de torre de Babel do ténis para lhe arrancarem um aplauso, mas, em Melbourne, a expetativa de ver um ex-deportado sérvio a superlativar-se no court pancada atrás de pancada tem um efeito esmorecedor na plateia. Como se fosse usual o Novak Djokovic tem deixado na Austrália.

Poucos esperariam que o confronto com o esforçado norte-americano Tommy Paul, encaixado no molde de serviço forte seguido de uma explosiva pancada de direita ao qual tantos jogadores se ajustam, se aproximasse de algum equilíbrio. O estreante em meias-finais de um Grand Slam cerrou uma reação ao primeiro set (7-5), estonteou-se com o atropelamento sofrido no segundo (6-1) e nada pôde para evitar outro (6-2) no terceiro.

O seu muito mérito de ser um dos quatro melhores tenistas do primeiro major da temporada entremeia-se com a razia de nomes que por lesão (Alcaraz, Nadal, Kyrgios, Fritz) ou surpresa (Medvedev) desguarnecerem o torneio e um sorteio simpático nos adversários até à inevitável antipatia de encontrar-se com uma lenda à caça de uma redenção, para não escrever vingança. Às tantas, a transmissão do jogo mostrou como a velocidade média de bola das respostas ao serviço entre Paul e Djokovic era de quase 40 quilómetros por hora, um número servente da abismal diferença que se via no court.

A décima meia-final de Novak no Open da Austrália que lhe deu acesso à correspondente décima decisão do torneio encenou a mesma peça vista desde há quase duas semanas: pelo sétimo jogo seguido, mecanizou-se com a engrenagem muito sua de ripostar a serviços com quase-winners, esticar-se todo para retribuir bolas e acelerar pancadas com ângulos sempre tramados para o adversário fazer algo que possa dificultar a vida ao sérvio. Djokovic cedeu apenas um set (na 2.ª ronda, inesperadamente contra o qualifier Enzo Couacaud), no encontro em que foi assistido à mazela na coxa esquerda que tem amparado com uma ligadura.

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Andy Cheung/Getty

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Icon Sportswire

Risonho e carismático, falou no court com a vitória feita, de novo afavelmente bem-disposto com este regresso ao seu major como Roland-Garros o é para Nadal e Wimbledon foi para Federer, o reformado suíço a quem até pediu ao público uma ovação nos quartos de final. Ele regozija com a veia diplomática que descobriu agora em trintão e com a bênção das gentes de que goza em Melbourne. “Preciso dessa energia, estou agradecido por ainda ter combustível suficiente nas pernas para conseguir jogar a este nível num dos maiores campos do mundo”, concedeu, piscando o discurso pós-vitória ao público que o reconhece como um dos reis.

Djokovic jogará para ser um decano do Open da Austrália, nos 15 anos contados desde a primeira vitória em 2008 só houve cinco edições sem o colecionador de 21 Grand Slams como vencedor, descontando o torneio de 2022 onde Novak aterrou não vacinado contra a covid-19 e o governo de Canberra o deportou por não cumprir as regras de entrada no país. À distância, o sérvio foi maturando a reação que agora se vê.

No domingo, empurrado, em parte, pelas mesmas circunstâncias que proporcionaram a Tommy Paul uma vivência prolongada em Melbourne, o sérvio estará onde as expectativas também o colocavam ao início do torneio. Jogará a final contra Stefanos Tsitsipas, um dos vários herdeiros das coroas tenísticas que ainda batem nos tetos impostos pelos três monstros das raquetes e o único, à partida, realisticamente capaz de não ceder perante Djokovic à melhor de cinco sets. O passado, contudo, tem os seus fantasmas.

Em 2021, o talentoso grego perdeu contra Novak na sua única final de um Grand Slam, em Roland-Garros, após ganhar os dois primeiros parciais. “Acho que foi a primeira vez que recuperei numa final de um Grand Slam, foi uma grande batalha física, mental e emocional como sempre é contra ele”, reconheceu o balcânico. Na fome dos seus 35 anos, ainda disse um “Stefanos, vemo-nos daqui a dois dias” aos 24 do grego, fiel protetor do legado da esquerda a uma mão que até será a sua pancada mais falível apesar da agradável estética que proporciona: “respeito-o muito, é dos tipos mais interessantes do tour com os seus interesses fora do court, o seu estilo capilar e tudo mais”.

A Rod Laver Arena encher-se-á outra vez, as hostes presenciaram outra fibra de ténis a devolver bolas do outro lado da rede e um acréscimo de grandeza será necessário em Novak Djokovic para alcançar o que se lhe vaticina desde que repôs pé na Austrália sem a ameaça de ser recambiado devido às suas preferências quanto a vacinas. Ele e o seu grande ténis serão esperados em Melbourne, porque a constância da grandeza continua lá.