O Seixal que levanta Schmidt

Não será tremendamente injusto dizer que se Roger Schmidt ainda não perdeu com o Sporting muito o deve a João Neves. Na última temporada, é dele o empate aos 90’+4, num lance pimboleiro na área, grande confusão, ao qual o puto respondeu com a clarividência que às vezes só o coração consegue dar. No domingo, é dele o empate aos 90’+4, num lance agónico na área, ao qual o puto respondeu com a clarividência que às vezes só o coração consegue dar.

O Benfica ainda iria a tempo de vencer e é possível que o grande culpado seja outro rapaz vindo do Seixal: António Silva, que no meio do maralhal de pernas espasmódicas e abraços violentos nos festejos do 1-1, foi lá desembrulhar e empurrar a equipa, meter-lhe tino na cabeça para voltar ao vórtex do jogo, com a clarividência que às vezes só o coração consegue dar.

Pouco depois, chegaria a vitória, tão injusta quanto bela porque nos avisa de novo, como se de quando em vez precisássemos desse alerta para não nos desiludirmos definitivamente com o futebol, que ele quase sempre responde à lógica, mas por vezes rebela-se contra a lógica e é por isso que é tão apaixonante. E ficou ainda mais impressionante aquele parar de peito de João, o remate à meia-volta. E respeita-se mais ainda o toque de caixa de António, o líder Silva, um tem 19 anos e outro 20, é verdadeiramente espantoso.

Enquanto pôde, o Sporting foi a equipa que se esperava que fosse, depois da expulsão de Inácio continuou a controlar, mesmo sem conseguir construir, confiando nas arrancadas do panzer Gyokeres, frente a um Benfica desconjuntado e pouco venenoso, que só deu de si quando o relógio já mostrava horas extraordinárias. E se deu de si foi pela chama imensa de João Neves, pelo sentido de missão de António Silva. Para lá dos conceitos do jogo, dos formalismos da bola, algo mais e maior estará a ser ensinado no Seixal. Quando nada parece funcionar, quando o coletivo é falível, vale o ethos de certos e determinados rapazes, com a clarividência que às vezes só o coração consegue dar, conseguindo pelo caminho adiar a vitória 100 de Rúben Amorim na I Liga e que o Sporting se colocasse a longínquos 6 pontos.

E Roger Schmidt bem o pode agradecer ao Seixal - teve a sabedoria de nele se ter abastecido, é certo -, em vez de se amotinar contra perguntas absolutamente banais e corriqueiras sobre resultados melhores do que a exibição. É claro que o resultado do Benfica foi melhor do que a exibição e não é preciso ser um agente infiltrado dos clubes rivais para atirar tal pergunta: é só preciso ter olhinhos na cara. Que o alemão veja como um ataque dos maldosos jornalistas, uma quase conspiração, aquilo que devia abraçar como uma bomba de ânimo para o que vem aí não só não lhe fica bem como não ajudará o Benfica para outros jogos em que a lógica funcionará. Porque o plantel do Benfica não é feito de onze Joões Neves e onze Antónios Silvas, dois para cada posição. É feito de contradições em campo e de dúvidas no banco.