Quando o madrilenho Hakimi marcou à Panenka o penálti que eliminou a Espanha e deu a passagem a Marrocos, logo ficou claro que um homem estaria à beira de ficar sem trabalho. A eliminação nos oitavos de final do Mundial, depois de um torneio em que la roja só venceu um jogo, ditaria o destino de Luis Enrique, selecionador desde 2018.
Dois dias depois da partida, a Federação espanhola anunciou, em comunicado, a decisão de iniciar um “novo projeto”, opção já transmitida ao treinador. A entidade presidida por Luis Rubiales agradeceu o trabalho do asturiano de 52 anos, que assim deixa o cargo após 47 jogos, 26 vitórias, 14 empates e sete derrotas.
No comando de Espanha, Luis Enrique teve como ponto alto a presença nas meias-finais do Euro 2020, no qual a equipa foi eliminada nos penáltis, contra a Itália. Na Liga das Nações que terminou em 2021, la roja também esteve em destaque, só perdendo na final contra a França.
Pouco depois de revelada a saída de Enrique, a Federação anunciou o sucessor. Trata-se de Luis de la Fuente, até agora selecionador sub-21. De 61 anos, o novo treinador está na estrutura das equipas nacionais desde 2013.
Ao comando dos sub-19, Luis de la Fuente venceu o Europeu de 2015, liderando uma geração com nomes como Rodri Hernández, Marco Asensio ou Dani Ceballos. Nos sub-21, conquistou o Euro de 2019, com protagonistas como Dani Olmo, Pablo Fornals, Mikel Oyarzabal ou Fabián Ruiz.
Luis Enrique sempre se destacou pela visão particular do cargo de selecionador, pelas ideias que colocou em prática no exercício do trabalho. O treinador deixou diversas vezes claro que, para ele, uma convocatória não era uma escala de mérito, que definiria os jogadores de maior rendimento numa certa altura, nem uma hierarquização dos 20 e poucos melhores futebolistas do país.
Para Luis Enrique, uma seleção assemelha-se mais a um clube, com uma ideia de jogo e homens escolhidos para, com a suas características, colocarem em prática essas intenções. Por isso nomes como Iago Aspas, várias vezes melhor marcador espanhol da La Liga nos últimos anos, ou Thiago Alcântara foram ficando de fora das contas do técnico.
Quando Espanha melhor jogou foi quando os princípios e mecanismos idealizados pelo asturiano se conjugaram com mais brilhantismo. Contra Portugal, no embate decisivo da Liga das Nações, viu-se essa aposta com êxito. No entanto, frente a Japão e Marrocos, o futebol da la roja foi inconsequente, pouco agressivo, mais perto da imagem de posse de bola passiva dada por Espanha no Mundial 2018 do que pelas intenções mais verticais de um treinador que, quando estava no Barcelona, foi criticado por não ser totalmente fiel ao estilo clássico dos catalães.
James Williamson - AMA/Getty
Luis Enrique sai da seleção depois de anos marcados por uma relação muito conflituosa com a imprensa. Já desde os tempos de jogador que o asturiano não é propriamente amigo de alguns dos jornalistas mais influentes do país e, nos últimos quatro anos, essa crispação notou-se num cargo de grande desgaste.
O grande tema de debate à volta de Espanha no Mundial 2022 teve, aliás, Luis Enrique no centro do debate. Luis Enrique, ou Twitch Enrique, ou Luis Padrique, nomes em referência à aposta do treinador por transmissões em direto, de quase uma hora de duração, durante o estágio da seleção.
Com o objetivo de aproximar os adeptos do quotidiano da equipa, Luis Enrique conectava-se, através da plataforma Twitch, ao mundo, falando sobre opções táticas, respondendo a questões ou comentando questões extra-desportivas, como a quantidade de ovos que come ou as férias que passou com a família na Costa Rica. Mais um assunto que ajudou a polarizar as conversas em torno da figura do antigo internacional: os que aplaudiram a ideia e os que a criticaram, com argumentos como a perda de foco no Mundial ou o facto de as transmissões ocorreram ao mesmo tempo de partidas de potenciais rivais.
Terminado o Mundial, terminada a era Luis Enrique, terminadas as transmissões. Após novo Mundial desapontante — desde o triunfo em 2010, Espanha só ganhou um jogo em cada um dos três campeonatos seguintes —, la roja volta a ter de iniciar novo ciclo, perseguindo a glória que coroou a equipa entre 2008 e 2021.