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Mundial 2022

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Os penáltis voltaram a ser o castigo máximo de Espanha: o Panenka de Hakimi, natural de Madrid, coloca Marrocos nos ‘quartos’

La roja foi eliminada no desempate, depois de um nulo, pelos marroquinos, caindo nos penáltis pela terceira grande competição seguida. Após 120 minutos com muito poucas oportunidades e somente um total de três remates enquadrados com as balizas, Bono, guardião do Sevilla, foi o herói num desfecho selado por Achraf Hakimi, que nasceu na capital espanhola

Pedro Barata

ODD ANDERSEN/Getty

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Pablo Sarabia parte para a bola com cara fechada, talvez com o peso da responsabilidade de ter entrado aos 118', sendo um regular executante de penáltis, talvez somente pela importância do momento. À sua frente está Yassine Bono, guarda-redes com uma linguagem corporal oposta à do espanhol. O marroquino sorri, balança o corpo, toca na barra, como se quisesse provar a grandeza do corpo que está entre Sarabia e as redes.

O espanhol corre para a bola, Bono faz uma simulação de pernas mesmo antes do remate e o tiro sai ao poste. Pouco depois é a vez de Carlos Soler bater para la roja. Bono parece falar, talvez na direção do jogador do PSG, talvez para si próprio, quiçá conversando com a bola. As simulações em formato de pequena dança repetem-se e Bono defende.

Entretanto, Sabiri e Ziyech tinham marcado para Marrocos, mas Benoun permitira a parada de Unai Simón. Espanha poderia voltar à discussão. É a vez de Busquets. O capitão olha para o árbitro, mira o céu, mas evita cruzar olhares com o guardião marroquino. Bono já está a sorrir antes da execução do penálti. O desfecho é o mesmo: simulação de pernas e defesa do homem do Sevilla, que prolonga a face de felicidade que já o acompanhava.

Alexander Hassenstein/Gettyy

Match point para Marrocos. O momento é vivido com igual tensão dos dois lados do Mediterrâneo. Achraf Hakimi pega na bola.

Poucos jogadores exemplificariam tão bem as particularidades deste duelo como o lateral do PSG. Nascido em Madrid, poderia ter optado por representar Espanha, mas tomou outra opção. A escolha que o fazia estar ali, diante de uma bola, prestes a realizar o remate mais importante da história do país.

Nunca Marrocos superara os oitavos de final do Mundial. O que fez o madrilenho contra Espanha? Picou a bola, num Panenka para a eternidade do desporto marroquino, um gesto de classe que terá significado tanto para tanta gente que sente as cores dos ‘leões do Atlas’ em Casablanca e Madrid, Rabat e Barcelona.

Depois do nulo nos 90 minutos e no prolongamento, as proezas de Bono e Hakimi colocaram Marrocos como única seleção não europeia ou sul-africana nos quartos de final deste Mundial. Para Espanha, é a terceira eliminação seguida nos penáltis, depois de cair assim em 2018 e 2020.

Catherine Ivill/Getty

No estádio Education City, Marrocos montou um plano de jogo cheio de armadilhas e esparrelas, truques de guerrilha para enganar um adversário potencialmente superior. Uma das principais receitas residia na agressividade colocada nos duelos e divididas, outra numa defesa compacta e coesa que confirmou as credenciais da fase de grupos, quando só sofreu um golo. Resultado? A equipa de Luis Enrique só fez um remate à baliza rival em mais de 120 minutos.

Outra componente fundamental da estratégia de Hoalid Regraguiu — um dos muitos marroquinos com ligações a Espanha, dado que jogou no Racing Santander — passou por isolar Busquets. Nos restantes duelos em que la roja dominou, o capitão somou 102 toques na bola contra a Costa Rica e 79 contra o Japão. Contra Marrocos, já mais de 100 minutos tinham sido disputados e Busi só tinha 64 toques na bola, tendo uma influência dentro do meio-campo adversário bem reduzida.

Pela primeira vez na história, Espanha só fez um remate numa primeira parte de um jogo de Mundial. E esse disparo, autoria de Asensio, nem foi à baliza. É o retrato estatístico de um primeiro tempo de muita posse (69%), mas sem capacidade de desequilibrar. As situações mais perigosas deram-se na outra baliza, com Mazraoui e Aguerd a ameaçarem Unai Simón.

Boufal, extremo irregular mas de talento mágico, foi o principal destaque individual do primeiro tempo. Num lance dançou duas vezes sobre a bola, sem a tocar mas parecendo murmurar-lhe um feitiço, num truque que desorientou Llorente.

Sofiane Boufal a dançar com Llorente, desorientando o espanhol

Sofiane Boufal a dançar com Llorente, desorientando o espanhol

Hector Vivas - FIFA/Getty

No começo da segunda parte, aos 54', Dani Olmo, após um livre, fez o único remate espanhol à baliza de Bono. Luis Enrique passou boa parte da etapa inicial a gesticular, com expressões de algum descontentamento. Aos 63', o asturiano fez avançar o plano alternativo: saíram Gavi, o mais novo a participar num encontro a eliminar num Mundial desde Pelé em 1958, e Asensio para entrarem Soler e Morata, o único 9 de vocação desta lista.

Nas bancadas os adeptos marroquinos iam demonstrando serem uns dos vencedores no Mundial dos cânticos. Dentro de campo, a seleção norte-africana iam recuando cada vez mais, terminando os 120 minutos com uma posse de bola média de 23%.

A entrada de Nico Williams, aos 75', foi o único fator de agitação do futebol espanhol. O homem do Athletic pega na bola, encara, dribla, cria confusão. Logo depois de entrar fez um cruzamento para Morata que Aguerd evitou que se transformasse em finalização, conseguindo a seguir servir o avançado, que rematou sem pontaria. O esperado prolongamento chegou depois de, aos 95', Bono defender com classe um cruzamento de Dani Olmo que ninguém desviou.

Marrocos condicionou quase sempre Busquets

Marrocos condicionou quase sempre Busquets

James Williamson - AMA/Getty

Os 30 minutos extra foram o relato do domínio da formação europeia. Tocar, tocar, tocar, mas sem perigo. Aos 104', Walid Cheddira, que ainda na época passada alinhava na Série C de Itália, teve nos pés a hipótese de ser herói eterno de Marrocos, mas Unai Simón defendeu com os pés com os quais tanto gosta de iniciar o jogo ofensivo.

Quando já se adivinhavam os penáltis, Luis Enrique fez estrear Pablo Sarabia no Mundial. O canhoto teve nos pés a possibilidade do triunfo, mas a sua excelente finalização aos 123' foi ao poste. Talvez estivesse ali um dos momentos da noite: na vez seguinte em que Sarabia pegou na bola, foi para atirar ao poste o primeiro dos três penáltis que Espanha falou.

A seleção de Luis Enrique, apesar de todos os seus automatismos, rotinas e dinâmicas que a fazem parecer uma equipa de clube, cai com uma sensação semelhante à do Mundial 2018. Muito domínio, pouco desequilíbrio. Parte das explicações estarão, provavelmente, na escassez de talento ofensivo verdadeiramente de topo nesta equipa. Quem pouco se importa com isso é Marrocos. Seguem-se os quartos de final, limite máximo que uma seleção africana já alcançou na história da prova.