Ainda 2022 ia a meio e já Rúben Guerreiro avisava que a “ambição” que tinha poderia fazê-lo mudar de cores no futuro próximo. Foi isso que sucedeu, com o português a trocar a EF pelos espanhóis da Movistar, uma das históricas do pelotão internacional, ainda que talvez sem o fulgor dos melhores tempos de Miguel Indurain ou Alejandro Valverde.
Quis o muito dinheiro que a Arábia Saudita investe no desporto para promover a imagem de um país com um péssimo registo de direitos humanos — por exemplo, acaba de ser noticiado que o ritmo de execuções no país quase duplicou sob a liderança de Mohamed bin Salman — que a estreia de Guerreiro com as cores da Movistar se fizesse no Saudi Tour, uma das muitas competições de projeção internacional que vão decorrendo no reino do Médio Oriente. E ali, no país onde compete uma glória do desporto nacional, o corredor português está a iniciar da melhor forma a primeira época na nova equipa.
Na quarta etapa da corrida saudita, a mais dura, Rúben Guerreiro foi o primeiro a cortar a meta, superando Davide Formolo, italiano da UAE Emirates, e Santiago Buitagro, colombiano da Bahrain, num sprint final. Depois de uma dura subida, o trio chegou isolado ao final, sendo o português o mais rápido.
Entre as estradas desprovidas de vegetação e ausentes de público, há algo de muito estranho nesta volta à Arábia Saudita, como se construindo uma paisagem de desconforto para o desconforto moral que é cada competição desportiva que ali decorre, cada evento com os símbolos oficiais do país, cada torneio pago pelo mesmo estado que executa pessoas e discrimina mulheres ou pessoas da comunidade LGBTQIA+.
Neste cenário, a subida final selecionou um grupo restrito, escolhido como resultado de uma ascensão “muito dura”, não só pelo empinar da estrada, mas também “pelo vento e stress” que existia, descreveu Rúben Guerreiro em declarações após a etapa. O português agradeceu aos companheiros, que classificou como “incríveis”, e garantiu “sentir” que fez “uma boa escolha” ao optar pela Movistar para dar continuidade à carreira.
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No jogo de paciência e do gato e do rato que é um sprint a três, o duelo entre Guerreiro, Formolo e Buitagro enfrentou três escaladores que estão longe de dominar a arte da velocidade. Rúben arrancou cedo e conseguiu manter a liderança até final.
Conquistada a vitória, o português fez o festejo habitual, sacando das pistolas imaginárias que o levam a ser apelidado de “cowboy de Pegões”. Foi a quarta vitória da carreira profissional do português, festejada num pódio montado no meio do nada, quase sem espetadores, símbolo da artificialidade de quase todas estas ações de promoção e legitimação sauditas.
Na geral, o homem da Movistar é agora líder, com mais oito segundos do que Davide Formolo e mais nove do que Santiago Buitrago. A derradeira etapa, menos dura, será o derradeiro teste para termos um português a festejar na Arábia Saudita em 2023. Depois do triunfo de Rui Costa em Maiorca, o ciclismo nacional volta a dar boas indicações no começo da temporada.