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Depois do Catar, a Arábia Saudita? País tem Mundial e Jogos Olímpicos debaixo de olho

A realização do Mundial no Catar foi muito criticada, mas nada impediu o evento. Assim como nada vai impedir a candidatura da Arábia Saudita para receber um Mundial e uns Jogos Olímpicos na mesma década. Uns chamam-lhe melhorar a reputação, outros abrir o país.

Rita Meireles

Laurence Griffiths

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Se há tema que marcou o Mundial 2022 foram os direitos humanos - ou a falta deles - no Catar, o anfitrião do torneio. O país foi criticado pela forma como tratou os migrantes que trabalharam na construção das infraestruturas para a competição, pela intolerância à homossexualidade e pela forma como olha para o papel da mulher na sociedade.

Apesar de as críticas terem chegado a uma velocidade nunca antes vista, este não foi o primeiro lugar polémico onde o torneio se realizou. O segundo Campeonato do Mundo foi organizado em 1934 pelo governo fascista do líder italiano Benito Mussolini. A FIFA organizou o Mundial de 2018 na Rússia de Vladimir Putin. O torneio de 1978 aconteceu na Argentina no auge de um regime em que a ditadura militar torturou, matou e fez desaparecer milhares de adversários políticos.

O problema maior é a noção de que a história pouco ou nada ensinou a alguns. É que o Catar pode não ser o último exemplo de um anfitrião que não agrada a quem se preocupa com os direitos humanos. Pelo menos no que depender da Arábia Saudita.

As queixas sobre abusos cometidos sobre trabalhadores migrantes que participaram nas obras de construção dos estádios no Catar, para o Mundial deste ano, têm sido recorrentes

As queixas sobre abusos cometidos sobre trabalhadores migrantes que participaram nas obras de construção dos estádios no Catar, para o Mundial deste ano, têm sido recorrentes

Francois Nel/Getty

O objetivo do país passa por conseguir receber o Mundial e os Jogos Olímpicos na mesma década, segundo o “The Telegraph”, que falou com o Príncipe Abdulaziz Bin Turki Al Faisal, ministro do desporto, sobre os planos “incrivelmente ambiciosos” da Arábia Saudita. Segundo o próprio, o país está equipado para receber as duas competições com um intervalo de apenas seis anos entre elas.

"Não há dúvida de que seria a maior honra e o privilégio para qualquer país receber o Campeonato do Mundo", disse. "Tenho a certeza de que ninguém recusaria a oportunidade se ela surgisse. Todos vimos o que significou para todo o mundo árabe aqui em Doha ao longo das últimas semanas".

O plano está traçado, mas ainda assim o ministro garantiu que "não foi tomada qualquer decisão" sobre se iriam concorrer ao Mundial. Ao mesmo jornal, fontes garantiram que na verdade já é uma questão de “quando” e não “se”.

"Temos grandes ambições desportivas na Arábia Saudita e estamos confiantes de que temos muitas das qualidades, valores e experiência necessários para acolher qualquer competição, desde adeptos apaixonados a infraestruturas até ao desejo de abrir o nosso país e reunir o mundo", continuou.

O país tem efetivamente recebido alguns eventos desportivos, mas se para o ministro se trata de abrir o país, para alguns grupos de defesa dos direitos humanos é uma forma de limpar a sua imagem no mundo. A Arábia Saudita é mais um dos estados que têm regras muito fechadas que, na maioria dos casos, discrimina grupos como os homossexuais e as mulheres. O gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos advertiu há poucas semanas que "execuções estão a ter lugar quase diariamente". O país altamente conservador tem também sido regularmente condenado pela Amnistia Internacional.

Em resposta a alegações de que o país está a tentar "lavar a sua reputação", o ministro disse ao jornal britânico: "Compreendo o debate devido ao que estamos a fazer e ao quanto conseguimos nos últimos cinco anos. Mas convido qualquer pessoa interessada na Arábia Saudita a vir ao nosso país e ver o que estamos a fazer por si próprios. Estamos a trabalhar arduamente no Ministério do Desporto para inspirar o nosso povo a envolver-se no desporto, seja a nível amador ou profissional. A realização de eventos internacionais constitui apenas uma parte do que estamos a fazer".

Mas é suficiente? O trabalho referido pelo ministro não impediu um dos momentos que mais marcou o campeonato de Fórmula 1 deste ano. No primeiro dia do GP da Arábia Saudita, já com equipas, pilotos e adeptos no local, houve um ataque com mísseis a uma instalação petrolífera a cerca de 15 quilómetros do circuito. O evento acabou por se realizar, mas ninguém ganhou para o susto. "Estou ansioso por ir para casa", confessou Lewis Hamilton no final.

Sobre os Jogos Olímpicos, uma competição conhecida pelos seus valores e pela união e inclusão, o ministro acrescentou: “Penso que agora temos tudo o que é preciso para organizar qualquer torneio que venha na nossa direção. Não estou em posição de comentar ofertas específicas, mas posso dizer-vos que estamos sempre atentos a diferentes eventos e propriedades desportivas com os quais poderíamos estabelecer parcerias”.

O Príncipe Abdulaziz realçou ainda que o foco agora passa pela melhoria das infraestruturas existentes e construção de novas. A expectativa de todo o mundo é que nunca mais se volte a repetir aquilo que aconteceu no Catar, quando estas construções levaram à morte de mais de 6 mil migrantes.