Em termos virulentos, de likes e partilhas, um dos vídeos desta época acabará por ser o da soalheira manhã em Leverkusen que Xabi Alonso escolheu para, do lado oposto do campo ao da câmara, cortar com o seu suave pé direito vários passes tensos, fazendo a bola rodopiar no ar e em voos rasantes à relva. Um atrás do outro, a transbordar da classe e souplesse que lhe são inatas, ainda tudo no sítio em relação aos tempos de jogador, o espanhol demonstrou como queria as cartas a serem entregues para um jogador, depois, cruzar a bola à área. Poder-se-ia pensar que o treinador, também astuto, se pavoneava. A argúcia terá sido mais de quem o filmou, que viu o ouro por diante e clicou no botão de gravar no sítio certo, à hora certa, quando o espanhol quis “sentir o que os jogadores sentiam lá dentro”.
A frase não lhe pertence, foi escrita pelos dedos do Pedro Barata, meu colega de carteira cujos ouvidos escutaram gente que trabalhou com Xabi Alonso em San Sebastián, cidade que beija o mar no País Basco onde ele treinou a equipa B da Real Sociedad. Indetetável nas sondas do futebol ávidas de purpurinas e exacerbação de expetativas, não fosse quem ele foi enquanto jogador, Xabi já enxotara a hipótese de serem laivos de ego a empurrarem-no para o campo com os jogadores que treina. “Podes acreditar que sabes muito bem uma receita, mas que saia bem e funcione é outra coisa”, enquadrou ao “El País”, o ano passado, ao justificar como gosta de “comprovar a sensação” de que “há coisas mais teóricas do que práticas”.
O matutino sucesso de Xabi Alonso não se explica só por esta sua vontade em intrometer-se nos exercícios que monta nos treinos, nem podemos começar a entender o treinador apenas num ato. Será mais pelos motivos que o empurram. O passado de jogador no Liverpool, Real Madrid, Bayern de Munique e seleção de Espanha que tudo ganhou, como antigo médio que tudo via e equacionava, nada garantia que, um dia, viesse a dar um treinador capaz. Ter sido bebedor dos métodos de Rafa Benítez, José Mourinho, Pep Guardiola e Carlo Ancelotti tão pouco lhe explicam o sucesso. Fazer não chega e é menos valioso do que pensar no que se faz.
Aos 42 anos, parece que ainda ontem víamos Xabi Alonso, o alquimista do passe, a jogar, mas ele, ao equipar-se e tirar o pó às chuteiras nos treinos, põe-se na pele dos futebolistas para experimentar, por dentro, que emoções há quando pede que façam as coisas à sua maneira. Este tato que revela, a empatia em conhecer as consequências do que propõe, sustentará mais a glória que alcançou com o Bayer Leverkusen do que propriamente o seu passado. Hoje um homem de roupas minimalistas e escuras no banco e sapatilhas brancas a destoarem, de penteado aprumado e a barba de três dias aparada, já tinha uma rua batizada com o seu nome, em Leverkusen, antes de os adeptos do clube, no domingo, desrespeitarem qualquer fronteira dentro do estádio.
Colados à baliza e quase a pisarem o relvado, sedentos pela invasão de campo nos últimos 10 minutos, Florian Wirtz, o rapazola da casa, teve de pedir-lhes calma quando marcou o quarto golo no 5-0 que confirmou o título. Por uma vez com as suas gentes esbaforidas, Leverkusen, uma pacata cidade da Alemanha que se confunde com os subúrbios de Colónia, podia festejar: 557 dias após ser contratado, o clube conquistou a Bundesliga com o treinador espanhol. Nunca o tinha feito. Pior, era o “Neverkusen” para os adeptos de outras equipas devido aos cinco segundos lugares no campeonato, os seis terceiros e a final da Liga dos Campeões perdida para o melhor golo da carreira de Zidane. Adeptos esses com narizes entortados à mínima menção do clube, desconsiderado por ter como dono a Bayer, a farmacêutica das aspirinas, no país onde existe a regra de que os adeptos têm de ter posição maioritária na propriedade dos clubes.
Foi este clube inexpressivo que Xabi Alonso escolheu, há ano e meio, quando estava em lugares de despromoção. Estranhou-se a demora. O treinador já recusara um convite da Bundesliga, estava a levar o seu tempo longe da cusquice mediática e a contradizer a urgência em chegar ao topo que paira sobre a maioria no futebol. “Queria marcar os tempos que eu sentia serem os naturais”, explicou o paciente que começou nos infantis do Real Madrid onde percebeu que gostava de treinar, seguiu para três épocas na equipa B da sua casa, na Real Sociedad, para se conhecer a ele próprio, e depois foi com calma. Pelo carisma e a aura com que saiu, enquanto jogador, de um trio de clubes dos píncaros do futebol europeu, era tentador para Xabi e qualquer uma dessas instituições já o ter chamado a reencenar o estatuto como treinador, só que não.
Sereno e ponderado, preferiu a calma na ascensão para se habituar ao ar rarefeito que se respira em maiores altitudes. “Por difícil, por inesperado, este título é especial. Merecemo-lo, não só pelo resultado, mas também pela forma como o fizemos”, disse, no domingo, encharcado na cerveja que os jogadores entornaram-lhe em cima, hábito germânico na hora das celebrações. Passaram 12 anos desde que uma equipa não chamada Bayern de Munique vencera a Bundesliga e foi adequado ser logo nesta semana que os adeptos do Bayer encheram o relvado do estádio com bandeiras, tochas e lágrimas, a entoarem “Nie deutscher Meister, wir werden nie deutscher Meister!” - “Nunca campeões alemães, nunca seremos campeões alemães!” - para esfregarem na cara de adeptos adversários o cântico que tanto ouviram durante anos.
A sua loucura nas ruas de Leverkusen e no estádio do Bayer sucedeu à conquista do Athletic Bilbao da Taça do Rei em Espanha, 40 anos depois, que inundou a cidade basca de farra. E veio depois da limpa vitória da Atalanta, por 0-3, em Liverpool para a Liga Europa, das derrotas do mesmo clube e do Arsenal, em casa, na Premier League, contra o tipo de clubes que uma Superliga ainda existente no papel queria longe de uma suposta prova ainda mais milionária do que a Champions, onde a desigualdade de meios (leia-se, de dinheiro) tão pouco sorri às hipóteses das equipas menos chorudas lá competirem. Na ganância dos tempos que vivemos, o Bayer de Xabi Alonso é a única equipa esta época nos principais campeonatos europeus que não sabe o que é perder, com 38 vitórias e cinco empates em 43 jogos.
Com o título garantido, estão com 16 pontos a mais do que o Bayern que tudo seca na Alemanha, velho estratega do truque de acenar com milhões aos melhores jogadores dos rivais. Levam uma vantagem de 2-0 para a 2.ª mão dos quartos de final da Liga Europa, com o West Ham, e vão jogar a final da Taça com o Kaiserslautern, da II divisão do país. O sonho de um triplete para o Bayer Leverkusen é real e Xabi Alonso, perante a glória no horizonte, mantém-se calmo e composto, a mostrar as benesses de não embandeirar em arco. Ganhe ou não essas duas provas, o espanhol já parece ter chegado lá acima no futebol embalado na mesma naturalidade com que punha a bola em colegas a 40 metros de distância ou diz, nas raras entrevistas que dá, que um médio de excelência pensa antes nas mensagens que dá a quem vai receber um passe seu - para que pé o direciona, com que força, se direto ao alvo ou no espaço.
Eu penso, logo jogo. E, mais tarde, treino.
Ainda antes desta conquista, o Liverpool, o Real Madrid e o Bayern que muita gente terá a roer-se com o logrado por Xabi em Leverkusen, já eram trauteados como prováveis destinos do treinador na próxima época. Mas, no mês passado, ele, cheio de serenidade, esclareceu que ficará no Bayer por mais uma temporada - um anúncio que precipitou os rumores para o quintal de Rúben Amorim, outro treinador que cedo saboreou o sucesso, mas sem a delonga que se viu em Xabi para chegar a clubes que almejem títulos. Nesta era apressada em que se veem jogos com telemóveis espertos na mão a desviarem a atenção do campo e o cool é acumular muitos instantes, rapidamente, em vez se suster momentos prolongados de uma qualquer experiência, o treinador da moda é um homem que está a levar a sua erupção nos bancos de treinador com calma. A virtude de Xabi Alonso é esse descurar da urgência, o desprezo que tem pela pressa no futebol que tanto costuma aferir capacidades olhando para a rapidez com que se alcança o topo.
O que se passou
Zona mista
Querem meter a região Norte fora do mapa do sucesso desportivo.
Sérgio Conceição, após o empate com o Famalicão, por sinal uma equipa do norte, resultado que permitiu ao SC Braga, agremiação que fica mais a norte do país, alcançar o FC Porto no terceiro lugar do campeonato - e pôs os dragões a jeito de serem também igualados pelo Vitória, com morada registada em Guimarães, que desnecessário será lembrar onde fica na geografia de Portugal. Se, por acaso, algum desses clubes acabar a época no lugar agora ocupado pelos portistas, será outra equipa do norte a tentar a sua sorte no acesso à Liga dos Campeões, logo enriquecendo alguns milhões se o lograr, o que daria outro norte, nem que fosse de pouca dura, ao futebol português em que são os ditos três grandes, um deles situado no norte, que mais beneficiam dos dinheiros vindos da UEFA. É sobretudo esse trio que há tanto empurra com a barriga a conversa da centralização dos direitos televisivos que mais não é do que uma tentativa de distribuir muitos milhões mais equitativamente no país onde há bem mais clubes situados a norte na I Liga.
O que vem aí
Segunda-feira, 15
🎾 Começa o torneio ATP 500 de Barcelona (a partir das 10h, Sport TV3).
⚽ Termina a 29.ª jornada da I Liga com um Vizela-Desp. Chaves (20h15, Sport TV1). Na Premier League, o Chelsea recebe o Everton de André Gomes, Beto e Chermiti (20h, Eleven Sports1).
Terça-feira, 16
🎾 ATP 500 de Barcelona (a partir das 10h, Sport TV3).
⚽ A Liga dos Campeões agora não pára e os jogos da 2.ª mão dos quartos de final começam com o Borussia Dortmund a ser anfitrião do Atlético de Madrid (20h, Eleven Sports2) e o Barcelona dos Joões Félix e Cancelo receber o PSG de Danilo, Nuno Mendes e Gonçalo Ramos (20h, Eleven Sports1). Em Portugal, finalmente o Sporting e o Famalicão jogam a partida em atraso para o campeonato (20h15, Sport TV1).
Quarta-feira, 17
🎾 ATP 500 de Barcelona (a partir das 10h, Sport TV3).
🚴 Pedala-se na 88.ª edição de La Flèche Wallone, uma das clássicas de um dia da semana, com João Almeida e Rúben Guerreiro lá à mistura (13h, Eurosport1).
⚽ É a vez do Manchester City boa-vindar o Real Madrid (20h, TVI) e o Arsenal ir a casa do Bayern de Munique (20h, Eleven Sports).
🏆⚽ O FC Porto recebe o Vitória no Dragão para a 2.ª mão da meia-final da Taça de Portugal (20h15, RTP1), após o 0-1 que levou de Guimarães.
Quinta-feira, 18
🎾 ATP 500 de Barcelona (a partir das 10h, Sport TV3).
⚽ Dia para o Benfica jogar o futuro europeu em Marselha (20h, SIC), após o 2-1 levado do Estádio da Luz. À mesma hora, a AS Roma recebe o AC Milan, o Bayer Leverkusen de Xabi Alonso vai a casa do West Ham e a Atalanta acolhe o Liverpool (todos na Sport TV). Antes desta cowboiada, o Lille treinado por Paulo Fonseca e onde joga Tiago Santos defronta o Aston Villa, em casa, na Liga Conferência (17h45, Sport TV1).
Sexta-feira, 19
🎾 ATP 500 de Barcelona (a partir das 10h, Sport TV3).
⚽ A 30.ª jornada da I Liga arranca com um Rio Ave-Arouca (20h15, Sport TV1).
Sábado, 20
🎾 ATP 500 de Barcelona (a partir das 10h, Sport TV3).
⚽ Prossegue o campeonato nacional: Moreirense-Gil Vicente (15h30, Sport TV1), Boavista-E. Amadora (18h, Sport TV1) e SC Braga-Vizela (20h30, Sport TV1).
🏆⚽ Chelsea e Manchester City encontram-se na meia-final da FA Cup, a Taça de Inglaterra, em Wembley (17h15, Sport TV1).
Domingo, 21
🎾 ATP 500 de Barcelona (11h, Sport TV2).
🏎️ Grande Prémio da China em Fórmula 1 (8h, Sport TV).
🚴 A clássica Liège-Bastogne-Liège, também conhecida por “La Doyenne”, vai na 110.ª edição e os mesmos dois ciclistas português também vão dar ao pedal (11h30, Eurosport1).
🏆⚽ O Manchester United de Bruno Fernandes e Diogo Dalot joga com o Coventry City, do Championship, na outra meia-final da Taça de Inglaterra (15h30, Sport TV4).
⚽ Mais I Liga: Famalicão-Portimonense (15h30, Sport TV1), Desp. Chaves-Estoril Praia (15h30, Sport TV3), Sporting-Vitória (20h30, Sport TV1).
Hoje deu-nos para isto
Fazia calor em Alcochete, no domingo. As bancadas recheadas acalentavam mais a temperatura, era dia de dérbi no futebol feminino e acabaria por servir para o Sporting de Mariana Cabral ganhar, por 3-1, encurtando para dois pontos a perseguição à liderança do Benfica no campeonato. Matemática e golos à parte, na bancada do pequeno Estádio Aurélio Pereira estava um adolescente que nem idade parecia ter para poder conduzir, sentado ao lado de uma criança que parecia ser sua irmã.
O petiz teve quatro ou cinco tiradas, durante cerca de uma hora, em que gritou para a árbitra a versão em vernáculo da suposta profissão mais antiga do mundo. Insultou-a uma e outra vez a cada decisão que ele, no seu julgamento, achava que deveria ir a favor da sua equipa. Já na segunda parte, rodeado por pais de filhos e famílias, ficou com as suas orelhas a arder com as reprimendas de gente que terá o dobro, o triplo e o quádruplo do seu tempo de vida. Serviu de remédio, o insolente calou-se.
O futebol já tem os assobios, os apupos e os uivares de desaprovação quando algo acontece no relvado que desgoste os adeptos. Insultar não deveria constar no manual de coisas a fazer quando se vai à bola, muito menos numa arena como a que habitualmente alberga os jogos das equipas feminina e da formação do Sporting - a proximidade ao campo facilita que tudo se ouça. Ao péssimo exemplo dado pelo rapaz a quem lhe fazia companhia sobrepôs-se o de várias pessoas que o rodeavam e o calaram, quase por vergonha. Habitasse um pingo de noção em todos e episódios destes seriam mais raros.
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