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Mundial 2022

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Cada golo marcado em novembro na Dinamarca vale uma doação para os trabalhadores migrantes do Mundial do Catar

Cada vez que uma bola entrar numa baliza da Dinamarca nos próximos 30 dias, seja em competições seniores, de jovens ou do futebol feminino, 10 coroas dinamarquesas (o equivalente a €1,34) serão enviadas para melhorar as condições de trabalho dos migrantes que construíram as infraestruturas do Mundial, que arranca no dia 20. A federação dinamarquesa tem sido das mais críticas e ativas na denúncia dos desrespeitos pelos direitos humanos no Catar e ações também não têm faltado. Esta é mais uma

Lídia Paralta Gomes

Anadolu Agency/Getty

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Com o Mundial do Catar a três semanas de distância, a Federação Dinamarquesa de Futebol (DBU) decidiu que o mês de novembro não será só uma celebração do futebol, mas também uma oportunidade de relembrar os custos humanos que a prova provocou e continua a provocar nos trabalhadores migrantes que, muitas vezes em situação de grave abuso laboral, ajudaram a erguer as infraestruturas que a partir do dia 20 vão ser a casa da competição, de estádios a estradas ou hotéis.

No seu site oficial, a federação nórdica anunciou que cada golo marcado nas competições nacionais, dos seniores aos juniores, sem esquecer o futebol feminino, se vai converter em dinheiro que será doado ao ICM, sindicato internacional dos trabalhadores da construção, que o irá posteriormente canalizar para a melhoria das condições dos trabalhadores migrantes do Catar.

Cada golo valerá 10 coroas dinamarquesas, qualquer coisa como 1,34 euros. A DBU refere que no mesmo período em 2021 foram marcados mais de 55 mil golos em todas as competições no país. Fazendo as contas, caso o número de golos marcados em novembro de 2022 na Dinamarca não fuja muito aos registos de 2021, os trabalhadores do Catar poderão beneficiar de quase 74 mil euros com a iniciativa dinamarquesa.

“Estamos ansiosos pelo Mundial e por apoiar a nossa seleção masculina, que representa a Dinamarca. No entanto, continuamos céticos com as reprováveis violações de direitos humanos que sofreram alguns trabalhadores migrantes no Catar. Por isso, em nome do futebol dinamarquês, gostaríamos de contribuir com fundos para esses trabalhadores, para que mais pessoas possam ter melhores condições no futuro”, pode ler-se num comunicado conjunto da DBU com outras instituições reguladoras do futebol da Dinamarca.

Um trabalho constante

Tem vindo dos países nórdicos e nomeadamente da Dinamarca, que será o único representante destes no Mundial, não só a maior contestação ao Mundial do Catar como também ações que frisam a importância de condenar não só a forma como o país do Médio Oriente ganhou o direito de organizar a prova, à conta de corrupção, como as condições a que são vetados os migrantes que acorreram ao pequeno estado em busca de trabalho.

Vista da parte de fora de um local de alojamento de trabalhadores migrantes no Catar, em junho de 2011

Vista da parte de fora de um local de alojamento de trabalhadores migrantes no Catar, em junho de 2011

Sam Tarling/Getty

De acordo com uma investigação do “The Guardian”, mais de 6.500 trabalhadores morreram na construção das novas infraestruturas do Mundial desde 2010, quando a FIFA atribuiu a organização do torneio ao Catar. Quase todas as vítimas são de origem sul-asiática e africana. Milhares e milhares de trabalhadores foram obrigados a pagar taxas de recrutamento ilegais e, chegados ao Catar, não faltam casos, denunciados por organizações como a Amnistia Internacional ou a Human Rights Watch, de quem fique privado dos seus documentos e obrigado a viver em condições insalubres. Maya Kumari Sharma, embaixadora nepalesa em Doha, disse em tempos que o Catar se havia tornado “numa prisão a céu aberto” para os trabalhadores do seu país.

Além disso, no Catar as relações homossexuais são proibidas, as manifestações de carinho desencorajadas e os direitos das mulheres desrespeitados.

A federação dinamarquesa de futebol não se tem calado perante tamanhos abusos. No seu site oficial existe mesmo uma secção dedicada ao tema, onde é possível ler a posição do organismo face ao Mundial do Catar, vários artigos com informação sobre o trabalho que a DBU tem realizado em conjunto com a Amnistia Internacional, iniciativas ou relatos das várias viagens que os responsáveis dinamarqueses têm feito ao país e do cenário que encontraram.

A posição, essa, é clara e dura: “A DBU não está de acordo com a decisão de atribuir o Mundial de 2022 ao Catar. Não votámos a favor e acreditamos que é profundamente controverso”. A DBU visitou o Catar em 2016, 2019, 2021 e já este ano e sublinha que “apesar dos avanços”, ainda há “muito caminho por percorrer”.

“Vimos reformas positivas, mas as autoridades do Catar são demasiado lentas a implementar melhorias. Temos estado em diálogo com a Amnistia Internacional, com a Organização Internacional do Trabalho e os movimentos sindicais. Uma coisa é adotar regras, outra é a sua implementação e a transparência desse processo. A DBU continuará a pressionar, em conjunto com os nossos colegas nórdicos e outros protagonistas”, pode também ler-se no site da federação dinamarquesa.

Instagram

A Hummel, empresa sediada na Dinamarca e que equipa a seleção do país, tomou também uma posição, ao fabricar material específico para o Mundial onde o logotipo da marca não é visível, por estar gravado com a mesma cor da camisola.

“Queríamos enviar uma dupla mensagem. Não só [os equipamentos] são inspirados pelo Euro 92, fazendo um tributo ao maior sucesso do futebol dinamarquês, mas são também um protesto contra o Catar e o seu registo de direitos humanos”, explicou a marca nas suas redes sociais. “É por isso que atenuámos todos os pormenores. Não queremos ser visíveis durante um torneio que já custou a vida a milhares de pessoas”.

O terceiro equipamento da Dinamarca no Catar será todo preto, um pormenor que não vem por acaso, com a Hummel a assumir que o fez porque é “a cor do luto”. A organização do Mundial criticou a empresa de vestuário desportivo, contestando os números de mortos apresentados e queixando-se da falta de valorização dos progressos do emirado nos últimos anos em matéria de direitos humanos.

Também as camisolas de treino da Dinamarca terão mensagens de protesto, com alguns patrocinadores da federação a aceitarem não estarem visíveis nas mesmas para abrir espaço a esta forma de contestação.