De Montevidéu a Doha, episódio 1: o que fazer para remediar um pouco um Mundial imoral e manchado de sangue?
02.09.2022 às 14h03

As queixas sobre abusos cometidos sobre trabalhadores migrantes que participaram nas obras de construção dos estádios no Catar, para o Mundial deste ano, têm sido recorrentes
Francois Nel/Getty
Nada devolverá a vida aos pelo menos 6.500 trabalhadores migrantes que, segundo uma investigação do “The Guardian”, morreram na construção das infraestruturas do Mundial, nem se recuperará uma década de promoção de um país com graves desrespeitos pelos direitos das mulheres ou onde a homossexualidade é crime. Mas diversas organizações pressionam a FIFA, as Federações ou os jogadores para que ainda façam algo para que este Mundial não seja “uma oportunidade perdida”. De Montevidéu a Doha é a rubrica em que, semanalmente e até ao arranque do Mundial no Catar, a Tribuna Expresso trará reportagens e entrevistas sobre a história da mais importante competição global
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6.500 mortes.
A 20 de novembro de 2022, o Catar-Equador dará início à 22.ª edição do Mundial de futebol, a mais importante competição da modalidade desportiva mais popular do planeta, organizada pela FIFA, entidade com 211 membros, mais do que a Organização das Nações Unidas. A FIFA, que entre 2015 e 2018 faturou €5,9 mil milhões e tem €2,5 mil milhões em reservas, calcula que lucrará cerca de €5,7 mil milhões com o Mundial 2022, fazendo do torneio o mais rentável de sempre para a organização.
Mas há uma mancha de sangue por debaixo de cada estádio onde a bola rolar, de cada principesco hotel onde comitivas se alojarem, de cada estrada sobre a qual andarão carros de alta cilindrada transportando dirigentes e variados altos cargos.
Uma investigação do “The Guardian”, publicada em fevereiro de 2021, revelou que 6.500 trabalhadores da Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka morreram na construção de infraestruturas associadas ao Mundial desde que, em 2010, o torneio foi atribuído ao Catar, a um ritmo de 12 falecimentos por semana de um cidadão destes cinco países. Contactadas pela Tribuna Expresso, organizações como a Amnistia Internacional, a Equidem e a Human Rights Watch indicam que a maioria destas mortes são oficialmente atribuídas a “causas naturais”, não se ativando seguros e deixando famílias que dependiam do dinheiro destes trabalhadores sem nada.
Muitas destas pessoas que foram para o Catar trabalhar em obras relacionadas com o Mundial tiveram de pagar “taxas de recrutamento” ilegais na casa dos €1.200. Maya Kumari Sharma, embaixadora nepalesa em Doha, disse que o Catar se tornou “numa prisão a céu aberto” para os trabalhadores do seu país.