Enquanto dura a janela em que se podem comprar, vender, emprestar e mercadejar de diversas formas com jogadores, o estado de espírito dos adeptos mede-se por algo mais do que vitórias, derrotas ou empates. Há esperanças que chegam em forma de contratações, garantias que se perdem sob o formato de vendas, esperas que se tornam eternas aguardando por soluções de discutível eficácia.
Nesta instabilidade em que são passados os meses de maior calor na Europa, na Segunda Circular viveram-se, nos últimos dias, estados de espírito bem diferentes. Em Alvalade, a milionária saída de Matheus Nunes para o Wolverhampton deixou Rúben Amorim desprotegido, entre manifestações de desagrado e, sobretudo, a certeza de que haverá um Sporting diferente sem as virtudes do internacional português.
Na Grécia garantem que Sotiris Alexandropoulos é o jovem eleito para substituir Matheus, mas Rúben Amorim vai, ao seu jeito, tentando dar normalidade à situação. Esteja em Alvalade — de onde saiu Slimani, que rescindiu e assinou pelo Brest, e para onde regressou Jovane Cabral, que renovou contrato e foi reintegrado — ou no mercado a fórmula para tentar recuperar o que o mercado levou, agosto trouxe a Amorim um duro embate com as famosas "leis do mercado".
Fredrik Aursnes, novo médio do Benfica
BSR Agency/Fredrik Aursnes
"Leis do mercado" que Roger Schmidt garante conhecer, mas — ainda que a saída de uma pérola como Gonçalo Ramos seja sempre admitida pelo alemão — o estado de espírito do Benfica é de otimismo. Não só pelos milhões que entram pela Champions, mas também pela oficialização da contratação de Fredrik Aursnes, o médio "muito completo" que foi pedido expresso do técnico. Custou €13 milhões, mais €2 milhões em função e objetivos, e é o sétimo reforço do Benfica para 2022/23.
Com Roger Schmidt a admitir ação no mercado "até ao último segundo" e Rúben Amorim na expetativa de saber o que lhe poderá chegar ao plantel, os retoques de última hora nos grandes de Lisboa — e particularmente na zona central do terreno de Sporting e Benfica — foram protagonistas da penúltima semana da janela de transferências.
Também noutros miolos do futebol nacional houve movimentações. André Almeida, centrocampista de 22 anos que tinha lugar consolidado no Vitória de Guimarães e na seleção de sub-21, trocou o Minho por Valência, num negócio que rende aos vimaranenses €7,5 milhões e que levará o jovem para Mestalla, estádio que nas últimas duas décadas se habituou a ouvir falar português. De regresso à I Liga está outro médio talentoso, João Carvalho, que foi cedido pelo Olympiacos ao Estoril, ao passo que Romário Baró, também habitante da intermediária, foi emprestado pelo FC Porto ao Casa Pia.
O imenso poderio da Premier League, onde chega quem se quer, não sai quem se adora e se diz adeus a quem desilude
É novidade para ninguém que, na liga do dinheiro, vem de Inglaterra o domínio. Da dimensão colossal de Liverpool ou Manchester United à envergadura estatal possuída por Newcastle ou Manchester City, são múltiplas as maneiras de encher os cofres dos emblemas do campeonato mais rico do mundo. E os últimos dias mostraram esta realidade de forma evidente.
Na segunda-feira, antes de o Manchester United bater o Liverpool, Casemiro foi apresentado perante o público de Old Trafford. O "triângulo das Bermudas", como Ancelotti apelidou o miolo formado pelo brasileiro, Kroos e Modric, foi desfeito, tentando o ex-FC Porto transportar a sua liderança, fome de vencer e competitividade a um clube que, por não saber estruturar-se de cima para baixo, parece tentar encontrar no mercado os alicerces de estabilidade que a muito contestada direção não possui.
Por cerca de €70 milhões, o Manchester United levou Casemiro de Madrid. Valor semelhante ao que fez o avançado sueco Alexander Isak trocar a Real Sociedad pelo Newcastle. Aos 22 anos, Isak — dianteiro rápido e esguio, daqueles que imaginamos a inventarem golos sozinhos — é há muito nome forte apontado ao futuro do futebol internacional, mas pagar esta fortuna por quem ainda não se afirmou na elite só está ao alcance de quem é financiado pelo fundo soberano da Arábia Saudita.
Ash Donelon/Getty
No mundo dos milhões da Premier League, que vai tentando secar o que está à sua volta, não só se compra quem se quer, mas também só muito dificilmente se vende quem não se quer. Não vale a pena estarmos aqui a compilar o rol de elogios de Pep Guardiola a Bernardo Silva para explicarmos a profunda admiração do catalão pelo português. No balneário do Manchester City, em jeito de brincadeira, há mesmo quem chame "Bernardiola" ao canhoto, justamente devido às constantes frases em que Pep se rende à qualidade de Bernardo.
No entanto, há vários anos que o português deixa mais ou menos evidente que não se importaria de experimentar outros ares. E, nesse desejo de aventuras diferentes, Barcelona está no topo dos gostos de Bernardo, que cresceu a admirar o futebol que se pratica em Camp Nou.
No entanto, apesar das manobras financeiras que permitiram ao Barcelona contratar Raphinha, Lewandwoski e companhia, os catalães não conseguiram convencer o Manchester City a abdicar de um dos seus principais jogadores. A garantia foi dada por Guardiola: Bernardo Silva vai ficar no Etihad.
No sentido oposto ao brilhantismo de Bernardo ou Casemiro, a porta da Premier League fechou-se, pelo menos temporariamente, para protagonistas de outras alturas. Dele Alli chegou a ser destaque no Tottenham, duas vezes vencedor do prémio de melhor jovem da Premier League e autor de um golo nos quartos-de-final do Mundial 2018. Mas o brilhantismo do médio foi-se apagando e, depois de perder espaço nos londrinos e desiludir no Everton, foi cedido ao Besiktas; Eric Baily foi uma milionária contratação de José Mourinho no Manchester United, mas perdeu-se nas inconsistências dos red devils e foi emprestado ao Marselha, adversário do Sporting na Champions; Nicolas Pépé é, ainda, o reforço mais caro da história do Arsenal, mas também não se impôs e foi emprestado ao Lille, de Paulo Fonseca.
É a porta giratória da endinheirada Premier League a fazer uma seleção natural, recolhendo o que de melhor há no mundo e descartando os que foram perdendo brilhantismo. Tudo isto enquanto um dos astros maiores que habita em Inglaterra, um tal de Cristiano Ronaldo, continua com o futuro em aberto.
Um comandante no banco
Chegou a um FC Porto em transição, depois da caótica 2004/05 e num cenário em que Jorge Costa estava de saída e Baia prestes a perder a titularidade. Na equipa que Co Adriaanse montou e que Jesualdo consolidaria, criando uma hegemonia que levaria a um tetracampeonato, Lucho González foi, desde o primeiro momento, o líder espiritual e técnico, a referência no campo e no balneário, o craque que tanto dava o exemplo com os pés como com a voz.
Daí que poucas alcunhas daquela altura assentassem tão bem. Ele era "el comandante", líder das tropas que dominavam a bola em Portugal. Em 2012 ainda voltou para ganhar mais dois campeonatos do total de seis ligas lusas que tem num palmarés com títulos, também, em França, Brasil ou Argentina.
"El Comandante": Lucho González, uma camisola do FC Porto e a braçadeira de capitão, uma união quase perfeita
"
Ver Lucho González nos relvados nacionais era como assistir à imponência em forma de futebolista, a uma liderança andante e contagiante salpicada por técnica, critério no passe e muita chegada à área. Poucos criaram tão boa primeira impressão e a foram mantendo tão regularmente ao longo dos anos.
Diz a frase feita que este tipo de jogadores são "treinadores em campo". Lucho arrumou as botas já depois dos 40 anos — com uma carreira onde constam 45 internacionalizações pela Argentina — e, sem surpresa, abraçou uma carreira nos bancos.
Primeiro foi treinador adjunto do Athletico Paranaense, seu último clube como futebolista, e agora tem o primeiro desafio como técnico principal. Foi anunciado no comando do Ceará, 15.º do Brasileirão. Se já era comandante no centro do campo, agora espera-se que o seja, também, da linha lateral.