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Lewandowski e o Barcelona que parecia estar a endireitar-se, mas vai gastando o que não tem

O clube que tem uma dívida a rondar os €1,3 mil milhões, uma folha salarial nos €560 milhões e o único teto salarial negativo da La Liga (-€144 milhões) irá alegadamente gastar, só nesta semana, mais de €100 milhões em dois jogadores, que nem sequer está autorizado a inscrever no campeonato espanhol. Um ano depois, o Barça continua mergulhado num pântano financeiro

Diogo Pombo

RONNY HARTMANN/Getty

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Olhe-se para Frenkie de Jong e vê-se a cara simpática de um jogador que só quer a bola, o neerlandês é do tipo de médios a quem se pode e deve entregar as rédeas figuradas de uma equipa e nele confiar para a equipa chegar de forma ordeira, simples e passadora à baliza dos outros. Tinha 22 anos quando o Barcelona viu o quão bem jogava no Ajax e o contratou, julgava-se que era um negócio e peras porque o futuro de um Barça envelhecido no miolo parecia melhor com o loiro, desbarbado e ágil neerlandês lá para servir de base rumo a algo melhor.

Entre o bom, o muito bom e o assim-assim, Frenkie leva três épocas no clube cuja turbulência nos escritórios e fora do relvado tem entrado estádio dentro. De Espanha têm chegado notícias de o neerlandês que sempre exige ter a bola no pé, vivendo para tabelar, correr com ela e dar aqui para ir buscar acolá, poder estar de saída do Barcelona. As razões não estão propriamente amarradas ao rendimento em campo, mas a números que vão para lá dos 140 jogos, 13 golos e 15 assistências registados pelo jogador.

Há cerca de duas semanas, o diário “Marca” esmiuçou as cláusulas e alíneas do contrato que Frenkie de Jong assinou com o Barcelona, em 2019, além das alterações feitas no ano seguinte, quando a pandemia submergiu o futebol na inatividade e congelou várias fontes de receitas dos clubes - no caso dos culés, foi então aplicado um corte de 12% em todos os salários. O jogador deveria receber €14 milhões anuais fixos, mas, durante duas épocas, abdicou de parte desse valor devido à pandemia, que começará a ser restituído, faseadamente, esta temporada.

Em suma e nas quatro épocas que restam no vínculo do jogador, o Barça alegadamente terá de lhe pagar cerca de €88,5 milhões que são explicáveis, entre a restituição dos montantes cortados e vários bónus previstos de desempenho. É nos muitos zeros previsivelmente a menos nas contas do clube catalão que o caso de Frenkie de Jong coincide estranhamente com o do jogador com quem, no sábado, o Barça anunciou um princípio de acordo. E com o homem que dantes mandava no clube, Josep Bartomeu.

Faltará apenas que Robert Lewandowski receba o aval dos exames médicos, pegue na caneta, assine as folhas do contrato e pouse para as costumeiras fotografias para que o avançado polaco seja oficialmente jogador do clube, num negócio quiçá inusitado tendo em conta o recente contexto de cinto forçosamente apertado do Barcelona. O ano passado, a La Liga proibiu o clube de inscrever jogadores devido à dívida que registava e à ultrapassagem massiva do teto salarial máximo imposto pela entidade, que até forçou os catalães a deixarem sair Lionel Messi para o Paris Saint-Germain.

Porque o clube tinha vários futebolistas com rendimentos desproporcionalmente avultados, fruto de negócios e vínculos negociados por Bartomeu, o anterior presidente culé, eleito em 2014, que se demitiu em outubro de 2020 pelas críticas à sua gestão e a polémicas várias, como a de ter contratado uma consultora para fazer uma campanha de difamação nas redes sociais contra futebolistas do próprio clube. Bartomeu negociou e colocou preto no branco os contratos de 34 jogadores, incluindo o de Frenkie de Jong. A maior parte prendeu o Barcelona a compromissos milionários, que votaram a carteira do clube ao emagrecimento progressivo.

Joan Laporta a tocar a bola com Raphinha, no dia da apresentação do brasileiro contratado por €58 milhões ao Leeds United.

Joan Laporta a tocar a bola com Raphinha, no dia da apresentação do brasileiro contratado por €58 milhões ao Leeds United.

David Ramos/Getty

O presidente que lhe sucedeu, o regressado Joan Laporta - já exercera o cargo entre 2003 e 2010, com 12 troféus conquistados pela equipa principal -, revestiu-se com uma aura de salvador, de alguém que não repetiria os erros do antecessor e que equilibraria as dívidas do Barça, que hoje rondam, alegadamente, os €1,3 mil milhões. Quando foi eleito, o próprio Laporta descreveu o clube como “clinicamente morto” e a gravidade dos números mantém-se.

Por entre as regras, nuances e cálculos que entram no mecanismo que a La Liga inventou para ter o seu próprio fair-play financeiro, o teto salarial imposto ao Barcelona está nos -€144 milhões. É a única cifra negativa entre as 20 equipas da primeira divisão e a folha salarial da equipa andará à volta dos €560 milhões. Supostamente, nem poderia contratar Robert Lewandowski por supostos €40 milhões ao Bayern de Munique, muito menos por um valor a rondar os €60 milhões como, este domingo, o “El País” noticiou ser a real verba que o clube acordou pagar aos alemães.

Mas, esta semana, pagou €58 milhões ao Leeds United para ter o extremo brasileiro Raphinha, já depois de ter contratado o central dinamarquês Andreas Christensen e o médio costa-marfinense Franck Kessié, ambos a custo zero que, no futebol, significa ausência de verbas pagas a clubes, mas não a inexistência de prémios de assinatura e comissões. Estes três e o supostamente vindouro Lewandowski, porém, ainda nem podem ser inscritos no campeonato espanhol enquanto o Barcelona não positivar o rácio das suas contas segundo as regras da La Liga. Ou seja, continua a gastar milhões que, em teoria, não tem, nem deveria despender.

Para tentar equilibrar a balança, o clube fez um acordo de patrocínio com o Spotify, vendeu 10% das futuras receitas com direitos televisivos dos seus jogos na liga espanhola nos próximos 25 anos e estarão em negociações para vender, também, 49,9% da BLM, uma empresa criada pelo clube para vender os seus direitos de marketing e licenças de comercialização da sua marca. Tudo junto, o clube espera amealhar perto de €600 milhões em receitas, o mínimo para se poder ‘livrar’ de uma das regras que a La Liga impõe ao gasto dos clubes endividados: por cada três euros gerados de receita, só podem gastar um (1:3). Equilibrando as contas, o rácio fica em 1:1.

Daí a alegada vontade do Barça em vender Frenkie de Jong. O empréstimo feito de Clément Lenglet ao Tottenham. A renovação com Samuel Umtiti e a disfarçada com Ousmane Dembélé, cujo contrato expirou para se assinar um novo; ambos foram convencidos a cederem a contratos menos chorudos. E o Barcelona vai cruzando os dedos e fazendo figas para que, em breve, entrem receitas nos cofres que compensem os euros que não tem e está a gastar. O Leeds, aliás, precaveu-se: escreveu o “The Athletic” que o clube inglês fez questão de ter uma cláusula no acordo com os culés que obrigue o Barcelona a pagar, imediatamente, €10 milhões caso falha algum prazo de pagamento das prestações com que fatiará o preço do brasileiro. Porventura, o Bayern de Munique se acautelará também na venda de Robert Lewandowksi que parece estar iminente.