Suceder, 44 anos depois, a Joaquim Agostinho como português no pódio de uma grande volta está mais perto. Ser o primeiro ciclista nacional a vencer uma das principais corridas por etapas está mais longe.
Pode-se resumir assim, em duas frases, a 19.ª etapa do Giro d'Italia para João Almeida. Nos muito duros 183 quilómetros entre Longarone e Tre Cime di Lavaredo, a subida final, 7,1 quilómetros a 7,8%, chegando a 2307 metros de altitude, num cenário já usado para filmagens do “Indiana Jones”, ditou diferenças.
O caldense até foi o primeiro dos favoritos a acelerar, mas deslocou quando Primoz Roglic atacou e Geraint Thomas acompanhou. Abriu-se o espaço que, pouco a pouco, foi fechado por João, na primeira grande “Almeidada” deste Giro, nome pelo qual se conhecem estas recuperações do líder da UAE-Emirates.
Entre um mar de bandeiras portuguesas e gente vestida com camisolas de Cristiano Ronaldo, Almeida chegou com os seus grandes rivais, o campeão do Tour 2018 e o três vezes vencedor da Vuelta, ao quilómetro final. Aí, Thomas acelerou, Roglic respondeu e o mais novo dos três ficou para trás.
O resultado foi semelhante ao do dia anterior: 6.ª na tirada vencida por Santiago Buitrago, a partir de uma fuga, e, mais importante do que isso, 20 segundos cedidos para Roglic e 23 para Thomas. Antes do contra-relógio de montanha que tudo decidirá, João Almeida é 3.º, a 33 segundos do 2.º, Roglic, e a 59 segundos do líder, Thomas.
Antes da tirada, Almeida disse que estava “tão perto da vitória” que “tudo poderia acontecer". Chegar à rosa é, agora, bem mais difícil, mas garantir um histórico pódio, um dos feitos mais relevantes da história do ciclismo nacional, parece uma formalidade. O 4.º, Damiano Caruso, está a 3,12 minutos de distância.
Tim de Waele/Getty
A tirada prometia dureza, ideia produzida por um percurso com cinco contagens de montanha. Além do final numa categoria especial, havia duas primeiras categorias e duas segundas, ascensões que levaram o pelotão várias vezes acima dos 2.000 metros.
Nos Dolomitas, perto da fronteira com a Áustria, por regiões onde o alemão já se vai ouvindo a par do italiano, as primeiras ascensões do dia não trouxeram movimentações entre os homens da geral. Os favoritos foram pedalando sem mudanças de ritmo, alheios à batalha da fuga por ganhar a etapa e conservando forças para os quilómetros finais.
O duríssimo Passo Giau, 9,8 quilómetros de ascensão a 9,3% de inclinação média, com o topo a 2.236 metros de altitude, valeu pela beleza das montanhas esculpidas com neve nas encostas. A antepenúltima subida do dia não trouxe mexidas, que ficaram para o desfecho da tirada.
Mesmo antes das duas ascensões finais, Roglic trocou de bicicleta, passando para uma mais adaptada às subidas íngremes, uma rara opção tática em forma de arma mecânica. Foi durante a passagem por Cortina d’Ampezzo, um dos palcos dos Jogos Olímpicos de Inverno 2026.
O Giro e os Dolomitas
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Na penúltima subida, o Passo Tre Croci, a chuva juntou-se à festa de dificuldades para os corredores. Na frente, o colombiano Santiago Buitrago, escalador puro, bateu o canadiano Derek Gee, o grande combativo deste Giro, para erguer os braços no final da tirada.
Mas o grande motivo de interesses estava na luta pela rosa. A disputa fez-se num mano a mano entre os três mais fortes da corsa rosa nos dois quilómetros finais, sem o apoio de companheiros de equipa.
João ainda fez uma “Almeidada” depois da primeira investida de Roglic, mas cedeu à ofensiva de Thomas. O esloveno ganharia ainda três segundos ao britânico. Vão para o contra-relógio com 26 segundos de diferença entre eles.
A luta contra o tempo, no sábado, será duríssima. Depois de 10 quilómetros iniciais planos, haverá a subida ao Monte Lussari, com 7,8 quilómetros a 11,2% de inclinação média que muitas diferenças poderão fazer.
Para João Almeida, será uma última oportunidade para brilhar antes da tirada final, com chegada a Roma, somente para consagração. Será preciso uma super versão do cidadão mais conhecido de A-dos-Francos para que este se intrometa na luta pela vitória final, mas há uma tirada para tentar vencer e um pódio para confirmar. A oposição de luxo de Roglic e Thomas voltou a ganhar tempo a Almeida, mas o regresso da bandeira nacional aos pódios de uma grande volta deve estar a 48 horas de distância.