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A derrota e João Sousa, que “não joga ténis para isto”

Ao 15.º jogo perdido em 20 feitos em 2023, o melhor tenista português de sempre, hoje com 34 anos, abriu o coração. Após a derrota no Oeiras Open, um torneio da categoria Challenger, João Sousa confessou que “não habituado a jogar a um nível” onde não está a conseguir chegar há dois anos e tentará “perceber o que está mal”. Se não continuar a não ser capaz de o alcançar “durante muitos mais meses”, deixou no ar que vai “ponderar algumas situações”. Será a retirada uma delas?

Diogo Pombo

Pedro Fiúza/NurPhoto via Getty Images

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A vitória ser a melhor amiga de um atleta é falácia pensada repetidamente. Não podia haver maior engano do que ter a derrota como um acaso, um mero buraco esquecido em auto-estrada com alcatrão engomado. No ténis, quando nos desviamos do brilho de quem anda no top 20 ou 30 e o tapamos sem ser com uma peneira, constata-se o encadeante que é fiar na luminosidade, mais ainda quando estamos a sair de um par de décadas com Federer, Nadal e Djokovic, um trio que nos encandeou a vista. Com eles coincidiu João Sousa, o português das conquistas.

Bailarino dos courts e de carreira feita a ser um peso pluma nos pés, o tenista de Guimarães, fugidio por natureza a bolas que lhe ressaltem para a esquerda do corpo, é a maior proeza de raquete na mão já produzida no país. Vencedor de quatro títulos e derrotado em outras quatro finais do circuito ATP, um dos pontos altos da sua cumeada foi o 28.º lugar alcançado no ranking, em 2015. João Sousa já jogou até à segunda semana de Grand Slams, bateu bolas nos seus courts centrais, usou a maioria das semanas que cabem no ano a viajar para torneios mundo fora e partilhou rede com os melhores. Aos 34 anos, ganhou mochila cheia de histórias para contar.

E de derrotas, mesmo que os holofotes as depreciem.

Na terça-feira, estava ele a ouvir-se a jogar no vazio do eco do anfiteatro de pedra do ‘Centralito’, o campo principal do Clube de Ténis do Jamor, com pouca gente nas bancadas de pedra a vê-lo perder contra Steve Díaz, um canadiano anónimo se comparado ao português. Mas, à primeira ronda do Oeiras Open, foi derrotado por 6-1 e 6-3, parciais que aparentam um desequilíbrio sem neblina de dúvidas.

Saiu com as sapatilhas alaranjadas da terra batida de um Challenger, que na pirâmide do ténis equivale à quarta ou quinta divisão dos torneios, mesmo se a lógica não for tão simplista, na prática. “Hoje em dia e tenho vindo a dizer, há Challengers que parecem ATPs em termos de nível, a diferença é muito pouca entre jogadores [de ranking] 50 e 150”, disse João Sousa no rescaldo da derrota, sentado e com marcado na testa pelas linhas de bronzeado do boné. Carrancudo nas feições, o tenista escancarava o coração em conferência de imprensa.

Perdida a 15.ª partida em 20 jogadas este ano, ele é o 157.º tenista da hierarquia à qual, no final de 2020, em que venceu um de 10 encontros no circuito ATP, “não ligava muito”. Disse-o vindo de ano e meio de dor provocada por uma lesão no pé que o limitou em 2021, aí foram duas vitórias em 16 partidas antes de 2022 melhorar o rácio: 16 jogos vencidos em 36. E o ranking que muito importa para determinar os torneios onde um tenista tem acesso ao quadro principal e a fibra dos adversários com quem se cruza à primeira ronda não o tem no top 100 desde fevereiro deste 2023, em que ganhou apenas três jogos entre os 12 feitos entre ATP e Grand Slams.

A balança pende com estrondo para um lado se a rubrica olhar mais para baixo e tiver em conta os torneios Challengers onde João Sousa hoje compete com maior frequência - só cinco vitórias em 20 encontros. “A situação é exatamente igual à de 2021, é uma situação que não sinta que esteja a jogar tão mal, mas os resultados não estão a aparecer”, admitiu, desgostado com o pecúlio recente. “Deita abaixo qualquer jogador, ainda mais quanto tenho 34 anos”, disse, arrumando-se ao canto do desânimo quando ainda em 2022 foi visto a competir na final em Genebra, um ATP 250 que perdeu para Casper Ruud, norueguês recentemente revisto.

Novamente e sempre, a derrota.

Porque é no desconforto da dor, na adversidade de perecer contra alguém, que o mundo está repleto de lições de gente que lá achou os segredos para a evolução. Se a enorme maioria perde mais do que vence, João Sousa tem perdido mais do que ganhado noutra proporção. E agora o português diz que lhe esperam dias de “análise, de falar e de perceber o que está mal”, porque está “habituado a jogar a um nível” e consciente é do necessário “para estar lá em cima” onde antes passava a vida: “E não o tenho conseguido fazer.”

As derrotas têm-lhe atirado à cara o caldo de sensações que já inundarão o seu palato nestes últimos anos, porque a confissão seguinte é a de um homem a contemplar o precipício que se impõe a qualquer desportista. “Não é para isto que jogo ténis, para jogar Challengers, sem tirar o mérito, porque o nível tem aumentado muitíssimo”, explicou, tocando sem mencionar nas vezes em que tem ido à rede dar os parabéns ao adversário pela vitória.

João Sousa quer retornar ao nível que já foi o seu, mas, “se não o conseguir fazer durante muitos mais meses”, terá de “ponderar algumas situações”. Dito assim, embaciado pela incerteza, a retirada do ténis será uma hipótese a pairar na penumbra?

“Vamos ver.”

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    É sincero e di-lo do coração: não faz ideia em que posição do ranking está quando é feita a entrevista. João Sousa, o melhor tenista português de sempre, estava em 90º, dentro do top 100 onde reside há mais de sete anos, mas nunca com uma época feita como a anterior — com um teto imposto pela dor de uma lesão no pé, uma limitação que o forçou a mudar o estilo de jogo sem se adaptar à mudança. E a desanimar por causa dela

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    Ganhou três dos 11 jogos feitos em 2021. O ano passado, venceu um em 10. Mas, "se calhar", João Sousa "está melhor do que as pessoas pensam", diz quem o acompanha desde o início. A dias de regressar aos courts do Estoril Open (24 de abril a 2 de maio), o treinador Frederico Marques contou à Tribuna Expresso que vieram "alguns fantasmas à cabeça" devido à primeira lesão grave sofrida na carreira do tenista que "habituou as pessoas a jogar a um nível alto". E falou de dor

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