A final do Open da Austrália aproximava-se das duas horas e 29 minutos da duração total que teria. Depois de um primeiro parcial vencido por Elena Rybakina e um segundo em que Aryna Sabalenka levou a melhor, o terceiro pendia, por 5-3, para o lado da bielorrussa. A número 5 do ranking WTA ia servir para fechar o encontro. Estava ali, à distância de quatro pontos, o triunfo num major que tanto perseguia.
Mas essa glória dependia de um golpe que, não há muito tempo, era um fantasma, um trauma, uma crise em forma de serviço. Lançar a bola ao ar e bater-lhe com a raquete levou-a ao desespero, ao choro, à máxima frustração e à contratação de um especialista em biomecânica para superar o bloqueio técnico e mental que se lhe apresentava.
O primeiro ponto que disputou na final havia sido perdido por uma dupla falta e o segundo vencido graças a um ás, como que dando as boas-vindas ao duelo mais importante de Sabalenka através da montanha-russa que caracterizou muito do seu passado recente. No entanto, a partir daí a tenista estabilizou e, até ao tal último jogo de serviço, fez 15 ases e só cometeu cinco duplas faltas.
Mas talvez não haja ocasião emocionalmente mais exigente que servir para vencer um major, sobretudo quando esse feito é perseguido há tanto por uma das melhores do mundo. A ansiedade surgiu em Aryna. Para chegar ao primeiro championship point num Grand Slam da carreira, Sabalenka conseguiu um ás, mas desperdiçou-o com uma dupla falta. Teria outros dois, também falhados.
Até que, à quarta ocasião, Elena Rybakina, a cazaque que se lhe assemelha pelo poder da direita, fez a bola viajar para fora dos limites do court. Sabalenka começou a final indo de uma dupla falta para um ás, andou do ás para a dupla falta no jogo decisivo, e terminou deitada no chão, em lágrimas, com a libertação emocional de quem tirou um peso de cima. Ao receber a taça das mãos da lendária Billie Jean King, a quem agradeceu por “tudo o que fez pelo ténis”, a bielorussa deixava de ser, provavelmente, a melhor jogadora do mundo sem um dos quatro principais troféus.
Chegando ao 11.º triunfo em 11 encontros em 2023, a jogadora que, oficialmente, compete sem bandeira — pelas sanções impostas à Bielorrússia e à Rússia na sequência da invasão da Ucrânia —, tornou-se apenas na terceira neste século a reinar em Melbourne em singulares e pares. Sucede a Martin Hingis e Serena Williams, companhia digna da realeza da modalidade.
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Como foi sublinhado, após o duelo, por ambas as jogadoras, a final foi de alto nível. Rybakina é a 25.ª do ranking, mas essa posição engana, já que a vencedora de Wimbledon 2022 não viu esses pontos contarem para a hierarquia. Entre a moscovita e a bielorussa, deu-se o esperado festival de direitas agressivas, ténis de ataque, potência e intensidade.
Com a experiência de já ter vencido um dos mais importantes torneios, Elena entrou no primeiro parcial mais consistente. Sabalenka cedeu, duas vezes, o seu saque, em ambas as ocasiões com duplas faltas, fazendo lembrar a versão de 2022, quando cedeu assim 440 pontos, mais 151 vezes do que a mulher mais penalizada por esse tipo de erros. Nos segundo e terceiro sets, faria desaparecer, quase por completo, esse pecado.
Rybakina disputou o seu primeiro embate no Open da Austrália no court número 13 de Melbourne Park, escolha de palco estranha para a campeã em título de Wimbledon. De certa forma, é a prova de como a cazaque, talentosa como poucas, tem fugido dos focos e das atenções gerais, apesar das capacidades comprovadas. Derrotou três antigas vencedoras de majors — Swiatek, Ostapenko e Azarenka — para chegar à final e na primeira manga, com cinco ases nas primeiras 14 tentativas, foi a melhor jogadora.
Ainda assim, após esse primeiro set, saltava à vista uma estatística: Sabalenka tinha levado a melhor nos últimos seis encontros de torneios do Grand Slam em que perdera o parcial inaugural. O tigre espiritual que diz ter em si não se amedronta perante dificuldades iniciais.
Jogando sem margem de erro no segundo set, a bielorussa estabilizou, mais tranquila e precisa. Foi a imagem da transformação mental que teve nos últimos meses, dizendo que está “mais calma” quando compete. Os primeiros seis jogos do parcial foram decididos nas vantagens e Aryna impôs-se em quatro deles, lidando bem com a vida no fio da navalha.
Com o passar do tempo, Sabalenka começou a encontrar no segundo serviço de Rybakina brechas que explorar. Se no primeiro set a cazaque havia vencido 75% dos pontos no seu segundo golpe de saída, no parcial seguinte essa percentagem baixou para 44%, com a bielorussa a responder bem dentro do court.
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A final iria para o parcial decisivo depois de dois ases seguidos da estreantes nestes palcos em majors. Nas bancadas, Russell Crowe dava ares de gladiador à contenda, Anthony Albanese conferia a pompa das figuras políticas e Thomas Tuchel o olhar tático dos vencedores de Liga dos Campeões.
Aproximando o encontro das duas horas e meia, os pontos decisivos foram jogados a grande nível, valorizando o ténis feminino. Um contra-pé astuto de Elena deixou Aryna presa, um conjunto de grandes direitas de Sabalenka evidenciaram potência e precisão, houve serviços ganhantes em abundância. Quem quisesse levar o troféu para casa teria de o ganhar, não esperar que fosse perdido do outro lado.
Nos instantes finais, a bielorussa pareceu mais fresca, ainda que com cabeça fria para gerir as emoções. Sabalenka é das jogadoras mais expressivas do circuito, sempre pronta a demonstrar com uma variedade de caras o que está a sentir. E, a 3-3, conseguiu o break que se revelaria decisivo, não tremendo por só o ter feito à terceira tentativa.
E chegou o tal jogo de serviço decisivo. Aí, a pressão e importância do momento sentiu-se em Melbourne. Mas o saque que já havia levado Sabalenka ao desespero ficará, para sempre, associado ao (primeiro) grande triunfo da sua carreira.
Rybakina caiu de pé, confirmando-se como valor seguro na disputa de major. Em fevereiro de 2020, o seu treinador, Stefano Vukov, prometeu fazer uma tatuagem com o nome da jogadora se esta vencesse Wimbledon. A promessa teve de ser paga em 2022, mas, quando questionado se faria o mesmo caso Elena repetisse o feito em Melbourne, o treinador disse que não. Este já é o palco natural para a bela (H)Elena.
Depois de receber o troféu, Aryna abraçou-o, beijou-o, acariciou-o. Parecia querer levá-lo para todo o lado, fundir-se nele, numa felicidade que a fez dizer que “não estava neste planeta”. O sorriso de Sabalenka, agarrado ao símbolo de glória que tanto perseguiu nos últimos anos, é a prova do crescimento competitivo da bielorussa. Superada esta barreira, terão de contar com ele para as andanças futuras dos majors, nesta selva irregular que é o mundo da WTA.