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Sabalenka e o tigre que deixou de ficar à porta

Depois de cair três vezes em semifinais de torneios do Grand Slam, Aryna Sabalenka conquistou finalmente, no Open da Austrália, uma das vagas para a final ao bater a polaca Magda Linette, por 7-6 e 6-2. O serviço, um problema choroso do passado que a fez convocar um especialista em biomecânica, é agora uma das armas da bielorrussa

Hugo Tavares da Silva

Will Murray

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Quando escrevemos “Sabalenka” na secção dos gifs no WhatsApp, na quarta fila aparece a tenista dizendo algo e levantando depois os punhos com uma aparentemente honesta satisfação. A legenda diz: “Só fiz 10 duplas faltas”. A história remete para o Open da Austrália de 2022, num momento em que a bielorrussa, que agora compete sem bandeira no seguimento da invasão russa na Ucrânia, acabava de se apurar para os oitavos de final do primeiro major da temporada de ténis.

O trauma de Aryna Sabalanenka vinha de trás. Num torneio que servia de aquecimento para aquela grande competição, em Adelaide, a então número 2 do mundo defrontou Rebecca Peterson, que ocupava a 93.ª posição do ranking WTA, e desabou. Os serviços não entravam por nada deste mundo, então, mesmo no primeiro serviço, tirou tanta potência às bolas que caíam mortas na rede.

Aquela atitude silenciosa gerou uma inevitável estranheza tal que a juíza de cadeira perguntou-lhe se estava tudo bem. Sabalenka explicou, mansamente desesperada, que era um problema técnico, que não conseguia servir. A seguir ao diálogo, durante o seu jogo de serviço os olhos encheram-se de água. Além das lágrimas, caiu também o gesto com a raquete: Sabalenka começou a servir por baixo. Foram 21 duplas faltas no total.

O serviço tem sido um tema espesso e amargo na vida da tenista que se classificou esta quinta-feira para a sua primeira final de um torneio do Grand Slam, batendo a polaca Magda Linette (7-6, 6-2), num jogo em que mereceu elogios por todas as camadas do seu jogo. As três viagens até às meias-finais que registava até aqui – Wimbledon-2021 e US Open-2021 e 2022 – acabaram invariavelmente todas com derrotas. Agora saberá o que é jogar uma final de singulares de um major, algo que até já saboreou em pares, quando venceu o US Open em 2019 e o Open da Austrália em 2021, sempre com a belga Elise Mertens ao lado.

Cameron Spencer

Só em 2022, Sabalenka acumulou 440 duplas faltas, mais 151 do que a segunda tenista mais penalizada nesse segmento, contou há dias o “The Guardian”. Foi por isso que aceitou a entrada em cena de um especialista em biomecânica, que tratou de estudar cada detalhe do movimento da bielorrussa, corrigindo depois a técnica.

Na última noite em Melbourne e diante de Linette, Sabalenka fez apenas duas duplas faltas. É outra jogadora, muito mais ameaçadora, muito mais de acordo com a tatuagem do tigre que leva na alma e num dos braços, os mesmos que beijou quando lhe disseram, durante a entrevista pós-jogo no court, que a potência com que batia de direita competia com o circuito masculino. “Acho que tenho boa genética”, disse a tenista de 24 anos, rindo e fazendo rir, explicando depois que nem sentiu isso, pois o calor “abrandou as bolas”.

Mais do que engolir o trauma, a tenista torceu-lhe de tal maneira a espinha que agora usa este momento do jogo a seu favor: esta noite, ou manhã em Lisboa, Aryna Sabalenka meteu seis ases (venceu nove dos 10 jogos de serviço) e ganhou 92% dos pontos nos segundos serviços que teve de manobrar. Por outro lado, salvou também três dos quatro pontos de break que enfrentou. A mentalidade e a serena convicção parecem estar na frequência certa, o que comprovou o demolidor tie-break no primeiro set (7-1).

O ténis de Sabalenka, atual n.º 5 do mundo, foi agressivo, inteligente e determinado, superando assim um arranque menos positivo. Viram-se bolas tremendas e uma continuidade admirável, levando até Pedro Keul, comentador da “Eurosport”, a comparar aquele nível com um testemunhado em Serena Williams em tempos idos. Nos primeiros dias deste torneio, Sabalenka, que descobre na leitura e nas panquecas da avó algum conforto, indicou que tinha “tudo no seu bolso”, como quem diz que está preparada para qualquer coisa e que tem as ferramentas certas para o enfrentar.

Andy Cheung

“Estou muito feliz, muito feliz por ter conseguido esta vitória. Ela é uma jogadora inacreditável, jogou um grande ténis”, começou por dizer Sabalenka sobre Linette (n.º 45), depois da partida. “Diria que não comecei o jogo muito bem, mas no tie-break encontrei o meu ritmo e comecei a confiar em mim, fui atrás das pancadas, foi um grande ténis da minha parte no tie-break.” Questionada sobre a utilidade da experiência passada na final de pares, ali em Melbourne, atrapalhadamente disse que era bom jogar naquele court e que esperava que essa bagagem a ajude “amanhã”. É sábado, Alyna, lembrou a entrevistadora. “Ah, desculpem, desculpem, sábado, desculpem [gargalhadas]. Eu quero jogar amanhã [mais gargalhadas].”

Na final de sábado, na Rod Laver Arena, Sabalenka terá pela frente Elena Rybakina, uma moscovita naturalizada cazaque em 2018, que bateu Victoria Azarenka no início da sessão noturna, por 7-6 e 6-3. Ou seja – numa altura em que se tira o pó a tanques, se proíbem símbolos e bandeiras russos no recinto aussie e o Comité Olímpico Internacional pondera a participação de atletas russos e bielorrussos nos Jogos Olímpicos de Paris –, a próxima rainha do Open da Austrália terá nascido num dos territórios a quem a organização do torneio sonega a bandeira nos grafismos, devido à invasão do exército russo no solo ucraniano.

Rybakina, que Sabalenka já bateu em três ocasiões, venceu em Wimbledon na época passada, tornando-se na mais jovem a fazê-lo desde 2011. Atualmente no 25.º lugar do ranking WTA, a tenista de 23 anos nunca havia superado os 32 avos de final no Open da Austrália. “Estou muito feliz e orgulhosa”, disse esta quinta-feira a cazaque, após o triunfo contra a experiente Azarenka. “Foi um encontro muito difícil, em condições totalmente diferentes daquelas em que temos jogado. À noite, a bola anda menos e é difícil atacar”, comentou, dando razão às palavras saídas da boca do tigre mencionado em cima. “Estou ansiosa pela final”, sentenciou.