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“Perdi o meu trabalho, mas estou muito feliz”: reformado e regressado a casa, Federer sente-se “completo”

Feita a despedida em Londres, na Laver Cup, que o deixou em lágrimas e alargou o pranto a muita gente, Roger Federer deu uma entrevista ao “New York Times” já na Suíça, na qual conta que nunca esquecerá o que Rafael Nadal fez por ele e explica como ninguém no ténis o deve tentar copiar

Diogo Pombo

John Walton - PA Images

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Se a água levanta fervura nas redondezas dos cem graus centígrados, a ebulição das emoções em Londres, na última sexta-feira, precisou de muito menos aquecimento quando o relógio já cortejava a madrugada. Na Laver Cup, torneio itinerante e de exibição que descortinou um espacinho no calendário anual sobrelotado da ATP, deu-se o adeus ao ténis de Roger Federer num court que acabou encharcado, quase inundado das lágrimas dos tenistas que por lá se juntaram para a última dança do suíço. E, no pôr-de-sol da carreira, ele acabou de mãos dadas ao maior dos seus rivais.

Sentado no banco, a chorar, enquanto julgava que as atenções estavam desviadas para um momento musical, Federer deu a mão a Nadal, igualmente copioso no choro ao seu lado. “Era, se calhar, um ‘obrigado’ em segredo”, explicou o suíço ao “New York Times”, que o entrevistou com Roger já retornada a casa. “Não sei bem o que foi aquilo, mas, para mim, acho que foi isso”, diz sobre o momento captado amiúde em imagem. Quando Ellie Goulding cantava e vídeos passam nos ecrãs gigantes da arena, o tenista que “sempre teve dificuldade” em “controlar as emoções” no campo, fosse nas derrotas ou nas vitórias, desligou a perceção naquele momento: “quase te esqueces que ainda estás a ser fotografado”.

O quase automático gesto, pela descrição feito por instinto, aconteceu porque o suíço esperou pelo final do último US Open para telefonar ao espanhol e lhe dar a novidade da sua retirada, aos 41 anos. A intenção era tê-lo presente, mas poderia ser complicado a Nadal, lesionado cronicamente num pé e com a mulher a ter alguns problemas na gravidez, juntar-se ao rival tornado amigo. “Disse-lhe para me manter a par de como estavam as coisas em casa. Mas ele disse-me: ‘Vou tentar tudo o que me seja possível para estar lá contigo”, contou Federer ao jornal norte-americano, antes de frisar a mensagem que pretendia realmente transmitir.

A presença e os gestos que partilharam os donos de 20 e 21 torneios do Grand Slam mostraram, “outra vez, o quanto [significam] um para o outro”. E o facto de o derradeiro jogo de Roger ter sido em pares, com Rafa, teve uma intenção: “Pensei que seria simplesmente bonito, uma história incrível para nós, para o ténis e para o desporto - e talvez mais do que isso -, que possamos coexistir numa dura rivalidade e sairmos por cima, para mostrarmos que, hey, isto é só ténis. Sim, pode ser difícil e brutal às vezes, mas é sempre justo. E podes sair dela com uma grande e amigável rivalidade. Nunca vou esquecer o que o Rafa fez por mim”.

O agora ex-tenista suíço sente-se “completo” e sem se importar de ter “perdido o último jogo de singulares, de pares” e “a voz de ter gritado tanto” para apoiar a equipa na Laver Cup. “Perdi o meu trabalho, mas estou muito feliz, estou mesmo bem”, garantiu ao “New York Times”, desenhando a ironia que viu em todo o fechar de dossier do fim de semana, porque “toda a gente imagina fins de conto de fadas” e o de Federer “acabou por ser de uma maneira que nunca” esperou. Incluindo ter lá os maiores rivais - também Novak Djokovic e Andy Murray estiveram presentes - a “verem as suas carreiras passarem-lhes à frente dos olhos”.

Confessando que a idade, a recente cirurgia ao joelho e o saber que “seria um longo caminho para voltar” em termos de reabilitação, a que se submeteu ainda enquanto tenista para “a fazer 100% corretamente”, Roger repetiu que pretende ainda fazer um “jogo de exibição de despedida” no futuro e espera que vivalma tente “copiar” o seu estilo de jogo. “Embora seja o maior sinal de elogio, desejo que todos encontrem a sua própria versão. Ninguém tem de jogar como eu”, expôs, lembrando como, nos seus primórdios, “as pessoas pensavam que jogaria como o Pete Sampras”. O suíço ultrapassaria os 14 Grand Slams do americano, outro dono de uma esquerda a uma mão, em 2009. E ainda jogou quase mais 13 anos.