O olhar para o infinito, o encolher de ombros ou os profundos suspiros eram as manifestações dos lamentos que passavam pela cabeça de Emma Raducanu. No Louis Armstrong Stadium, em Nova Iorque, a ainda adolescente de 19 anos estava, um ano depois, de regresso ao US Open, o torneio onde escreveu uma das mais inesperadas e extraordinárias páginas de glória desportiva dos últimos anos, indo de desconhecida qualifier a campeã de um major.
No entanto, o ambiente em torno da britânica não poderia ser mais diferente do que se verificava em 2021 — e tudo devido, justamente, à vitória conseguida, qual presente envenenado que a persegue.
Desde que tocou o céu em Nova Iorque, Emma — a jovem britânica que fala mandarim, tem um sorriso leve e uma postura graciosa — tornou-se num cartaz publicitário andante, cara da British Airways, Porsche, Nike, Dior, Vodafone (foi o rosto principal da promoção da marca para Wimbledon) ou Evian (fazendo até vídeos com Dua Lipa). A sua conta bancária explodiu, o mediatismo também, tudo à base da proeza conseguida em 2021 e potenciado pela sua imagem, que parece feita à medida para o star system: bem-falante, jovem, multicultural, alicerçada em países com forte apelo comercial.
Mas o contra-peso de tudo isto, o preço a pagar por toda esta atenção súbita, tem andado nas costas de Raducanu como fardo que limita o seu crescimento dentro do court. As expectativas exageradas, as lesões ou indefinições sobre a equipa técnica que a rodeia juntam-se como impedimentos para uma progressão sustentada, necessária para quem ainda nem cumpriu 20 voltas ao sol e está, em 2022, no seu primeiro ano completo como tenista profissional — em junho de 2021 ainda estava a terminar os exames finais do ensino secundário.
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Foi neste ambiente próprio do paradoxo Raducanu — estrela mediática fora do court que está a viver a primeira temporada dentro dele, cara de multinacionais que ainda não conseguiu vencer três encontros seguidos em 2022, centro de atenções para quem quase tudo é uma experiência nova — que Emma (11.ª do ranking WTA) entrou em campo para defrontar Alizé Cornet (40.ª), francesa de 32 anos que é em quase tudo o oposto da britânica: experiente, consistente, discreta, com um percurso sólido e sem grandes picos.
Ao participar neste US Open, a gaulesa estabeleceu um novo recorde no ténis feminino, com 63 atuações em majors consecutivas. Não falha um desde 2007, quando a sua adversária tinha somente quatro anos.
Com um ténis irregular, misturando as suas fantásticas esquerdas paralelas com erros básicos, Raducanu perdeu (6-3, 6-3) contra uma adversária que, simplesmente, foi melhor. Tal como melhores têm sido muitas das suas oponentes em 2022, ano em que Emma nunca conseguiu chegar às meias-finais de qualquer torneio.
O fantasma das lesões que tanto têm perseguido Raducanu reapareceu, com a jogadora a ser assistida no final do primeiro parcial devido a bolhas na mão direita. Foi, assim, eliminada a campeã em título, sem surpresa de maior vendo as prestações recentes da jovem, que tem 13 vitórias e 16 derrotas na temporada. No que a torneios do Grand Slam se refere, a primeira época completa de Emma no circuito termina com eliminações na 2.ª ronda na Austrália, Roland-Garros e Wimbledon e na eliminatória inaugural no US Open.
Uma queda abrupta no ranking que pode ser “tábua rasa”
Ao perder os 2.040 pontos do US Open anterior, a britânica vai cair, pelo menos, para a 79.ª posição da hierarquia mundial, podendo até perder mais posições no ranking. Um estatuto que fará com que Emma, estrela de multinacionais, deixe de ser cabeça-de-série em muitos torneios e tenha de pedir wild cards ou disputar as fases de qualificação noutros eventos — uma nova fase no paradoxo Raducanu.
Que os pontos acumulados no US Open em que deixou o mundo boquiaberto e que estavam a sustentar o seu ranking deixem de contar pode ser uma forma simbólica de cortar com a quinzena que parecia atrelar-lhe um conjunto de expectativas irreais. A reflexão foi feita pela própria jogadora na conferência de imprensa depois do duelo.
Emma Raducanu é assistida devido a bolhas na mão direita durante o encontro frente a Alizé Cornet
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De chapéu a tapar-lhe parte da face e a esconder os olhos, e falando quase sempre mais cabisbaixa do que o normal, Emma não disfarçou a frustração, ainda que isso não a impedisse de ter a eloquência do costume. A britânica admitiu a “tristeza” de abandonar aquele que é “provavelmente” o seu “torneio favorito”, mas está "de certa forma contente por fazer tábua rasa”, deixando para trás o rótulo de campeã em título do US Open.
“Vou descer no ranking e terei de traçar um novo caminho para o topo. O alvo deixará de estar nas minhas costas”, disse a tenista, como que aliviada por deixar de ter o estatuto que, nos últimos 12 meses, transportou como maldição.
Com frases curtas, mas evidenciando uma digestão da situação que não deixa de surpreender tendo em conta a sua idade, Raducanu utilizou a ideia da “tábua rasa” várias vezes, esperançosa de que a ideia do US Open 2021 a deixe de perseguir. “Posso recomeçar. Não sei qual será o meu ranking, mas sei que será, provavelmente, bastante baixo”, indicou.
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Num ténis feminino em que a irregularidade é a norma, cheio de indefinições e surpresas, Raducanu deseja, para o futuro, conseguir fazer “semanas consistentes” e até assume “entusiasmo” por ter “um novo começo”. Até final de 2022, admite começar já a disputar “torneios menores” para “subir de novo no ranking”.
O relato da noite em que Emma Raducanu voltou ao US Open foi a crónica de uma derrota esperada, com os festejos dos pontos ganhos a terem algo de contido em si e a soma dos erros a conter pouca sensação de surpresa. A jovem rapidamente começou a olhar de forma vazia para o horizonte, buscando soluções que não existiam dentro de court.
O ar triste e algo conformado da que será, durante mais alguns dias, a campeã em título do major nova-iorquino foi a constante durante a conferência de imprensa. Lançando mensagens que pediam que a olhassem como a adolescente inexperiente que é, Emma argumenta que, “vendo com perspetiva e tendo em conta os 19 anos”, não teve “uma má época”.
“Se me dissessem há um ano que seria top 100, aceitá-lo-ia”, defendeu a jogadora. A velocidade arrasadora a que saltou do anonimato para o topo em apenas 15 dias levou Raducanu a viajar numa estrada cuja vertigem a superou nos últimos 12 meses. O desejo de deixar de “ter o alvo nas costas” é a esperança que uma jovem desportista tem de voltar, simplesmente, a ser isso: uma adolescente com tempo e espaço para crescer.