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O labirinto de Emma Raducanu, presa entre constantes lesões e dúvidas sobre as pessoas que a rodeiam

Pela terceira vez em 2022, a britânica de 19 anos teve de retirar-se de um encontro devido a problemas físicos. Sem um treinador a tempo completo, várias vozes do ténis questionam a metodologia seguida pela adolescente que emergiu de rompante no ténis quando conquistou o US Open, há quase um ano

Pedro Barata

Tim Goode - PA Images/Getty

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A expetativa em Nottingham era elevada. Emma Raducanu estava a jogar em solo britânico pela primeira vez desde o triunfo no US Open, que marcou o início da sua ascensão a estrela global. Em 2021, um wild card permitira à jovem estrear-se num torneio WTA naquela cidade, então como número 366 do ranking. Uma volta ao sol passada, tudo era diferente.

Emma, 11.ª na hierarquia mundial, entrou na relva para enfrentar, na ronda inaugural, a suíça Viktorija Golubic, 55.ª do mundo. Um ícone publicitário, com contratos milionários com diversas marcas e parcerias com Dua Lipa, entrava num court para o começo da sua primeira temporada de relva completa como tenista do circuito profissional — mais um exemplo do paradoxo Raducanu, a estrela para quem quase tudo no mundo das raquetes é uma novidade.

Mas, se para a adolescente muitas coisas parecem novas, o que sucedeu logo após os três primeiros jogos de serviço no encontro foi um cenário que começa a ser recorrente. Emma, queixando-se da zona abdominal, pediu assistência médica, deitando-se na relva enquanto uma médica do circuito WTA analisava a sua situação. Após alguns minutos de massagens, Raducanu voltou ao court.

Tim Goode - PA Images/Getty

O incómodo físico, disse a britânica posteriormente, “já vinha do primeiro jogo”, quando a jovem se questionou “como é que continuaria a jogar”, mas, caso se tivesse retirado tão cedo, o público não entenderia “que tivesse sequer começado a jogar”. Emma tentou lutar contra as dores, mas a médica que a assistiu disse-lhe que “seria muito difícil que continuasse”. A número 11 do mundo “não conseguia servir”, já que, pela localização do problema, “tudo era difícil” — até “respirar”.

Trinta e três minutos depois do começo do embate, Emma Raducanu teve de desistir por uma “lesão muito estranha”, comentou a tenista em conferência de imprensa. A radiografia feita depois detetou uma lesão abdominal, que a obrigará a retirar-se do WTA 250 de Birmingham, na próxima semana. Num comunicado, Emma expressou a sua “tristeza” por falhar o torneio, mas disse esperar “estar de volta para aproveitar o resto da temporada de relva”. A “BBC”, o “The Guardian” e o “The Telegraph” noticiam que é esperado que a jovem esteja apta para Wimbledon, que começa a 27 de junho.

Uma sucessão de lesões

Depois de ter sido forçada a retirar-se, Raducanu queixou-se da “má sorte”, porque “sente” que tem feito “trabalho muito bom”, mas há “coisas que estão fora” do seu “controlo”. Questão de azar ou não, o abandono em Nottingham foi o terceiro da jogadora em 2022.

Emma sendo assistida a um problema nas costas em Roma

Emma sendo assistida a um problema nas costas em Roma

Robert Prange/Getty

Em fevereiro, a britânica retirou-se na primeira ronda no Guadalajara Open, frente a Daria Saville, devido a uma lesão na anca que a obrigou a falhar o torneio de Monterrey; em maio, abandonou o duelo da primeira ronda do WTA 1000 de Roma contra Bianca Andreescu devido a uma lesão nas costas.

Além destes problemas que a obrigaram a retirar-se, Emma também saiu do Open da Austrália com “bolhas enormes” na sua mão direita que “demoraram semanas a sarar”, queixou-se das costas depois de ser eliminada em Indian Wells, em março, e teve de receber tratamento a uma bolha no pé durante um duelo da Billie Jean King Cup, em abril.

A opção “inacreditável” de não ter treinador a tempo inteiro

Um dos aspetos que mais controvérsias gera, por estes dias, em torno de Emma Raducanu, tem sido a gestão da sua equipa técnica. Andrew Richardson, o treinador que a acompanhou no triunfo no US Open, saiu do staff da britânica no final de setembro, pouco depois da vitória em Nova Iorque que impressionou o mundo.

Desde que Emma era muito nova que os pais acreditaram que, para o seu desenvolvimento, era bom experimentar várias modalidades — Raducanu praticou basquetebol, golfe, equitação, motocross ou esqui — e ter contactos com diversos treinadores. Mesmo antes de ser profissional, a britânica foi saltando de técnico em técnico. E essa alternância tem-se mantido.

Depois da saída de Richardson, Raducanu fez um teste com Esteban Carril (ex-técnico de Johanna Konta, que chegou a ser número 4 do mundo), antes de contratar Torben Beltz. No entanto, o alemão, que orientou Angelique Kerber quando a sua compatriota venceu o Open da Austrália e o US Open, em 2016, saiu do cargo apenas quatro meses depois.

Louis Cayer entrou depois para a equipa de Emma como “consultor técnico”, ainda que os dois principais clientes do treinador — Joe Salisbury, número 1 mundial de pares, e Neal Skupski, número 10 do ranking da variante — tenham descrito a situação como “estranha”. Nos últimos meses, Raducanu tem competido no circuito sem um treinador a tempo inteiro, recorrendo a alguns técnicos da LTA, a federação britânica de ténis.

Tim Clayton - Corbis/Getty

Durante o torneio de Roland-Garros, John McEnroe, lenda do ténis e agora comentador da "Eurosport", descreveu a ausência de um treinador a tempo inteiro com a jovem como “inacreditável”. “Se eu tivesse vencido o US Open vindo da qualificação [como fez Emma], não mudaria o meu treinador durante, pelo menos, um ano, então não entendo o que ela tem feito”, opinou o vencedor de sete majors. O americano disse que “obviamente” os pais da jogadora “estão envolvidos” na decisão, mas que esta “porta giratória” de treinadores “não é boa” para nenhuma tenista, “muito menos alguém na fase da carreira em que ela está”.

Num artigo de opinião no “The Telegraph”, Judy Murray, mãe de Andy Murray e treinadora de ténis — chegou a orientar a equipa britânica na Fed Cup —, aconselhou Raducanu a “contratar experiência e conhecimento femininos para a sua equipa”. Na opinião de Judy, é “cada vez mais claro que o corpo de Emma precisa de tempo para amadurecer”, tal como acontece com outros atletas jovens, que têm de se tornar “mais robustos e resilientes”, num processo “que não acontece da noite para o dia”.

Judy Murray realça a importância de trabalhar com um preparador físico a tempo inteiro, bem como com um fisioterapeuta que “conheça o corpo” do atleta. A escocesa considera ainda que seria importante que Raducanu trabalhasse com “especialistas que entendam o corpo feminino”, particularmente pelas particularidades que o ciclo menstrual coloca às jogadoras. “Quantas atletas de hoje adaptam o seu ciclo menstrual ao seu treino e desempenho? Quantos poderiam sentir-se mais empoderadas se investissem numa especialista em saúde feminina, tornando o ambiente à sua volta mais centrado na mulher?”, interroga-se Judy Murray, que lamenta que esta questão seja “muitas vezes negligenciada”.

Tim Henman, antigo jogador britânico, comentou durante Roland-Garros que “talvez” Raducanu precisasse de “melhorar fisicamente”. Nick Brown, técnico de Iga Swiatek quando a atual líder da hierarquia mundial venceu Wimbledon em juniores em 2018, também questionou “qual é a experiência em redor” da britânica, considerando que, com as constantes mudanças na equipa técnica, Emma tem ”perdido tempo de desenvolvimento fundamental”.

Emma Raducanu é já uma das atletas do mundo que mais dinheiro encaixa em patrocínios, com acordos com marcas como a Evian, Porsche, Dior, British Airways ou Nike. Mas Judy Murray questiona “qual o custo para o corpo” da jogadora, duvidando que “o superior interesse da atleta esteja a ser colocado em primeiro lugar”.

“Quando os desportistas são tão novos, não podes esperar que eles tomem todas estas grandes decisões. Eles são sugados para o cenário do curto prazo e claro que pode ser tentador jogador em todos estes torneios lucrativos”, escreve Judy Murray.