De pêra no queixo e tímido bigode a pernoitar sob o telhado do nariz, Gabriel Medina está cabisbaixo. Boné na cabeça e óculos a esconderem o olhar, tem uma mochila às costas, segura uma prancha no braço e caminha para o incerto no par de imagens a preto e branco. Ambas sugerem solenidade, como um aviso para o que a legenda das fotos traz. “Caro WSL, por favor entenda a importância dessa discussão”, alerta logo, “o surf é a minha vida e o meu amor por este desporto é incondicional”, esclarecendo que pretende “deixar um belo legado quando olhar para trás um dia”. Depois, focando-se no agora, a mensagem asseverou-se ao reclamar falar em nome “da comunidade de surf, especialmente a brasileira”.
Em seis parágrafos, o tricampeão mundial brasileiro ‘atirou-se’ à World Surf League na segunda-feira, após a conclusão do Surf Ranch Pro, sexta etapa do circuito mundial onde se ficou pelos quartos de final, eliminado com a mesma pontuação (16,67) de Ethan Ewing, australiano que sorriu em vez dele pelo critério de desempate ser a melhor onda surfada (9.07) no heat. Aí se gerou todo o berbicacho desmesurado para lá do saudável, incontrolável pelo brasileiro, dentro do qual a espécie de comunicado publicado por Gabriel Medina no Instagram serviu de faísca:
“O surf é a minha vida, e meu amor por este esporte é incondicional. Surfo com paixão e pretendo deixar um belo legado quando olhar para trás um dia.
No entanto, a comunidade do surfe, especialmente a brasileira, está estarrecida com a falta de clareza e inconsistência na definição das notas já há muitos anos, mas ultimamente isso tem sido ainda mais chocante.
Está claro que a avaliação dos juízes está agora recompensando um surfe muito simples, transições incompletas e PROGRESSÃO e VARIEDADE está sendo completamente retirada da equação. Isso é muito frustrante e ameaça o crescimento do esporte.
Fãs e patrocinadores não aceitarão que isso continue e, em um futuro próximo, acabarão se afastando, uma vez que esperam um julgamento igual e justo para o esporte.
Também é importante observar que muitos treinadores tiveram a oportunidade de falar com a WSL após as baterias/etapas para discutir sobre PROGRESSÃO e VARIEDADE nos critérios e a falta de valorização para as manobras. O retorno recebido é sempre bastante defensivo, com exemplos ruins para ilustrar seus argumentos.”
A WSL precisa urgentemente esclarecer seus critérios e aplicar um julgamento justo para preservar a evolução do esporte.”
Não é, de todo, inédito ver Gabriel Medina a criticar publicamente as pontuações que os juízes da WSL lhe dão em etapas do Championship Tour (CT). Mas, provavelmente, nunca o fizera com tanta predominância de surfistas brasileiros no principal circuito mundial, que com os anos foram aumentando a tração e o interesse que domar ondas em pé numa prancha suscita no seu país. Vulgarmente denominada de ‘Brazilian Storm’, a insurreição definitiva do talento de uma nação para a modalidade aconteceu em 2014, quando Medina virou o primeiro brasileiro a ser campeão do mundo. Outros lhe sucederam: o mais decano entre eles, Adriano de Souza, ganhou em 2015, depois seria Ítalo Ferreira (2019) e o ano passado foi Filipe Toledo, com o próprio Gabriel a celebrar outras duas vezes (2018 e 2021) nos entretantos. Dos últimos oito títulos, seis foram para brasileiros.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: dpombo@expresso.impresa.pt