Râguebi

Raffaele Storti e o seu bigode igualam o recorde de ensaios marcados numa só época na segunda divisão francesa de râguebi

Raffaele Storti e o seu bigode igualam o recorde de ensaios marcados numa só época na segunda divisão francesa de râguebi
Alex Livesey - World Rugby

O jogador português, que marcou três ensaios no último Mundial de râguebi, chegou aos 21, esta época, em 18 jogos na ProD2, a segunda divisão de França, igualando o recorde de ensaios marcados numa só temporada da prova. Raffaele Storti, ponta do Béziers, precisou de menos nove jogos do que o até agora único detentor da marca, que durava há 10 anos. E ainda tem, pelo menos, três partidas para o ultrapassar

Foi um ensaio na esperteza. Rapidamente posta a reciclar num ruck, a bola saiu da molhada no chão, à direita, lado fechado e por onde havia pouco espaço para explorar, indo de mão em mão em direção à linha lateral oposta. O ponta, número 11, estava lá bem perto à espera de um passe que o fizesse correr e tentar finalizar a jogada, mas foi o 14 a surgir num ápice, embalado a alta velocidade. O último passe chegou a Raffaele Storti que acelerou mais um pouco, esgueirou-se a uma placagem e a mais outra à beira da área de ensaio, onde caiu para fazer o toque de meta. “Essai historique!”, ouviu-se no entusiasmado relato. Num paradoxo, cara do português não refletia essa alegria.

Raffaele Storti levantou-se e cumprimentou, com feições sérias, alguns colegas que o felicitaram. O Béziers perdia então com o Aurillac por 17-0, acabaria mesmo por ser derrotado no final (27-7) e a falta de sorriso na face do português explica-se pelo resultado. Mas, no momento em que fugiu mais uma vez a quem o tentou parar, Storti atingiu um marco histórico: ao 18.º encontro que realizou esta época na ProD2, marcou o 21.º ensaio e igualou o recorde de anotações na história da prova. O detentor da marca era de Mosese Ratuvou, quando distribuiu esse número de ensaios em 2013/14, pelo Lyon, com uma diferença destacável.

O fijiano chegou o número em 27 partidas e a flecha portuguesa precisou de apenas 18 para o conseguir. “É possível, mas depois há lesões e nunca se sabe o futuro. Prefiro manter a cabeça baixa e pensar jogo a jogo, não me focar tanto nisso e mais nos resultados coletivos”, dissera, em janeiro, transbordando despreocupação quando a Tribuna Expresso lhe falou, no primeiro estágio da seleção nacional após o Campeonato do Mundo, sobre a hipótese de bater o recorde. Para já, igualou-o, mas oportunidades não lhe faltam para ultrapassar a marca e ficar como seu fiel depositário.

Raffaele Storti e o bigode que tem mantido aparado têm ainda três jogos na fase regular da ProD2. O ponta, de 23 anos e formado no Técnico, clube de Lisboa, poderá depois estar em mais duas ou três partidas, dependendo da classificação final do Béziers. O clube está no 3.º lugar do campeonato em que os dois primeiros são automaticamente de divisão e os quatro seguintes disputam um play-off de subida ao Top14. É nesse topo do râguebi de França, seja como for, onde Storti vai estar na próxima época - o português tem contrato assinado com o Stade Français, equipa de Paris que tem casa mesmo ao lado do Parque dos Príncipes onde há quatro compatriotas (Vitinha, Nuno Mendes, Danilo e Gonçalo Ramos, no PSG) aos pontapés numa bola redonda.

A vida de Raffaele Storti é a correr com uma oval nas mãos. Melhor marcador esta época na ProD2, não perde tempo desde o Mundial, palco-maior do râguebi onde coisas acontecem e perceções se fixam na memória dos adeptos. O ponta marcou três ensaios no torneio (dois à Geórgia e um às Ilhas Fiji), fundamentais para a seleção garantir o empate e a vitória que deram os primeiros resultados pontuáveis a Portugal na história da competição, onde participou só pela segunda vez. Ele nem viajou para Lisboa na ressaca da prova, onde a maioria dos restantes ‘Lobos’ foram recebidos por uma maralha de gente efusiva no Aeroporto Humberto Delgado.

Béziers

Cinco dias após a saída de Portugal do Mundial lá estava Raffaele Storti, em Béziers, sem perder tempo e de volta aos sprints pelo seu clube - onde também joga Samuel Marques -, marcando logo um ensaio contra o Colomiers, equipa de Rodrigo Marta, outro companheiro de seleção. A cadência de ensaios foi-se mantendo e na semana passada a seta portuguesa até conseguiu três ensaios no mesmo jogo. A aventura na segunda divisão de França faz Storti correr para um regresso onde a realidade lhe bateu de frente, há uns anos: depois de uma experiência no Uruguai encurtada pela pandemia, o português foi contratado pelo Stade Français, em 2020, mesma equipa onde terá uma segunda oportunidade na próxima época.

Na primeira, mais gaiato e ‘verde’ nas andanças profissionais do râguebi, custou-lhe a adaptação à vida mais regrada. O “treinar profissionalmente” e a necessária recuperação “como um profissional” em que se inclui “o repouso” custaram-lhe, o homem é um animal de costumes e os novos hábitos que exigem metodismo levaram o seu tempo. Não foi só a constância de “analisar os treinos e os jogos”, o comer bem e as horas no ginásio, o “não sair tanto à noite”, admitido pelo próprio com um sorriso malandro, também lhe custou. Raffaele Storti não jogou nesses tempos, mas foi “esse ambiente” que o “fez desenvolver” para o jogador que hoje é - decisivo, constante e histórico.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: dpombo@expresso.impresa.pt