Ronaldo e as estatísticas top secret

Na máquina debulhadora que é o calendário internacional de futebol, escasseia cada vez mais o tempo para respirar. Ainda há dias vivemos o desapontamento da eliminação de Portugal no Euro 2024 frente a França e no final desta semana já haverá nova lista de jogadores prontos para voltar ao terreno, desta vez para mais uma edição da Liga das Nações. Como diria certa personagem de certa novela protagonizada pelo saudoso ator brasileiro José Wilker, o tempo ruge e a Sapucaí é grande.

O epílogo de uma grande competição é uma ótima oportunidade de olhar para a frente. E olhar para a frente não é olhar para o início de setembro, daqui a pouco mais de uma semana, quando Portugal receber por cá as seleções da Croácia e da Escócia. A Liga das Nações não é a qualificação para o Mundial de 2026 por excelência, mas é aqui que o novo ciclo de dois anos começa. O objetivo não é ganhar à Croácia: o objetivo é estar, daqui a menos de 24 meses, a jogar o Mundial e, de preferência, ser um dos favoritos à vitória.

Mas olhando para as entrevistas que Roberto Martínez concedeu na última semana ao Zerozero e à TVI/CNN, fica difícil perceber se, de facto, o selecionador nacional já está a olhar para os Estados Unidos, Canadá e México. Apesar da promessa de trazer “jogadores novos”, as mudanças que se preveem para o arranque do novo ciclo são, essencialmente, forçadas: Pepe deixou o futebol, Rui Patrício não tem clube. Esses não serão seguramente chamados na sexta-feira, a partir das 10h30. Os restantes, todos podem sonhar. Principalmente Cristiano Ronaldo, que surge de novo como uma espécie de intocável, apesar do paupérrimo Europeu e do tempo também para ele urgir - e rugir.

Martínez praticamente confirmou que Ronaldo é para continuar e Ronaldo, numa entrevista que será transmitida esta segunda-feira no canal Now, do qual é acionista, já deixou claro que quer “ajudar a seleção nos próximos compromissos”, que gostava muito de jogar a Liga das Nações e que não avisará ninguém quando resolver deixar a seleção. A bola está do seu lado e Cristiano sabe que sim, apesar de, no desporto, o rendimento ser normalmente o melhor barómetro para definir quem está dentro ou fora. O treinador espanhol socorreu-se de esoterismos vários para defender a continuidade do avançado do Al-Nassr - e agora YouTuber - para um projeto que terá dois anos, nomeadamente umas tais “estatísticas” e “informação confidencial que comprova” uma “narrativa”. Uma forma extraordinária de colocar as coisas. Se estivéssemos a falar de um agente secreto, claro. Mas como estamos a falar de um jogador e do futuro da seleção nacional, talvez fosse avisado apontar algo mais concreto e não dados ocultos.

Esperemos que não sejam estatísticas semelhantes às apresentadas por Martínez para outra narrativa (ou será a mesma?), a de que Portugal criou muitas oportunidades no Euro 2024 e que só faltou mesmo o golo. Números com os quais Martínez se justificou? Portugal foi a seleção “com mais posse de bola no último terço”, o que supostamente mostra “verticalidade e intenção”, disse ao Zerozero. Se ao menos tudo fosse assim simples.

Não é nada impossível que Cristiano chegue aos jogos da Liga das Nações e desate a marcar golos. Ainda para mais com Gonçalo Ramos lesionado para bastante tempo, a seleção nacional vê-se, de repente, com uma crise de avançados e não foram seriamente tentadas outras alternativas. Não há ninguém que duvide da “disciplina” de que Martínez fala, do “trabalho” do capitão da seleção nacional. Mas sobre estatísticas, e já que estamos a falar delas, confidenciais ou não, há que olhar para uma muito complexa na sua imensa simplicidade: daqui a dois anos, Cristiano Ronaldo terá 41 anos. Mesmo que fisicamente continue preparado, na Alemanha foram evidentes as dificuldades em acertar no timing de salto, de remate, no momento certo para se desmarcar, tudo pormenores em que era exímio no seu auge e faziam dele um avançado especial. Haverá algumas estatísticas que também o mostram.

E é tudo normal, porque Ronaldo é humano. Ronaldo será sempre uma figura essencial para Portugal, jogue ou não, seja convocado ou não. As suas camisolas não irão desaparecer das ruas, encostadas à pele dos adeptos. A história não se apaga. Mas a vida também é feita de futuro.

* Minutos antes da publicação desta newsletter ficámos a saber da partida de Sven-Goran Eriksson. Com ele há um antes e um depois nos bancos do futebol português, na profissionalização do futebol aqui jogado. E, por isso, aqui vai uma homenagem ao sueco.