Naquele cerrar de persiana de um ameno dia de setembro, Alvalade presenciou um esoterismo de botas calçadas quando se esgotavam os minutos do jogo contra o Tottenham que não seria para aqui chamado, mas é, por motivos de raridade: por mais excelso que seja um jogador, farta dose de incompreensível houve quando Arthur Gomes, entrado de fresco e já nos descontos, se estreou pelo Sporting a gingar, driblando dois adversários com os primeiros toques na bola e marcando um golo num tipo de momento hermético que cola uma etiqueta na carreira de qualquer futebolista.
Desde então, a vida de verde e branco listado a horizontal tem-se feito de ziguezagues mais entendíveis numericamente. Foram apenas três vitórias em nove partidas feitas, no intervalo das quais o treinador tem dito, repetido e insistido que a equipa é mais controladora com a bola, frequentadora mais assídua da área dos outros, se diversifica mais nas formas de lá chegar, mas sofreu muitos (14) golos e marcou não tantos (11) quanto Rúben Amorim estima serem os ajustados à produção de oportunidades, redundando na falta de eficácia que nem ele a compreende, nem sabe explicar para lá de um “há qualquer coisa no ar que se sente”.
Longe de estar de joelhos ou a passar as passas do futebol, ao Sporting, num moribundismo muito próprio de um clube que facilmente vê um clima de tragédia erguer-se à sua volta, bastava um empate no sexto jogo da Liga dos Campeões para sobreviver à fase de grupos uma segunda época seguida e, ao intervalo, o marcador era um arranjador de sorrisos. Lia-se 1-0, vindo de uma maneira para sacudir o queixume contra fatores intangíveis: à primeira oportunidade, gerada pela paciência de Edwards à direita para atrasar um passe e ser Ugarte a cruzar para a área, a bola acabou no pronto remate de Arthur, o portanto duplo festivaleiro de golos na Champions.
Ter sido o brasileiro a marcar foi, no campo, uma amostra de racional. Entrelaçado num jogo de pouco risco tomado pelas equipas, os alemães deixavam os centrais do Sporting terem vários toques na bola pela preferência em juntar homens ao meio, protegendo-o de ligações a Ugarte e ao hoje médio Pote. Os leões recuavam os alas no campo para o momento da saída de bola, mas, sem terem a pressão altíssima do Eintracht aquando da ida à Alemanha (0-3), tanto Nuno Santos como Porro viam poucas opções de passe por diante quando eram solicitados. Edwards nada recebia nas costas dos médios alemães e Paulinho não era visto para jogar em apoio, de costas para a baliza.
O golo (39’) não surgiu pela frenética velocidade de Arthur Gomes e a sua aptidão por galgar relvado a correr com a bola. O brasileiro que é um doppelgänger chapado do neerlandês Wijnaldum - parecença cuja explicação também não mora na lógica -, contudo, foi o jogador diferenciador para o Sporting no novelo de encaixes e pedaços de alquimia que era o encontro. O casaco despido por Rúben Amorim no banco e arremessado, furiosamente, contra o chão, serviu de reação do treinador ao que se vê e não se explica.
O mau trato ao agasalho aconteceu logo após o tornozelo direito de Nuno Santos torcer quando o jogador plantou o pé na relva a seguir cortar um cruzamento. Lesionou-se e teve de ser substituído. Antes, já Ugarte coxeava há muito, saltitando por vezes com dor, correndo aos solavancos e mantendo-se em campo sabe-se lá porquê. Quando, depois de um canto defensivo, a equipa zarpou em contra-ataque e o deixou na área com três passes, o uruguaio atrapalhou-se ao tentar travar com a bola e a mazela terá pesado para acabar com essa quase-oportunidade. Cheio de inexplicabilidades a acontecerem-lhe no campo, o Sporting ganhava.



Necessitado de uma vitória, o Eintracht saiu do balneário já com o capitão Sebastian Rode a meio-campo. Muito mais pressionantes sobre qualquer ação dos adversários, os alemães encurralaram o Sporting contra a sua área pela reação forte às perdas de bola e mastigando bem a que tinham com Götze, o deambulante de serviço, a aproximar-se de Daichi Kamada, o talentoso japonês que avançou para a esquerda do ataque com as mudanças ao intervalo. Perante tamanho aumento de ritmo e pressão, os leões decaíram a pique - e a alquimia futebolística revisitou-os.
A jogada era de ressaltos, cortes e bola no ar quando Coates, na fronteira da área e de costas para um adversário, saltou para a cabecear e ela lhe tocar num braço quando o uruguaio aterrava na relva. O inadvertido e quase inusitado toque fez o árbitro apitar o penálti com que Kamada empatou tudo (62’) à hora de jogo. Ainda a bola não fora ao centro do campo e o soluçante Ugarte, pão para toda a obra a meio-campo apesar de ser uma versão coxeante dele próprio, era substituído por Dario Essugo e a muita da capacidade da equipa reagir saiu com o uruguaio.
A oleada máquina de pressão e agressividade nos duelos, disputas de bola e intensidade nas trocas de bola que Rode muito ajudou a injetar no Eintracht enlameou o Sporting nele próprio. Incapaz de olhar longe para Paulinho e o encontrar no primeiro ou segundo passes após recuperar a bola - o próprio avançado nem sempre lograva segurar as solicitações que lhe chegavam -, a equipa de Rúben Amorim mal jogava, apenas resistia, limitava-se quase a existir nas insuficiências sem viver para tentar aguentar-se na Liga dos Campeões.
Onze minutos demorou até ao Eintracht soltar o pandemónio em Alvalade. Bastou Edimbe tocar para o ar uma bola para as imediações de Gonçalo Inácio e o Kolo Muani expôs, uma vez mais esta época, as fragilidades do canhoto central nos duelos: o português deu-se à disputa física, encostou o corpo, foi ultrapassado e o avançado disparou o 1-2 já bem perto de Adán. O resto do tempo contou-se com o Sporting a tentar na desorganização da pressa e de fazer os possíveis com o pouco que, sim, é explicável.
Porque o quarto de hora de sobra que a equipa tinha para reagir foi uma espécie de não-reação auto-provocada. A desordem de como atacar era evidente e não parecia saber por onde, nem como desmontar o Eintracht; a incapacidade em usar Paulinho para deixar gente com bola e de frente para a baliza continuou; as ações de Trincão, entrado após o primeiro golo, era uma coleção de erros e precipitações que acresceram Porro de responsabilidade para desequilibrar pela direita; do outro lado, Arthur era servido sem apoios por perto. Mais perto do fim, até Jovane Cabral foi lançado, numa réplica de planos passados, mas sem o contexto de então (o cabo-verdiano foi integrado tarde no plantel, depois de supostamente não contar).


Quando a partida ouviu o último apito, o Sporting estava de rastos e virtualmente fora das competições europeias, dependente de algo caído do céu dos descontos do Marselha-Tottenham. Por lá e na derradeira jogada, o dinamarquês Pierre-Emile Højbjerg marcou o golo que chocalhou as contas do grupo para os leões, afinal, estarem na Liga Europa quando o futebol retornar do Mundial invernoso do Catar. A consolação de manter os jogos a meio da semana serve será o palpável que restará quando os leões se comiserarem dos próprios males.
Nos 10 jogos contados desde aquele que soltou a farra à euforia com um momento do mais esotérico que poderia haver, o Sporting sofreu a sexta derrota, outra mostradora de como o futebol é um iô-iô imprevisível de emoções. Porém e concretamente para a equipa de Rúben Amorim, esta é também outra que serve para expor o risco presente no planeamento da época (plantel curto, uma vez mais), as fragilidades destapadas pela venda imprevista de Matheus Nunes, a ineficácia da equipa em concretizar oportunidades de golo (neste jogo, nem as conseguiu gerar) e a linha defensiva/comportamentos sem bola que já não têm a coordenação motora de outrora.
O Sporting vai titubeante como nunca na companhia de Rúben Amorim e o próprio treinador, antes de reencontrar o Eintracht, não sabia bem como justificar parte dos problemas (os de finalização), indo buscar a falta de “confiança na convicção”. Após sofrer contra os alemães que até jogaram e pareceram mais do que são, retornou à questão da confiança, redizendo não saber bem o que se passa. O primeiro passo será entender o que pode ser compreendido para lá do esoterismo que já visita o Sporting em bastantes jogos.