Antigamente era mais habitual ver-se uma equipa com mais 10 pontos do que outra a nove jornadas do fim. Quando o sistema de três pontos por vitória foi inaugurado, em 1995/96, o que transformou os golos de Domingos Paciência, João Vieira Pinto e Edinho em matérias ainda mais valiosas, o FC Porto tinha mais 14 pontos do que o Benfica. Até ao fim, os lisboetas recuperaram apenas três pontos.
As calculadoras começaram a deitar fumo e o pó a saltar dos dossiers quando o Benfica de Roger Schmidt abriu para 10 pontos a distância para o FC Porto de Sérgio Conceição. Mergulhámos então no que a história tem para contar. Desde 1995/96, apenas em cinco ocasiões é que, a nove jogos do fim da Liga, o líder tinha 10 ou mais pontos de diferença para o perseguidor.
Curiosamente, foi isso mesmo que aconteceu nas três primeiras temporadas analisadas. Em 1995/96, Porto e Benfica tinham 67 e 53 pontos à entrada para a 25.ª jornada e terminaram com 84 e 73. Em 1996/97, quando Jardel fazia mossa, Jimmy idem e até o mítico Gaúcho no Estrela da Amadora, FC Porto tinha mais 10 pontos do que o Sporting (63, 53) e terminaram com 85 e 72, respeitavemnte. Em 1997/98, os dragões contavam com 59 pontos à 24.ª jornada, mais 10 do que o Benfica, e os encarnados conseguiram apenas recuperar um ponto.
Ou seja, sendo as estatísticas e os números quase sempre inúteis quando os futebolistas entram em campo, a lengalenga do futebol mostra que é muito, muito improvável que a equipa de Conceição venha a ultrapassar a maquinaria afinada de Roger Schmidt, que ainda vai sonhando com uma gracinha na Liga dos Campeões.
Como se escreveu em cima, só em mais duas situações é que se vislumbrou a tal vantagem a nove jornadas do fim da Liga, entre 1996 e 2022. A quarta vez deu-se em 2002/03, com um tal de José Mourinho no comando dos azuis e brancos. Num campeonato que teve Fary como melhor marcador, com os mesmos 18 golos do que Simão Sabrosa, o Benfica que teve no banco Jesualdo Ferreira e Antonio Camacho seguia a 13 pontos de Deco e companhia à entrada para a reta final. Os portistas, com a belíssima caminhada na Taça UEFA a dividir atenções, deixaram o maior rival aproximar-se, mas quase nada: Porto acabou com 86 pontos e Benfica com 75, a distância encurtou-se meramente em dois pontos. Ou seja, um empate.
Finalmente, em 2007/08, numa Liga de 30 jornadas, o FC Porto de Jesualdo Ferreira estava a dar um bigode aos rivais, com mais 12 e 17 pontos do que Benfica e Sporting, respetivamente. A equipa treinada por Paulo Bento perdeu três pontos para o futuro campeão, mas garantiu o segundo lugar, enquanto os encarnados, com nova revolução no banco – Fernando Santos, Fernando Chalana e Antonio Camacho –, protagonizou uma reta final desastrosa, terminando em quarto lugar, a 23 pontos do rival do norte.
A Liga Portuguesa tem perdido estes tiques de isolamento social no que toca ao cume da montanha. Há precisamente 10 anos, por esta altura, Benfica e Porto tinham apenas dois pontos de diferença, que sorria para os lisboetas. Os dragões acabariam por dar a cambalhota na Liga, conquistando-a por um ponto. Nas nove temporadas a seguir, até 2021/22 portanto, a equipa da Luz estava na liderança em cinco delas a nove jornadas do fim e, mesmo apesar das mais curtas distâncias (5, 4, 2, 1 e zero), nunca desbaratou a oportunidade de conquistar o campeonato.
Já o FC Porto, como perseguidor a nove jornadas do fim (desde 1995/96), o melhor que fez, embora inutilmente, foi recuperar cinco pontos ao Boavista, em 2000/01. Pena, porventura um avançado mal-amado, fartou-se de marcar golos e o grupo de Fernando Santos aproximou-se perigosamente dos axadrezadas, que foram campeões com apenas mais um ponto. Com glória aconteceu, como já referido, em 2012/13: o FC Porto tinha menos dois pontos do que o Benfica por esta altura e acabou por vencer a Liga com mais um ponto. Mas o oposto também aconteceu: em 2016/17, os dragões perderam cinco pontos nesta fase.
Com Sérgio Conceição, o maior feito desta natureza deu-se em 2019/20, quando a sua equipa estava sete pontos atrás do Benfica à passagem da jornada 17. A partir daí, para além da troca de Bruno Lage por Nélson Veríssimo, os lisboetas que fardam de vermelho caíram e permitiram mais uma festa nos Aliados. No fundo, foi um troco. Mehdi Taremi e companhia devolveram aos senhores da Luz a amargura que na época anterior estes haviam inaugurado, quando, à entrada para a 16.ª jornada, as águias seguiam em quarto lugar a 7 pontos dos portistas, logrando depois uma das maiores façanhas das últimas décadas.
Agora, já sabemos, os rapazes de Schmidt contam 68 pontos, resultado de 22 vitórias e dois empates em 25 jornadas. Os números parecem tranquilizar os profetas: o melhor ataque (66) e a melhor defesa (14) denunciam, tal como os arquivos agora desempoeirados, que dificilmente alguma coisa vai mudar até ao fim da Liga. No entanto, há a questão europeia e isso, se vai inspirar ainda mais ou motivar um abaixamento de nível internamente, é para já uma incógnita.