Na 4.ª divisão de França, Andy Carroll voltou a gostar de jogar de futebol. E paga mais de renda de casa do que recebe de salário
Girondins Bordeaux
Em 2011, o Liverpool pagou €40 milhões por Andy Carroll ao Newcastle, fazendo do avançado o jogador mais caro do futebol do Reino Unido. Desde então que nunca marcou mais de 10 golos por época, mas, aos 35 anos, aceitou ir para o Bordéus, histórico do futebol francês que foi à falência e caiu à 4.ª divisão. É lá que o inglês está a desfrutar da vida, onde o que recebe de ordenado nem lhe chega para pagar a renda da casa
O nome de uma pessoa, quando dito para o ar e captado por orelhas, acende de imediato uma lâmpada dentro das nossas cabeças. Ouvido “Andy Carroll”, a primeira memória a fazer piscar uma luz poderá ser a de um tipo esculpido que nem um armário, alto e largo, canhoto de pé, um rabo de cavalo no cabelo e vestido com o vermelho da camisola do Liverpool. Há quase década e meia, o clube desembolsou 40 milhões de euros para contratar o mamute de avançado ao Newcastle, transformando-o na então transferência mais cara na história do futebol britânico.
O inglês nortenho jogou na Liga dos Campeões, foi convocado para a seleção e marcou no Campeonato da Europa de 2012, cumes de uma carreira de mais promessa do que uva. Tipo de avançado pneumático, com um estilo martelo e ávido de poucos toques na bola, desde a ida para o Liverpool que Andy Carroll não mais alcançou a marca dos 10 golos por temporada em 13 anos que preencheu entre a equipa vermelha da cidade de onde brotou Paul McCartney e John Lennon, o ‘seu’ Newcastle, o West Ham ou o Reading.
Em 2023, com vontade de largar Inglaterra e sem nunca ter experimentado o estrangeiro, aventurou-se um pouco, esticando o pé para alcançar a outra margem do Canal da Mancha e pisar Amiens, terra de onde podia conduzir de volta à ilha nas suas folgas. Retribuiu na última época só com quatro golos, apanágio de um avançado para ser referência na área e outros servir outros que gravitem em seu redor. A contemplar pensamentos de reforma, jogando cada vez menos, quis mudar e o seu agente, em simultâneo um conselheiro de um clube caído em desgraça, sugeriu-lhe encarar o futebol apenas pelo prazer de jogar, abdicando de mordomias.
E o matulão Andy Carroll, sábio com os seus 35 anos, pensou: “Posso jogar num clube enorme e desfrutar da minha vida.”
Em 2011, o avançado foi contratado pelo Liverpool na mesma janela de transferência de inverno em que Luis Suárez chegou ao clube.
John Powell
Em 2011, o avançado foi contratado pelo Liverpool na mesma janela de transferência de inverno em que Luis Suárez chegou ao clube.
John Powell
12
Foi assim, pensando apenas assim, sem um neurónio dedicado a regalias ou, dito pelo próprio em entrevista recente ao The Athletic, a “coisas estúpidas” que fez com os balúrdios que auferiu noutras paragens, que o inglês acabou Bordéus, o histórico clube do sul de França banhando pela riqueza da sua região vinícola que tombou esta temporada na 4.ª divisão. Empobrecido pela falência a que muitos anos de ruinosas gestões o condenaram, o Bordéus foi castigado com a despromoção ao escalão semi-profissional, mas Carroll não quis saber.
“Gasto mais dinheiro por estar no Bordéus do que aquele que ganho, basicamente”, explicou o grandalhão inglês. Além dos custos com “alimentação e carro”, a renda de casa que paga “é mais do que aquilo que recebe” do clube.
Enterrados os tempos em que comprava mansões a Rod Stewart e depois a enchia a garagem de carros luxuosos ou decorava as assoalhadas de gatos Bengal, uma das raças mais caras, Andy Carroll cansou-se dos perlimpimpins de dar nas vistas fora do campo (não sem culpas próprias no cartório) e da perseguição da cultura dos paparazzi em Inglaterra. Ainda hoje, lamenta, “cada vez” que vai a Inglaterra o treinador do Bordéus lhe diz “ó não, primeira página de jornais” novamente. Parece acertar sempre: “Estive lá três vezes esta época e houve sempre uma história na imprensa. Não consigo fugir disso.”
Isso acontece quando aproveita o tempo livre para ir ao seu país. Em França, Andy Carroll diz regozijar com o sossego de poder sair à rua, da certa indiferença concedida ao jogador para quem apareceu tudo demasiado rápido. Um geordie (alcunha dos nativos de Newcastle) de gema, foi aos 21 anos de helicóptero para Liverpool, sucumbido à pressão de protagonizar a mais cara transferência entre clubes britânicos na mesma janela de transferências em que o clube comprou as dentuças de Luis Suárez ao Ajax. O uruguaio seria um dos melhores avançados que alguma vez pisou Anfield e a Premier League, o inglês um projeto sem um pinga de sucesso no clube (fez 11 golos em 58 jogos).
Esta época, o avançado inglês leva cinco golos feitos em três jogos.
Girondins Bordeaux
O seu repentino aparecimento na ribalta serve de paralelo, embora na direção contrária, à vertigem sofrido pelo Bordéus, que o empurrou para onde hoje está: a temporada passada, já na segunda divisão, o clube propriedade de Gérard López cedeu ao poço das perdas milionárias e dívidas sem fim, fazendo o também dono do Boavista, outra instituição endividada, declarar falência. A equipa outrora de Zinedine Zidane e Alain Giresse, campeã de França em 2009 com Christian Gourcouff, perdeu a licença para jogar nos campeonatos profissionais.
Trágico na sua queda, mas ainda a mover 20 mil adeptos para os encontros caseiros no Matmut Atlantique, moderno e bonito estádio erguido para o Euro 2016, o Bordéus seduziu timidamente Andy Carroll com o pouco que tinha. Foram iscos que chegaram e sobraram ao avançado, feliz por aceitar as humildes condições reveladas, este sábado, pelo Sud Ouest. O jornal da região noticiou que o avançado aufere 1.614 euros de salário bruto e renunciou a receber uma prestação que lhe permitira alegadamente receber mais de 4.000 euros adicionais. “Gosto de jogar futebol, seja em que nível for”, garantiu ao The Athletic, dando conta que ex-companheiros em equipas da Premier League lhe enviam mensagens a perguntar o que raio anda a fazer nas catacumbas do futebol francês, num clube pelos vistos a perecer.
Está lá, explica-lhes, simplesmente “pelo amor ao jogo”. Era “exatamente isso” que ele queria.