“Foste tu! Foste tu!” A mirada de Vinícius Jr. sondava a bancada por trás da baliza do Valência, procurava alguém, queria encontrar a origem do que os seus ouvidos captaram, mais uma vez, num estádio em Espanha. O irrequieto brasileiro preparava-se para bater um canto, urgira o árbitro e um dos auxiliares do que ouvira e estava agitado. “Está a chamar-me macaco, macaco”, explicou a De Burgos Bengoetxea, imitando os gestos por norma atribuídos aos primatas, curvando os braços e levando as mãos às axilas. O encarregado do apito tentou acalmar o jogador do Real Madrid antes de ir perto dos bancos de suplentes para falar com os treinadores, explicando-lhes que se tal acontecesse de novo iria suspender a partida oficialmente.
Enquanto Rüdiger, Éder Militão ou Lucas Vázquez, do Real Madrid, tentavam acalmar Vinícius Jr., o capitão do Valência, José Gayà, apelava à calma dos adeptos da sua equipa, que contestavam o futebolista adversário que apontava para o insultuoso entre eles. Havia “a possibilidade de o jogo ser suspenso devido aos comportamentos racistas de certos espetadores”, escutou-se no sistema de som do estádio Mestalla, para reforçar o aviso. O encontro nunca chegou a tal, mas, na prática, esteve interrompido cerca de 10 minutos pela efervescência dos nervos e a gravidade da denúncia. O extremo merengue tinha os olhos a aguentarem lágrimas.
Pouco mais tarde, quando um sururu no relvado causou faíscas entre alguns jogadores, Vinícius Jr. foi expulso por tocar na cara de Hugo Duro, avançado do Valência. Ao encaminhar-se na direção dos balneários, o internacional brasileiro fez um ‘dois’ com os dedos para a bancada - sinalizando o perigo de serem despromovidos à II divisão espanhola - enquanto do anfiteatro se ouviam cânticos duvidosos - os muitos dos milhares presentes pareciam entoar “Tonto! Tonto!”, mais tarde houve vídeos publicados nas redes sociais onde era fácil discernir gritos de “Mono! Mono!”.
Em castelhano, significa “macaco”. E não foi o único insulto racistas proferido.
Até esta partida, que o Real Madrid perdeu (1-0), a La Liga registara oficialmente oito denúncias de insultos racistas contra o jogador brasileiro, reportando todas ao Ministério da Justiça espanhol. Após o jogo, Vinícius Jr. lembrou-o, criticando a inoperância da entidade para atuar. “Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas. Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista. Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui”, escreveu, também nas redes sociais.
Nem uma hora depois, Javier Tebas, o presidente da La Liga, respondeu ao visado jogador que sido alvo de insultos em vários estádios de Espanha: “Já que quem te deveria explicar não te explica o que é e o que pode fazer a La Liga em casos de racismo, tentámos explicar-te nós, mas não te apresentaste em nenhuma das reuniões que tu próprio solicitaste.” No Twitter, o líder da competição onde impropérios racistas se vão repetindo pareceu querer virar a agulha contra o futebolista que, em 2023, vai ouvindo impropérios sobre a sua cor de pele. “Antes de criticares e injuriares a La Liga, é necessário que te informes adequadamente Vinícius Júnior. Não te deixes manipular e assegura-te de que entender bem as competências de cada um e o trabalho que temos vindo a fazer juntos”, acrescentou Tebas.
Pouco demorou até o jogador brasileiro responder à primeira e, até agora, única reação do presidente da Liga Espanhola ao sucedido em Valência. “Mais uma vez, em vez de criticar racistas, apareces nas redes sociais para me atacar”, apontou, não se poupando nas críticas: “Por mais que você fala e finja não ler, a imagem do seu campeonato está abalada. Vejas as respostas aos seus posts e tenha uma surpresa… Omitir-se só faz com que você se iguale a racistas. Não sou seu amigo para conversar sobre racismo. Quero ações e punições. Hashtag não me comove.” De repente, uma das cinco maiores ligas da Europa fechava a noite de domingo com Javier Tebas a nem se referir a mais um caso de racismo e a sugerir que o provavelmente mais popular futebolista da competição que gere terá culpa por ser insultado, repetidamente.




Este novo exemplo de insultos racistas dirigidos a Vini Jr., além do bate-boca público com o presidente da La Liga, motivaram até uma reação de Lula da Silva. “Quero fazer um gesto de solidariedade com Vinícius, um jovem que é sem dúvida o melhor jogador do Real Madrid e que sofre agressões repetidas”, escreveu o presidente do Brasil, no Twitter, afirmando esperar que “a FIFA e outras entidades tomem medidas para evitar que o racismo tome conta do futebol”. Sílvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e Cidadania do país, criticou “a postura das autoridades espanholas e das entidades que gerem o futebol”, descrevendo-a como “criminosa”, sentenciado que “revela inegável conivência com o racismo”. O governo brasileiro, através do Ministério da Igualdade Social, revelou que irá notificar a La Liga.
Antes e ainda no estádio do Valência, o treinador do Real Madrid já se escusara a falar de futebol quando chegou a sua vez de aparecer na flash interview. “O que aconteceu hoje não podia acontecer, é bastante evidente. Tinham que parar o jogo. A La Liga tem um problema, estes episódios de racismo têm que suspender o encontro. É um estádio que insulta um jogador por racismo”, defendeu Carlo Ancelotti, que admitiu ter perguntado a Vinícius Jr. se queria prosseguir em campo. “Disse-lhe que não me parecia justo que saísse porque ele não é o culpado, é a vítima. E continuou.”
A sensata lógica do técnico italiano a contrastar com a de Javier Tebas. Mais dentro da noite de domingo, Ancelotti também deixaria a sua crítica no Twitter, afirmando “ser hora de deixar de falar e de atuar com contundência”.
Além-Espanha e dentro do futebol, o caso gerou reações em diversas figuras de perfil. Rio Ferdinand, antigo internacional inglês, perguntou “quem está a proteger” Vinícius Jr. e ainda “quantas vezes teremos de ver este jovem a ser sujeita a esta merda”. O também ex-capitão do Manchester United apelou a uma “abordagem consertada” a este problema, identificando diversos jogadores cujos nomes são dos mais populares no desporto dos pontapés na bola - entre eles, Cristiano Ronaldo, Lionel Messi, Neymar, Kylian Mbappé, Erling Haaland ou Zlatan Ibrahimovic. Depois, o influente Gary Lineker, apresentador do programa ‘Match of the Day’ da BBC, escreveu: “Mais uma vez, o jogador alvo de abusos é a única pessoa a ser castigada.”