“É incrível que ninguém tenha morrido” na final da Liga dos Campeões, em Paris: relatório liderado por Tiago Brandão Rodrigues culpa UEFA
Peter Byrne - PA Images/Getty
Imprensa inglesa revelou principais conclusões do trabalho feito sob orientação do antigo Ministro da Educação. Culpas foram atribuídas aos adeptos do Liverpool para lavar imagem das autoridades, que falharam no planeamento e ação, tendo a UEFA “marginalizado” a sua própria unidade de segurança e a polícia utilizado gás lacrimogéneo em adeptos “sem justificação”
A “responsabilidade primária” dos incidentes na final da Liga dos Campeões 2021/22, em Paris, é da UEFA. Esta é a grande conclusão do relatório da comissão independente liderada por Tiago Brandão Rodrigues, antigo Ministro da Educação com a tutela do Desporto e da Juventude, que esteve no cargo entre 2015 e 2022. Além da entidade máxima do futebol europeu, também a polícia francesa e a Câmara Municipal de Paris são criticadas no texto sobre o ocorrido antes do duelo entre Real Madrid e Liverpool, de acordo com informações publicadas pelo “The Guardian” e a “Sky Sports” — o clube inglês já criticou que o relatório tenha visto a luz do dia através de órgãos de comunicação social, antes da publicação oficial.
“É incrível que ninguém tenha morrido”, considera-se, concluindo-se que uma tragédia de grandes dimensões poderia ter acontecido nas imediações do Stade de France. É, também, criticada a culpabilização dos adeptos ingleses, considerando-se que as autoridades o fizeram para limpar a sua imagem.
Depois de, durante o verão, a idoneidade e independência de Tiago Brandão Rodrigues e dois dos seus ajudantes portugueses, Daniel Ribeiro e Luís Silva, ter sido questionada, o antigo ministro reforçou a equipa de investigação. Foram nomeados Kenny Scott, antigo chefe de segurança da UEFA, Frank Paau, chefe da polícia de Amsterdão, Clifford Stott, académico especialista em gestão e policiamento de multidões, ou Pete Weatherby KC, um advogado que representou 22 famílias envolvidas no desastre de Hillsborough, - em 1989, morreram 97 pessoas durante um encontro entre Liverpool e Nottingham Forest.
O caso de Hillsborough é, efetivamente, usado como comparação no relatório. Após o desastre ocorrido nas meias-finais da FA Cup em 1989, a polícia de South Yorkshire também acusou, sem fundamento, os adeptos do Liverpool, culpando-os das suas próprias falhas, como foi depois apurado em investigações e relatórios. No entender do relatório, se assemelha ao que foi feito em 2022.
A equipa liderada por Brandão Rodrigues considerou, em sentido oposto, que a experiência de Hillsborough partilhada por muitos adeptos do Liverpool os fez estarem conscientes dos perigos possíveis e ajudou a evitar desastres fatais. No entanto, isto também aumentou o trauma psicológico subsequente.
As conclusões do relatório foram obtidas após a recolha de depoimentos junto de dirigentes da UEFA, a polícia e a Federação de Futebol francesas, a Câmara Municipal de Paris, o Liverpool e adeptos. Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, recusou-se a ser entrevistado, respondendo por escrito.
Matthias Hangst
Apesar de haver bastantes críticas às autoridades francesas, o painel deixa claro que as falhas de segurança, que poderiam ter levado a mortes, são, em primeiro lugar, responsabilidade da UEFA, organizadora da Champions. “Altos dirigentes da UEFA permitiram que isto acontecesse”, lê-se na informação partilhada pelo “The Guardian”.
Segundo o documento, a UEFA “marginalizou” a sua própria unidade de segurança, dirigida por Zejlko Pavlica, amigo próximo do presidente Ceferin. Esta equipa “não teve papel efetivo” no planeamento da final, nem da gestão da crise que surgiu. A decisão de adiar o começo do jogo - que, segundo o relatório, deveria ter sido tomada pela polícia no local em coordenação com esta unidade da UEFA - foi tomada por Ceferin, na área VIP do estádio, onde o esloveno tinha estado reunido com o rei de Espanha.
As críticas à polícia de Paris centram-se na falha ao prevenir a aglomeração de pessoas numa zona de acesso ao estádio, bem como no uso de gás lacrimogéneo em adeptos “sem justificação”. O nível de treino dos stewards presentes na final é também considerado insuficiente.
É ainda recordado o depoimento feito ao Senado francês por Martin Kallen, chefe de organização de eventos da UEFA. O responsável disse que a entidade “conhecia o Stade de France bem” e que “lá tinha organizado finais da Liga dos Campeões sem problemas”, sendo “ a última em 2006”.
Ora, o relatório classifica esta ideia “como objetivamente não verdadeira”. Na avaliação que a UEFA fez à final da Champions em 2006, entre o Barcelona e o Arsenal, declarou terem havido “diferendos com vários parceiros, nomeadamente com a polícia de Paris”, bem como “problemas nos acessos”, concluindo que o “Stade de France não era um local indicado para uma final da Champions”.
O trabalho liderado por Tiago Brandão Rodrigues indica que o sucedido deveria servir como “chamada de atenção” para a realização de melhorias em França antes do Mundial de râguebi, já este ano, e dos Jogos Olímpicos de 2024.