Em maio, mudada a final da Liga dos Campeões para Paris devido à guerra que a Rússia levou à Ucrânia e que fez a UEFA retirar o jogo de São Petersburgo, antes de se ver a bola a rolar já muito se vira nas imediações do estádio de Saint-Denis: milhares de adeptos afunilados em estreitas filas de acesso, encavalitados uns nos outros, com longas demoras, de facto, às entradas para o estádio. O crescente caos culminaria em pessoas a treparem portões e a esperarem mais de três horas em filas.
No próprio dia e nos primeiros que se seguirem, o depositar de culpas nos adeptos do Liverpool foi pronta. Governo e polícia franceses, mais a UEFA, atribuíram a responsabilidade a quem se deslocou à capital francesa para apoiar a equipa inglesa, algo que os ecrãs gigantes do estádio também mostraram durante os cerca de 30 minutos que se esperou pelo arranque da final, para lá da hora marcada:
“Devido à chegada tardia de adeptos, o jogo foi adiado. Mais informação será dada daqui a um máximo de 15 minutos.”
A mensagem, mostrada e repetida várias vezes no interior de Saint-Denis, contudo, já estava escrita antes da final da Liga dos Campeões. Uma investigação do “The Guardian” publicada esta quarta-feira avança que a UEFA já teria preparado curto texto que, aparentemente, intuía que a culpa para o atraso no arranque da final estava nos cerca de 15 mil adeptos do Liverpool que, segundo contas do mesmo jornal, ter-se-ão acumulado nas ditas filas de acesso preparadas pelas autoridades que causaram o engarrafamento massivo de pessoas.
A curta mensagem a culpar a chegada tardia de adeptos “foi decidido" aquando do “planeamento do jogo” como “o mais provável de ser utilizado no caso de o pontapé de saída ser adiado”, lê-se no “The Guardian”. Após a final, que o Real Madrid venceu por 1-0, a UEFA lançou outro comunicado a criticar “os milhares de adeptos” que teriam tentado entrar no estádio pelo lado reservado aos apoiantes do Liverpool com “bilhetes falsos”.
O governo francês estimara que seriam entre os 30 e os 40 mil, mas a contagem oficial da entidade que manda no futebol europeu ficou nos 2.589 bilhetes contrafeitos. Portanto, nem 10% do número. As críticas às autoridades gaulesas e à UEFA sucederam-se nas semanas seguintes, vindas do Liverpool e de associações de adeptos - em parte, também, pela reminiscência que os incidentes provocaram da tragédia no estádio de Hillsborough, em 1989, onde 97 adeptos do clube morreram devido à derrocada de uma bancada e à “negligência grosseira” da polícia inglesa.
Dois dias após a final, a UEFA anunciou a criação de um grupo de investigação aos incidentes sob a liderança de Tiago Brandão Rodrigues, antigo ministro da Educação (2015 e 2022) que aceitou o cargo pro bono, para “compilar um relatório independente” sobre o caso. Este sábado, o português irá reunir com representantes de grupos de adeptos do Liverpool.