Perfil

Crónica

Ser hater é uma opção ou uma inevitabilidade? (por Duarte Gomes)

Duarte Gomes escreve sobre os haters e o quão o mundo de hoje está cheio de pessoas assim: que só se sentem grandes quando tentam diminuir quem os rodeia. O ex-árbitro lamenta que o hater não fala, briga. Não conversa, discute. Não ouve nem escuta, apenas aguarda a sua vez de ripostar. Fá-lo porque projeta nos outros a forma como, na verdade, se vê a si próprio

Duarte Gomes

VladSt

Partilhar

Hater é uma palavra inglesa, que significa "aquele que odeia" ou o "odiador".

O termo não é recente, mas está cada vez mais em voga. É que, nos novos tempos, a linha que separa privacidade de exposição pública é muito ténue.

Hoje em dia há mais informação a circular, mais pessoas a observar e, convenhamos, menos filtro naquilo que escolhemos expor. Estamos mais descuidados, porque mostramos ao mundo onde estamos, o que fazemos e para onde vamos. Mostramos o que temos e conquistámos, o que pretendemos.

Essa partilha honesta acaba, no entanto, por ser terreno fértil para muitos daqueles que têm na inveja e rancor o sentido de vida.

Em ambiente assim, tão à mão de semear, os haters são como um vírus descontrolado que propaga rapidamente. São incêndio em dia de vento. Uma espécie de tocha humana, que só sobrevive em pleno se sugar dos outros a sua luz, energia e alegria. A mesma que raramente tiveram, sentiram ou experienciaram.

É triste, mas é como é.

Regra geral, o que mais incomoda um hater é o crescimento pessoal e profissional de quem os rodeia. Dos que estão mais perto e dos que estão mais longe. São incapazes de lidar com o sucesso alheio. A ideia de imaginarem a felicidade num mundo diferente do seu causa-lhes revolta interior. Cria-lhes uma sensação de desconforto miudinho, constante, que se manifesta das mais diferentes formas. No fundo, são uns eternos wannabees. Queriam o que odeiam, cobiçam o que criticam. Adoram o que repudiam.

O retrato patológico do hater está traçado, há muito, por especialistas na área de saúde mental: são pessoas inteligentes, mas cinzentas, que tendem a ficar incomodadas com o mérito, posição, conquista ou progressão alheias.

Têm geralmente personalidades perturbadas e só sentem algum alívio emocional quando estão em conflito. Quando chocam de frente, quando colidem, quando esvaziam os outros. Essa postura sacia-lhes o ego momentaneamente, tornando menos infernal a sua existência.

Por vezes os haters até têm uma vida boa, construida com mérito e trabalho, mas o seu foco está tão virado para o trajeto dos outros, que o que lhes acontece de doce sempre sabe a amargo. Eles simplesmente não conseguem saborear o que é seu de tão ocupados que estão em destratar o que não é.

Dizem os entendidos que esses traços começam a vislumbrar-se logo na infância. Na forma como se relacionam com familiares e vizinhos, com colegas e amigos. Mas é quando crescem que deixam de aceitar as suas circunstâncias para olhar apenas para a dos outros.

É como se o crescimento alheio fosse um ponto negro na ponta do seu nariz. Sentem compulsão em espremê-lo a toda a hora, com toda a força. Com todas as unhas que têm.

O hater não fala, briga. Não conversa, discute. Não ouve nem escuta, apenas aguarda a sua vez de ripostar. Fá-lo porque projeta nos outros a forma como, na verdade, se vê a si próprio.

Maltratar terceiros atenua-lhes a dor.

O hater é, como já se percebeu, orgulhoso, invejoso e narcisista. Gosta demasiado de si para se permitir gostar dos outros. Se pudesse viver num mundo perfeito, escolheria aquele em que só existissem espelhos virados na sua direção.

Ao que parece, essa sua forma de ser nem sempre é voluntária. Há os que não têm culpa de ser assim, adoentados. Há os que não têm culpa de ficarem infelizes com a felicidade dos outros.

O mundo de hoje está cheio de pessoas assim. Pessoas que só se sentem grandes quando tentam diminuir quem os rodeia. É um problema sério que deve merecer de nós, pessoas normais e realizadas, uma atitude positiva, de tolerância e compreensão. De humanidade.

Temos que lhes dar a mão e responder, com um sorriso, às suas investidas sucessivas. Temos que os ajudar a não cair ainda mais. Mais do que medicação ou aconselhamento profissional, pessoas assim merecem um abraço genuíno.

O facto de vivermos em paz connosco, com os outros e com o universo não nos dá o direito de apontarmos o dedo a quem prefere morar permanentemente assim. Na sombra vazia de um escuro infinito.