1988 foi o ano em que o Bayer Leverkusen venceu o primeiro e único troféu internacional. Nesse mesmo aglomerado de 366 dias, Céline Dion ganhou a Eurovisão a carregar a bandeira da Suíça. Em 2024, os helvéticos quebraram a seca de conquistas no certame musical. Teriam os farmacêuticos a mesma sorte noutro tipo de palcos? A superstição começou no banco de suplentes e nunca chegou a entrar.
Ademola Lookman atacou um espaço da grande área onde não se esperava que o cruzamento de Zappacosta pudesse chegar. Apenas devido às abordagens ineficazes, quer dos atacantes, quer dos defesas, que tentaram ter uma intervenção perante aquele serviço é que o internacional nigeriano conseguiu marcar o primeiro golo para a Atalanta. Exequiel Palacios (de cristal) quebrou perante o movimento relâmpago do extremo.
Matej Kovár, o guarda-redes checo de 24 anos habituado ao descanso na Bundesliga para gastar os seus honrosos esforços na Liga Europa e nas taças, teve pouca colaboração da linha defensiva que, mediante o posicionamento do bloco dos campeões alemães, contava ou não com Grimaldo. O Bayer Leverkusen não arriscou tudo quanto podia no rendilhar da posse de bola junto da sua área. Kovár, a mirar o jogo de um posto ligeiramente mais adiantado do que os jogadores de campo, posicionamento normal na equipa de Xabi Alonso, achava que estava a fazer um grande favor ao bater a bola diretamente na frente para um ataque desprovido de uma referência. Não correu bem.
A atitude enérgica da Atalanta demonstrava lealdade para com a missão de fazer com que os principais artistas do Bayer Leverkusen jogassem o maior tempo possível de costas. Foi uma estratégia, alicerçada em marcações individuais, que trouxe sucesso. No caso do lance do segundo golo, a carambola que resultou da disputa aérea entre três espadaúdos centrais e três avançados de tamanho XS acabou nos pés de Lookman. Os farmacêuticos, incapazes de adaptarem o posicionamento ofensivo em que estavam nos milésimos de segundo seguintes a perderem a bola, estavam mais descompostos do que alguém a sair do banho. O contrarrelogista nigeriano deu uso à liberdade para se expressar com mais um golo.
“Cá vamos nós de novo...”, terão pensado os jogadores do Bayer Leverkusen que, na meia-final, contra a Roma, outra equipa italiana, estiveram a perder por 2-0 e acabaram por empatar aos 90+7’. Não vale a pena subestimar o coração de um campeão. Não foi desprovido de sobressaltos o percurso da equipa de Xabi Alonso que chegou à final da Liga Europa como campeão alemão, com a possibilidade de vencer a Taça da Alemanha e com uma sequência histórica de 51 jogos sem perder. Foram necessários 17 golos depois dos 90’ para toda essa obra ser construída.
Em Dublin, no estádio que em 2010/11 viu uma final da Liga Europa 100% portuguesa entre FC Porto e SC Braga, a Atalanta teve que lidar com um rosto mais ofensivo do Bayer Leverkusen na segunda parte. Xabi Alonso, de 42 anos, retirou Stanisic, recuou Frimpong e lançou Boniface, a tal referência ofensiva da qual a equipa estava desfalcada. O plano de resgate dos farmacêuticos foi ativado e o emblema de Bérgamo, em estreia numa final europeia depois de ter eliminado o Liverpool, passou a ter um papel secundário no encontro.
Grimaldo deu lugar a Hlozek antes de ter tido relevância maior no encontro. Gian Piero Gasperini, de 66 anos, também ia fazendo as suas mexidas, mas foi o mesmo de sempre que chegou ao hat-trick. A Atalanta, a única equipa que venceu esta época em Alvalade num dos quatro jogos que realizou com o Sporting nesta competição, arranjou uma forma de voltar a criar perigo. Perdendo a capacidade para pressionar e ser acutilante a partir dessa situação, os italianos apostaram em transições ofensivas de pé pesado no acelerador.
Igualmente confortável nesse cenário, Ademola Lookman deu solução de passe a um Scamacca cercado de gente inconsciente de que podiam existir outros caminhos para a baliza e fez o 3-0 suficiente para o Bayer Leverkusen ser impedido de acreditar que podia, no período de compensação, alterar a tendência do resultado.
A Atalanta conquistou o primeiro troféu internacional e fez questão de contradizer a lógica de que uma vitória da Suíça na Eurovisão correspondia a uma vitória do Bayer Leverkusen. Tal como em “Titanic”, filme que tem a voz de Céline Dion como banda sonora da tragédia, a história de amor terminou mal.
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