Se o Giro estava sonolento e sem ataques, tudo isso foi colocado para trás das costas na 16.ª etapa. E o culpado é português, tem 24 anos e uma estátua em A-dos-Francos, a terra que o viu nascer e cujas estradas e caminhos explorou em pequeno em cima do “amor” de duas rodas que agora pedala entre os melhores do mundo.
Na chegada ao Monte Bondone, no final dos 203 quilómetros que partiram de Sabbio Chiese entre terras onde o esqui movimenta muito dinheiro, João Almeida deu o espetáculo que faltava nesta Volta a Itália. Após três subidas, o caldense partiu para a ofensiva na ascensão final. Primeiro colocando a sua equipa, auxílio fundamental, a colocar ritmo, depois acelerando ele, uma e outra vez, não tanto de forma explosiva, mas impondo um andamento infernal.
Todos os adversários foram caindo. O principal derrotado foi Primoz Roglic (Jumbo-Visma), o craque esloveno, três vezes vencedor da Vuelta. Só Geraint Thomas (INEOS), britânico campeão do Tour em 2018, seguiu o português da UAE-Emirates.
Na meta, o campeão nacional bateu Thomas, novo camisola rosa. Almeida está a 18 segundos do líder e Roglic a 29. Damiano Caruso (Bahrain), o quarto, já está a 2,50 minutos de Thomas. Desde 1979 que um português não termina no pódio de uma grande volta. À falta de cinco dias de corrida, esse objetivo parece incrivelmente próximo.
O show de João começou a desenhar-se a 15 quilómetros da meta. Até aí, o Monte Bondone, 22,7 quilómetros a 6,4% de inclinação média, vinha sendo feito com a Jumbo-Visma na frente, levando a acreditar num Roglic em bom momento.
Só que a UAE-Emirates tinha outras ideias. Aceleraram, primeiro com Formolo, depois com Ulissi, finalmente por Jay Vine. Almeida, óculos na cabeça, camisola branca — símbolo do líder da juventude — meio aberta, face de concentração, parecia bastante confortável.
A 8,5 quilómetros da meta, Vine, colega do português, impôs um ritmo mais forte, selecionando ainda mais o grupo. E, a 6,7 quilómetros do fim, o trabalho do coletivo começou a ser rematado pelo cidadão mais conhecido de A-dos-Francos.
Tim de Waele/Getty
João não é o mais explosivo dos corredores, mas cerrou os dentes e ditou um passo mais intenso uma e outra vez. Até que, a 5,8 quilómetros do topo, o português isolou-se. Atrás ficaram Roglic e Thomas, bem como Sepp Kuss, norte-americano companheiro de Roglic, e Eddie Dunbar, irlandês da Jayco.
Ali, naquela ida a solo, os últimos meses de trabalho na alta montanha ganhavam sentido. Os estágios de altitude, os tempos passados na Serra Nevada ou em Andorra. Atrás, Sepp Kuss mostrava a sua classe como um dos melhores gregários de montanha do mundo, minimizando perdas para Roglic até aos últimos metros.
Sentindo a fragilidade do esloveno, Geraint Thomas acelerou e apanhou João. O português e o britânico iriam juntos até final, abrindo um buraco considerável para os demais.
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Deixado para trás Roglic, três vezes vencedor da Vuelta, era tempo de bater Thomas, campeão do Tour em 2018. Craques das duas rodas batidos por João Almeida na melhor exibição da carreira do caldense na alta montanha. Depois de Acácio da Silva e Rúben Guerreiro, há um terceiro português a erguer os braços na corsa rosa.
A 17.ª tirada do Giro não trará montanha, uma exceção numa última semana muito dura. O combate entre os candidatos volta quinta-feira, com cinco contagens de montanha, antes da ainda mais dura tirada de sexta e do contra-relógio decisivo de sábado. Portugal fica à espera de nova exibição de João, o audaz dos sonhos cor-de-rosa.
A classificação geral do Giro depois da 16.ª etapa, com Almeida a 18 segundos do líder.
Giro d'Italia