Do Giro do salve-se quem puder fomos para o Giro do sono. Os dias de abandonos em massa parecem, para já, terem ficado para trás, mas deram lugar a jornadas de pouca emoção, numa grande volta onde já se correram 13 etapas mas escasseiam os momentos para a memória.
Nesta corrida estranha, que já perdeu o maior favorito devido a covid-19 e em que a meteorologia parece mais protagonista do que os corredores, o grande ponto de debate da 13.ª tirada começou por ser a redução do percurso. Estavam previstos 199 quilómetros entre Borgofranco d'Ivrea e Crans-Montana, com três subidas que levavam o pelotão de Itália até à Suíça.
No entanto, na noite passada, os ciclistas invocaram o protocolo de clima extremo, o qual define que o pelotão pode, se se verificarem certas condições meteorológicas, votar para solicitar uma alteração no percurso. A votação anónima foi feita e 90% dos atletas concordaram em pedir a mudança à organização.
Mauro Vegni, diretor da corrida que vem sendo muito criticada pela falta de uma linha clara para responder às questões do clima, acordou com os ciclistas uma solução de compromisso: eliminava-se a primeira subida, o Gran San Bernardo, e a descida subsequente, temida pelo pelotão devido ao gelo na estrada e mau piso, tirando 125 quilómetros à jornada, mas mantinha-se o Croix de Coeur, subida duríssima vendida desde o momento em que se revelou o percurso como um dos pontos altos desta edição.
Assim, a 13.ª etapa teve somente 74,6 quilómetros e começou com imagens insólitas: a parte que foi subtraída foi feita com os ciclistas dentro dos autocarros, perante os protestos de quem enfrentava o mau tempo para estar na beira da estrada para ver um espetáculo que foi cancelado.
O cenário do começo da etapa: espectadores prontos a verem os ciclistas acabaram por assistir à passagem dos autocarros, com os corredores lá dentro
Tim de Waele/Getty
Depois de perder os tais 125 quilómetros, a etapa foi monótona, sem emoção ou rasgo, uma ida dos favoritos pelas duas subidas — Croix de Coeur e Crans-Montana, a ascensão final — a ritmo, quase sem ataques. Talvez seja isso o que mais convém aos três homens do pódio: Geraint Thomas (INEOS) e João Almeida (UAE-Emirates), gente sem grande mudança de ritmo e fã de ir em cadência gradual, e Primoz Roglic, mais adepto das acelerações finais e sem a força coletiva da Jumbo de outras corridas, ainda que tendo em Sepp Kuss talvez o melhor gregário de montanha do mundo.
Assim, os homens da geral lá foram subindo as duas montanhas sem que nada de especial acontecesse, adiando novamente a existência de diferenças numa classificação que, passados 13 dos 21 dias de corrida, mantém-se muito igualada.
Thomas, Roglic e Almeida chegariam juntos, sem ataques, indo para sábado na mesma: Thomas lidera com dois segundos de vantagem para o esloveno e 22 para o português.
Pinot atacou uma e outra vez, com Cepeda e Rubio perseguindo. No fim ganhou o colombiano
LUCA BETTINI/Getty
Na frente, houve quem tentasse dar o espetáculo que os homens que querem vestir a rosa não proporcionaram. E falar em espetáculo é mencionar um francês com aroma a pedalar atacante, ousado, que será recordado quando, no final de 2023, terminar a carreira.
Thibaut Pinot (Groupama-FDJ) é um romântico, um daqueles que dá muito espetáculo e não ganha muito, mas que dignifica o ciclismo e alegra as tardes de quem o vê. Chegou à subida final numa fuga com Valentin Paret-Pientre (AG2R), Derek Gee (Israel-Premier Tech), Einer Rubio (Movistar) e Jefferson Cepeda (EF Education). Arrancou logo no início e só os dois últimos o seguiram.
Durante boa parte da subida, foi essa perseguição o cenário habitual. Pinot atacava e ganhava alguns metros. Cepeda seguia-o de longe até encostar e Rubio ia mantendo uma distância daquelas que parecem próximas na vista mas distantes na pedalada. Sempre sem a colaboração do equatoriano e do colombiano, a irritação do francês era visível.
Lá acima chegaram os três, ao contrário do que Pinot queria com os seus ataques. E o que mais dificuldades teve para os seguir foi quem ganhou. Rubio, quem mais sofreu do trio, atacou para o triunfo, a melhor vitória da carreira para o colombiano de 25 anos em quem um país amante do ciclismo deposita grandes esperanças para o futuro. O Giro perdeu quilómetros, emoção e a alegria de ver o atacante Pinot ganhar.