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O Tour é de Jonas Vingegaard, o dinamarquês elegante apoiado pelo predador Wout van Aert

Na última etapa de montanha da Volta a França 2022, o trepador da Jumbo-Visma fez cheque-mate à corrida: venceu no alto de Hautacam, ganhando 1.04 minutos a Pogacar, que chegou a cair, mas por quem Vingegaard esperou, merecendo saudação cordial do esloveno. O outro protagonista do dia foi, outra vez, Van Aert, que atacou desde o primeiro quilómetro e na subida final ainda ajudou o seu colega de camisola amarela, fazendo descolar Pogacar

Pedro Barata

Dario Belingheri/Getty

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Desde que, à 11.ª etapa, Vingegaard fez o que ninguém tinha feito até àquele momento e expôs as fragilidades nunca vistas de Tadej Pogacar, que o Tour se tornou num exercício de gestão para o dinamarquês da Jumbo-Visma. Sempre que a estrada empinava, a ameaça do ataque do esloveno, bicampeão da corrida francesa, pairava, mas cada aceleração de Pogi era respondida com serenidade e aparente facilidade por Jonas.

A face do dinamarquês pareceu sempre cómoda, mesmo quando Pogacar arrancava dando tudo de si — o que, até à Volta a França 2022, era sinónimo de deixar toda a gente para trás. Essa expressão só se alterou nos últimos quilómetros da subida a Hautacam, nos Pirenéus, mas por uma boa razão. Vingegaard escalava sozinho, com um esgar de esforço enquanto era vitoriado pelo muito público que ladeava a estrada. O magro trepador estava nos limites, mas certamente que aquele era um sofrimento bom. Era o sofrimento de quem ia vencer a última etapa de montanha do Tour e selar muito provavelmente a conquista da mais importante corrida do ciclismo.

Jonas Vingeggaard, de 25 anos, venceu a 18.ª etapa da competição, com 143,2 quilómetros que ligaram Lourdes a Hautacam. Tão ou mais importante que isso, ganhou um minuto e quatro segundos a Pogacar, que foi segundo, passando a dispor de três minutos e 26 segundos de vantagem na classificação geral individual. Se o dinamarquês não tiver nenhum azar, vai ser ele o vencedor desta edição do Tour, quebrando o domínio do líder da UAE-Emirates, que chegou de amarelo a Paris em 2020 e 2021.

Michael Steele/Getty

Depois de, na penúltima tirada de montanha, Pogacar ter cruzado a meta em primeiro mas ter sido incapaz de ganhar tempo na estrada a Vingegaard, a despedida dos Pirinéus era a última oportunidade para que o segundo da geral reduzisse a diferença para o líder. Na teoria, o contrarrelógio de quase 41 quilómetros da etapa 20 poderá beneficiar o esloveno, mas os dois minutos e 18 segundos que separavam os dois mais fortes da corrida eram distância excessiva para ser eliminada só na luta contra o tempo.

Portanto, era evidente que Pogacar atacaria.

Mas, antes das movimentações do ainda bicampeão em título, surgiram os movimentos ofensivos de um ciclista que não deixa de surpreender. É Wout van Aert, o belga da Jumbo-Visma, colega de Jonas Vingegaard que em quase todas as etapas é protagonista.

Van Aert já ganhou duas etapas, foi segundo noutras quatro e vai vencer a camisola verde, dos pontos. Mas, qual predador faminto, nunca está saciado, atacando diariamente, dignificando a corrida e mostrando ser o corredor mais completo da atualidade, tal a diversidade de terrenos em que se destaca.

Ao mesmo tempo que faz a sua corrida, discutindo por ser o primeiro a cortar a meta em quase todas as tiradas, Van Aert ainda é capaz de ser ajuda preciosa para Vingegaard. E assim começou a etapa, com o belga em destaque na fuga do dia.

Wout van Aert, Vingegaard e Pogacar

Wout van Aert, Vingegaard e Pogacar

Michael Steele/Getty

As movimentações de Pogacar chegaram na penúltima montanha da jornada, o Col de Spandelles. Sempre que o esloveno acelerou, o tranquilo camisola amarela respondeu, mantendo uma pedalava suave, serena, não cedendo um metro.

Na descida antes da ascensão final, Pogi voltou a imprimir um ritmo forte, como vem fazendo ao longo do Tour, procurando encontrar fragilidades a descer que Vingegaard não aparenta a subir. E, nessa descida, o esloveno foi ao chão, levantando-se rapidamente mas deslocando do seu adversário.

A queda de Pogacar deu azo a novo momento que marcará este Tour. A rivalidade entre o esloveno e o dinamarquês tem ficado marcada por momentos de desportivismo, visíveis, sobretudo, na forma como ambos se saúdam após a conclusão das etapas. E novo episódio que dignifica o ciclismo decorreu entre estes antagonistas que prometem marcar os próximos anos. Depois do tombo de Pogacar, Vingegaard não acelerou, esperando pelo camisola branca. Quando voltou para junto do dinamarquês, o esloveno agradeceu o gesto com uma saudação cordial.

A subida final chegou e a face de Pogacar não apresentava frescura, mas antes desconforto. Com o passar dos quilómetros, tornou-se claro que o ainda jovem de 23 anos não tinha a energia para desferir um último ataque. E viria ele a ser o atacado.

Wout van Aert, na ofensiva desde o primeiro quilómetro, foi caçado já perto do final da subida. Qual máquina com motor que nunca acaba, o belga fez uma derradeira aceleração que fez descolar Tadej Pogacar. Van Aert, o craque que vence contrarrelógios, ganha sprints e quebra Pogacar na alta montanha.

A partir daí, o destino da etapa — e do Tour 2022 — estava traçado. Vingegaard foi subindo para a glória, cumprindo o sonho de todos os que pedalam uma bicicleta. Ganhou no alto de uma montanha, de camisola amarela, selando a vitória na Volta a França. É o melhor de uma edição espetacular, condizente com estes tempos de ciclismo ofensivo e vibrante, que Wout van Aert personifica melhor do que ninguém.