Ténis

Depois da sobriedade, a aventura de Nuno Borges em Roma acabou com frustração

Depois da sobriedade, a aventura de Nuno Borges em Roma acabou com frustração
Dan Istitene/Getty
Prestes a regressar ao top-50 do ranking, Nuno Borges perdeu contra Alexander Zverev, o quinto melhor jogador do mundo, por 6-2 e 7-5, nos oitavos de final do Masters 1000 da capital italiana, não conseguindo fixar um novo recorde para a prestação de um português em torneios desta categoria. Mas, durante quase todo o segundo set, igualou o atual campeão olímpico e só um erro, já bem perto do fim, fez o maiato cair perante o alemão

Nuno está a postos, com mochila às costas e ambas as alças postas aos ombros. Tem o boné na cabeça, a pala para a frente. Tem a raquete na mão, ensaia uns leves gestos com ela, são inócuos, servem mais para dar um ligeiro movimento ao corpo. O português está no corredor de acesso ao estádio principal do Masters 1000 de Roma, dali por minutos estaria a atirar o primeiro serviço do jogo à rede, depois a errar na pontaria de uma esquerda paralela, de seguida a bater uma bola com a direita que sai demasiado comprida e por fim a ficar plantado na terra ao ver Alexander Zverev fulminar uma esquerda cruzada.

Num ápice, o tipo alto e loiro, alemão mas de traços e influência russos, que esperava atrás de Nuno Borges, no corredor, pela chamada de entrada para o court com a mochila pousada no chão, pôs-se na dianteira do encontro. Impávido e quase imóvel, sem um esgar de emoção na cara, logo o oposto ao português, Zverev demonstrou a mesma energia no campo quando os dois tenistas tiveram uma bola amarela entre eles. O sétimo jogador com residência no top-10 do ranking que Borges defrontava na carreira apoiou-se sem esforço no seu serviço martelo para chegar ao 2-0 e a sua face imutável, parecia mais um costumeiro dia no escritório.

O paradoxo era nítido. O tenista que mais se mexia, agitava e fazia por ativar os músculos foi quem demorou a entrar no jogo enquanto o gigante germânico, com os seus penduricalhos de ouro ao pescoço, parecia uma maquinaria incessante de pancadas que faziam a bola ressaltar perto das linhas. Demorou, mas a constância de Zverev seria igualada pela intensidade que Nuno Borges lá conseguiu impor à sua raquete: ganhou o seu jogo de serviço posterior, começou a medir melhor as subidas à rede, obrigou o adversário a mexer-se no fundo do court. A devolução da gentileza da quebra de serviço consumou o despertar do maiato que vive na reclusão do Centro de Alto Rendimento do Jamor.

De lá, em Oeiras, para o Foto Itálico de Roma são uns quantos milhares de quilómetros e uma enormidade maior na distância tenística que Nuno Borges foi galgando, há mais de uma semana, na antiga capital de um império. Igualado o resultado, a partida começaria a pender para a tranquilidade de Alexander Zverev, que nem parecia verter gotas de suor. Colocando o português sob pressão com praticamente todas as bolas que lhe saíam das cordas, apanhando-o em inúmeros contrapés, teve outras duas quebras de serviço e zarpou do alcance do português, esforçado e arriscado a visar os cantos do campo nas suas pancadas, mas incapaz de furar o alcance dos longos membros de Zverev.

Mais do que real, o 6-2 no primeiro set foi uma representação realista das diferenças vistas em campo entre os dois tenistas, para lá do que os separa no palmarés que não joga, mas sempre interessa.

A ocasião não incomodou o alemão, já decalcado pelas experiências em palcos maiores: é um finalista de Grand Slam (US Open), tem o ouro de uma medalha olímpica (Tóquio) para juntar aos fios no pescoço e ganhou, por duas vezes, as ATP Finals (2018 e 2021) que encerram a época do circuito masculino com os dez melhores do ranking. Uns oitavos de final do Masters de Roma são uma tarefa necessária para o desejo de Zverev ser mais do que um bruto talento a quem falta ali qualquer coisa; para Nuno Borges, equivalem a quase tocar nos píncaros dos maiores feitos do ténis português.

O peso do que estava em causa foi sacudido pelo maiato quando saiu da sombra do banco e regressou ao court. Decidido e bastante mais certeiro, começou o segundo parcial com um jogo de serviço em branco, a disparar bombas com mais de 200 km/h e já capaz de medir winners ou batidas na bola que quase o chegavam a ser. Mais fugidio à esquerda portentosa de Zverev, manteve-se no resultado até quando, com um 2-2, uma marca contestada pelo alemão e virada pelo árbitro, se defendeu da ameaça de ver o seu serviço ser-lhe roubado. E, aos poucos, a paradoxal existência destes tenistas esvanecia-se na terra batida.

A meio caminho do segundo set, a moderação tomara conta de Nuno Borges, virado um poço de contenção nas reações que tinha a pontos bons e maus, a bolas espetaculares com que atravessou Zverev ou aos serviços com que o alemão o penetrou quando precisou que essa sua catapulta o salvasse de sofrer um break. Quando o português recordista em igual com outros portugueses - quatro vitórias numa mesma edição de um torneio Masters 1000, à semelhança de João Sousa e Frederico Gil - teve um amorti de mestre tirado com os pés em cima da linha de fundo, nem aí mostrou um laivo de celebração. A sobriedade fazia-lhe bem.

FILIPPO MONTEFORTE/Getty

Nuno Borges manteve-se neste comprimento de onda até ao 5-5, a pressionar e a chocalhar as fundações de um dos melhores tenistas do mundo com a sua concentração feito monge budista. Mas, quando voltou a sentar-se à beira da cadeira do árbitro, a cara do português, os gestos, a postura, tudo nele se frustrou: bateu com uma garrafa no banco, ameaçou esmurrar algo, abanou a cabeça em desaprovação. Zverev acabara de quebrar-lhe o serviço, em parte, devido um amorti fácil e inofensivo que o português despejou na rede, erro que nem a lei da gravidade pareceu ter forçado. Apenas aí - fora o serviço do alemão - houve algo tangível a separar os tenistas em jogo jogado.

Na frustração o português descortinou um remédio, ele ainda aparentou que ia atirar literalmente a raquete ao chão, mas recompôs-se e do controlo partiu rumo ao ponto de break com o qual ainda ameaçou Alexander Zverev naquilo que o alemão tem de melhor quando está num court de ténis para fazer quem o vê desviar as atenções do pior que paira sobre a sua carreira - as acusações de assédio sexual, sob investigação, interpostas por duas mulheres. Quando fechou o encontro com um 7-5, foi mais um êxito na carreira do quinto classificado do ranking mundial.

Nuno Borges abandonou o court central de Roma com a cabeça em baixo, desalentado, cheio da urgência que tivera para nele entrar. O seu olhar deveria estar levantado quando se apressou a sair do estádio com a mochila já só sustida por um ombro. O português disse adeus a Roma com as suas emoções à vista nos últimos pontos, nos derradeiros gestos. O seu ténis, cada vez mais, permitirá que ele cumprimente mais vezes esta fase dos maiores torneios onde pode estar quem vive para a raquete.

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